O caso Romero Jucá não é uma chuva de verão
Numa época já remota, no que hoje parece ser a pré-história do movimento golpista, seu capitão, Michel Temer, produziu a tese de um governo de “união nacional”, encampada de imediato pela mídia e seus associados, que hoje está entre os maiores disparates ditos neste ano de 2016. O leitor talvez ainda se lembre de que um dos maiores defensores dessa ideia era o ministro do Planejamento licenciado, o senador Romero Jucá (PMDB-RR), homem tido como fortíssimo no esquema de Temer. De lá para cá, todo mundo sabe de cor o caminho que a procissão seguiu. E a tal “união nacional” se revelou uma “união sagrada” contra tudo que se possa chamar de “nacional”.
O escarcéu que a mídia fez com o flagrante delito de Jucá ao ser pilhado em conversas gravadas e divulgadas pelo jornal Folha de S. Paulo não se justifica quando se considera que entre os 23 ministros do atual governo dois são investigados e sete estão citados no âmbito da Operação Lava-Jato. Por que não se divulga a missa por inteiro? Porque a dose do xarope não pode ser exagerada. Tudo tem de ser ao seu tempo. Se o que há por aí contra esse grupo fosse divulgado com a mesma intensidade certamente o governo golpista teria um ataque de nervos. As revelações sobre o assunto têm de cumprir o cronograma do golpe para não parecer uma sombria conspiração política com o objetivo de “desestabilizar” o governo usurpador.
Esses ministros enlameadas garantem que não têm medo de nada e que vão, sim senhor, ficar nos seus cargos. Mas os dados dos seus patrimônios estão certos ou foram inventados sabe-se lá por quem? Estão certos. E são inexplicáveis, como os de Jucá, que nem sequer foi demitido por decisão da única pessoa que podia dispensar seus serviços: o presidente golpista. O ministro se licenciou e nunca mais o governo tocou no assunto. Mas é quase certo que esses especialistas em “malfeitos”, como cunhou a presidenta Dilma Rousseff, estão com seus cargos no velório, aguardando o rabecão para o cemitério.
Escuros murmúrios
E a mídia? Pela convicção do governo golpista, forjada em titânio nos idos de 2016, ela teria conseguido uma das suas mais extraordinárias vitórias desde Gutenberg — provocar um vendaval que a um só tempo derrubou uma presidenta com mais de 54 milhões de votos e instalou em seu lugar o chefe de uma renca de malfeitores. O mais grave é que tudo isso foi feito em nome do combate à corrupção. Seria um feito espantoso, sem dúvida, se essa versão tivesse alguma relação com a realidade — mas não tem, e nunca teve, da mesma forma que a convicção dos barões da mídia não era convicção nenhuma e, sim, palavrório oco, apenas, ou fundo de garrafa vendido como joia.
Mas, para azar de suas excelências do ministério golpista, a coisa é tão feia que nem o supremo governo de “união nacional” consegue segurá-las em seus cargos. Vão para a rua, então, em meio a escuros murmúrios de que são vítimas de “denúncia vazia”, sem que se mencione o papel dos que se preocupam efetivamente com o estancamento dos escandalosos canais por onde transita a corrupção. Estes apenas cuidam de alertar para o que acontece — e Deus sabe a trabalheira que isso já dá. Quem faz as coisas descritas acima são os cidadãos que o presidente golpista escolheu, sem consultar os que não rezam por sua ladainha e muito menos solicitar sua licença para preencher os cargos-chave de seu governo.
Se ele achou uma boa ideia ter em volta de si os “homens de bem” que se veem por aí, de quem é a responsabilidade — dele ou dos que defendem um mínimo de probidade para se lidar com o patrimônio público? Pode não ser só dele, mas dos que são contra o golpe com certeza não é. A conclusão é simples: como a mídia nunca perde a oportunidade de decretar o que está certo ou errado neste país, ela agiu rápido para iniciar a limpeza do caminho da consolidação do governo golpista. Michel Temer começa a ser obrigado a mexer no seu time para trocar um dos sustentáculos do golpe por outro.
O time da mídia
Começam a sair de cena figuras peemedebistas marcadas por péssima reputação ou por ligação pretérita com o governo Dilma Rousseff para entrar outras, mais afinadas com o projeto neoliberal — basicamente gente do tucanato. Ou seja: essa ação contra Jucá não é uma chuva de verão; ela faz parte de um processo mais abrangente. À primeira vista, o licenciamento do ministro parece ser apenas a soma dos disparates que ele acumulou em sua carreira política. Mas a experiência mostra que sempre há uma segunda vista quando a mídia entra em ação para forçar mudanças num governo. Ela raramente entra nesses casos para brincar. Ao contrário, entra para resolver, e resolver a seu favor, com o mínimo de custo e o máximo de resultado.
Não contem com a mídia, em nenhuma hipótese, para colaborar com a fabricação de crises onde ela não tem nada a ganhar. Se alguém imaginava que ela ficaria embaraçada com a questão, pode esperar por uma nova oportunidade; os barões midiáticos são mestres na arte golpista. Para deixá-los emparedados, é preciso bem mais do que essas contradições não antagônicas. O Brasil já viu esse filme. Seu enredo é mais antigo do que andar para frente. Eles não entraram nesse jogo para bater cabeça e dar sopa ao azar. Sabem que com essas figuras as possibilidades de serem rebaixados para a segunda divisão são enormes. Ninguém daria um golpe sem que as cartas estivessem marcadas.
Vencida a primeira etapa, que foi o afastamento da presidenta, agora é a hora de polir as chuteiras e partir para o ataque. Temer deu seu veredicto sobre essa questão quando veio com mais uma daquelas tiradas que vão fazer parte, um dia, de seu livro de máximas e ensinamentos ao tentar convencer deputados e senadores da sua base aliada de que é preciso um esforço para aprovar medidas de “ajuste fiscal”. “Se me permitem, acho que Deus colocou na minha frente, para que eu cumpra essa missão, ou agora num breve período, ou em dois anos e meio, para que eu ajude a tirar o país da crise”, disse. Trocando em miúdos: sua missão é aplicar o projeto do golpe, tão bem conhecido por quem sabe em qual time a mídia joga.