O “Japonês da Federal” e o bode da “Lava Jato”
O agente da Polícia Federal Newton Ishii é um corrupto. Ele não foi julgado nem condenado, mas, pelos critérios da mídia e do seu chefe, o juiz Sérgio Moro, as denúncias bastam para classificá-lo como um fora da lei. Ishii foi apontado como responsável pelo tráfico de informações da Operação Lava Jato, vendendo dados sigilosos para as revistas Veja e Época. “É o japonês. Se for alguém, é o japonês”, disse Edson Ribeiro, advogado do ex-diretor da Petrobras, Nestor Cerveró, preso pela Lava Jato. O Chefe de gabinete do senador Delcídio Amaral, outro preso, também acusou Ishii de traficar as informações da operação.
Ninguém simboliza melhor o subproduto da pirotecnia da mídia em torno da Operação Lava Jato do que ele. Ao ser alçado ao status de símbolo da moralidade pelos golpistas, com direito a marchinha de carnaval e tudo, Ishii se revela aquele tipo de bandido herói, bem ao gosto da direita. Foi assim também com Eduardo Cunha, adotado pela direita e depois, quando surgiram os flagrantes delitos contra ele, jogado no colo do governo. O jornal O Estado de S. Paulo chegou a dar manchete dizendo que a “oposição” (a quem?) recorreria à Justiça para tirá-lo do cargo de presidente da Câmara dos Deputados.
Zona cinzenta
Talvez a mídia não tenha tempo ou capacidade para cometer todos os desatinos que pretende, mas com certeza está empenhada em aproveitar ao máximo as oportunidades que aparecerem pela frente para despejar calúnias contra a presidenta Dilma Rousseff nesse processo de impeachment. A ideia é fazer com que, como no jogo do bicho, o que está escrito ou falado por ela é o que vale — e assim vai se dando como verdade qualquer coisa que apareça contra o governo.
Pouco importa se o dito tem ou não tem nexo. Desde que indique a existência de uma calamidade, a coisa em questão passa a ser repetida, vai se alimentando da própria repetição e acaba por se transformar em verdade mais ou menos oficial. O caso da corrupção é um dos clássicos do gênero. Em matéria de bobagem em estado puro, é o que há. O frêmito acusatório se transformou numa patifaria, uma cruzada de purificação moral sem nenhuma responsabilidade cívica. Se tudo é escândalo, nada mais é escândalo. Aí aparecem os redentores, como apareceram em 1964.
A questão é que a tão falada “ética na política” é carregada de subjetividade. E por isso se transformou em munição para quem faz a luta política de forma desonesta. Em qualquer Estado administrado pelo modelo de democracia em que vivemos existe uma enorme zona cinzenta entre o que é claramente legal e o que é claramente ilegal. É nela que se abre espaço tanto para a corrupção quanto para denúncias infundadas da mídia que ganham imediata repercussão quando o governo não é do seu agrado. A Operação Lava Jato é um caso exemplar.
Maldade insana
Ela é o bode na sala, aquela conhecida metáfora cuja conclusão é que para resolver um problema é preciso criar artificialmente outro maior. Como o da família que vivia apertada em uma casa minúscula. Ela foi se aconselhar com um sábio e ouviu a recomendação de colocar na sala um bode. A vida tornou-se insuportável. Voltaram ao ancião, que mandou tirá-lo de lá. Ficaram tão contentes livrando-se do problemão que o anterior virou um probleminha. Pararam de lamentar o desconforto da casa acanhada e festejaram. Nessa operação, imaginam os golpistas, a imagem do governo fica associada ao bode que eles puseram na sala. Ao tirá-lo, a sala (o poder) ficaria desocupada para eles.
É neste ponto que reside a atual crise política. Na verdade, as engrenagens do poder político num Estado como o nosso não são visíveis a olho nu. Mas o Brasil de hoje tem organizações que controlam a administração pública de forma razoavelmente eficiente, como a Controladoria Geral da União (CGU) e mesmo o Tribunal de Contas da União (TCU) e o Conselho de Ética (que atua com base num código de conduta para a alta burocracia federal) — além do “Portal da Transparência”. Nos governos Lula e Dilma, por exemplo, não se tem notícias de autoridades visitando bancos ou consultorias privadas antes de tomar decisões, como foi comum na “era FHC”. Em suma: há diferenças significativas na forma de governar o país.
O neoliberalismo, que frequentemente dá um ar de modernidade à maldade insana de regimes políticos direitistas, já conquistou seu lugar nos livros de história com a corrupção, as mortes, o sofrimento e a pobreza que provoca. Os estudos de acadêmicos progressistas modernos estão jogando por terra aquilo que, no passado recente, se argumentou serem as vitórias do liberalismo renovado.
Técnica política
Que ideia da direita merece ser lembrada como relevância histórica? Na Ásia, o neoliberalismo devastou a região. No Reino Unido, a crise pela qual passa o Partido Trabalhista assinala o fracasso de qualquer tentativa de justificação de programas que destroem o Estado. O Novo Trabalhismo e sua terceira via (”o oportunismo com rosto humano”, nas palavras de um crítico norte-americano) são, na verdade, exemplos de como se promove a marginalização social.
Na América Latina, nos anos 1990 os governos de direita prometeram que acabariam com as recessões. Não cumpriram a promessa. Depois vieram as pretensões desvairadamente exageradas de que o governo poderia aumentar a renda e a qualidade de vida da população por meio da “estabilização da moeda”. O resultado foi um tremendo fiasco. Agora, eles se propõem a impedir a continuidade da tendência progressista latino-americana por meio de nova pregação fundamentalista neoliberal.
Bater eternamente na mesma tecla, como fazem com a corrupção, utilizando para isso a monopolização dos meios de comunicação, é uma técnica política que, em última análise, alimenta o cinismo neoliberal. No Brasil, dizem, só a defesa da austeridade fiscal, das metas inflacionárias e da flexibilidade cambial será capaz de tirar a crise política da ”câmera lenta” — enquanto aceleram a montagem da operação de resgate das reformas previdenciária, sindical e trabalhista. Essa é a plataforma da direita. Quem quiser que a compre!
Publicado em O Outro Lado da Notícia.