O golpe e o golpe da “corrupção”
Em um país no qual a democracia e a liberdade de expressão são respeitadas, faz parte das regras do jogo acreditar no que a mídia diz. Não no Brasil, e menos ainda no Brasil de hoje. Antes de prosseguir, é preciso definir o conceito de mídia. Resumidamente, ela é o espectro de informações que circulam nos veículos de comunicação majoritários de um país e a sua reprodução como senso comum. Analisar a postura da mídia brasileira tendo como pano de fundo esta definição é ter a certeza de que algo muito grave está ocorrendo. Não é de hoje — vem desde a farsa do “mensalão” — que a denunciamania do conluio da mídia com aparatos do Estado, como pedaços do Judiciário e da Polícia Federal, tem produzido calamidades em série.
A mais grave delas é essa disparatada associação que recebeu o nome de “Operação Lava Jato”, comandada pelo juiz midiático Sérgio Moro, uma pantomima digna do mais veemente repúdio. Criou-se uma indústria da delação premiada, por meio de chantagens e ameaças, pelo qual todos que são delatados imediatamente recebem o carimbo de culpado. Não há apuração, confrontação de dados, julgamento isento de chicanas e politicagem. Tudo ocorre tendo como meta segundas, terceiras e quartas intenções — no caso concreto a pavimentação do caminho para a reimplantação do projeto neoliberal, a “Ponte para o futuro” apresentada pelo golpista desmoralizado Michel Temer.
Podemos estar assistindo algo como uma reedição do que foi a tentativa com Fernando Collor de Mello, destituído do poder por uma série de fatores, e a entronização de Fernando Henrique Cardoso na Presidência da República pilotando o “Plano Real” e trazendo a reboque o projeto neoliberal. Na atualidade, a coisa é mais grave, porque o golpe é explícito, descarado, cínico; há uma campanha da direita para dizer que Temer foi votado tanto quando Dilma Rousseff (o que é um engodo), sem atentar para a elementar constatação de que se foi assim ele deveria aplicar o programa que foi eleito, não o da direita — optar pelo programa apresentado por Dilma Rousseff, não por essa desgracera direitista que ele vem anunciando e tentando levar à prática.
Cruzadas moralistas
O exame clínico do passado recente revela que se existe algo que o Brasil tem de sobra nesses dias — como petróleo, minério de ferro e água — é desfaçatez. Vale tudo para tentar mostrar um governo usurpador, que aparece pessimamente na foto, como uma administração que pode ser salva, com Temer ou sem Temer. A usurpação da cadeira presidencial tem como essência a imposição da agenda da direita ao país. Esse é o verdadeiro golpe. Porque no quesito combate à “corrupção”, a máquina midiática, que já vem andando há um bom tempo com cheiro de queimado, perde credibilidade rapidamente; para que uma denúncia se transforme em indignação social viva e pública, ela precisa de um ingrediente básico: credibilidade.
O recurso demasiado freqüente às tais cruzadas moralistas tem o perverso efeito de desvalorizar a própria cruzada como instrumento cívico e político. Se tudo é escândalo, nada mais é escândalo. Aí aparecem os redentores, como apareceram em 1964, para consolidar o golpe em andamento. O falso combate à corrupção tem sido uma arma recorrente dessa gente. A questão é que a tão falada “ética na política” é carregada de subjetividade. E por isso se transformou em munição para quem faz a luta política de forma desonesta. Trocando em miúdos: essa nova fase da denunciamania tende a se afunilar cada vez mais para a tendência de reduzir as possibilidades de retorno da presidenta Dilma Rousseff ao seu devido posto e ao projeto de impedir a candidatura de Luis Inácio Lula da Silva a presidente em 2018.