Desde 2009 temos compartilhado (e opinado) sobre a tese de que a economia capitalista mundial vem-se atolando num longo e sinuoso processo depressivo, mais que caracterizado pela queda acentuada do produto e do comércio global, pelo aumento explosivo do desemprego e do trabalho precário/temporário, isso aliado ao fenômeno da paulatina e larga deflação de preços no capitalismo, e inexorável agigantamento das desigualdades e terríveis problemas sociais no mundo inteiro – exceto na China.

A ideia de que a crise iniciada em 2007-8 nos levaria à depressão, e não a uma “grande recessão” foi levantada inicialmente por Eric Hobsbawm, pelo marxista paquistanês Anwar Saik, depois explicitamente por Barry Eichengreen. O liberal Paul Krugman atualizou um livro denominado “A crise de 2008 e a economia da depressão”. onde afirma, com razão, era um momento em que “boa parte do mundo, inclusive e sobretudo os Estados Unidos, se debate em crise financeira e econômica, que apresenta similitudes com a Grande Depressão ainda mais chocantes que as tribulações asiáticas da década de 1990” (Elsevier/Campus, 2009, p. 4).

A queda americana

Em dezembro de 2015 a presidenta do Fed (Banco Central dos EUA) afirmava: “a economia dos EUA está num bom caminho de melhora sustentável”; e que por isso, completou, “temos confiança na economia” do país. O banco subira a taxa de juros, que desde junho de 2006 estavam entre zero e 0,25%, para entre 0,25% a 0,50%. Ellen então dissera ainda que: “Essa decisão marca o fim de um período excepcional de sete anos durante o qual os juros foram mantidos em quase zero a fim de sustentar a recuperação”, após a crise iniciada em 2007-8. Ilusão deliberada!

Seis meses depois, ao contrário: Ellen assinalou que os números economia norte-americana, de um crescimento trimestral (mais uma vez revisado de 0,5% e 08%) de apenas 1,1%, assim como um aumento do número de empregos (maio) de 36.000, ao invés do esperado 160.000, explicavam um quadro “decepcionante”. Por isso “havia poucas razões” para se falar em elevar a taxa básica de juros. [1]

De acordo ainda com uma pesquisa entre economistas convencionais da Associação Nacional da Economia de Empresas (NABE), o crescimento econômico dos Estados Unidos será débil em 2016 e se situará em seus índices mais baixos dos últimos quatro anos, ou apenas 1,9%, frente a uma previsão anterior de 2,5% – o que provavelmente é otimista. E, de longe, a menor taxa desse 2009.

O quadro abaixo, entretanto, consegue dar uma visão geral das grandes dificuldades econômico-sociais dos EUA em seu processo de declínio.

 

Assim, bem além do definhamento econômico indiscutível do império central, a) cresce estupidamente o endividamento para financiar os jovens estudantes; b) como também cresce a cada dia o número de americanos (as) que não sobrevivem sem o vale-refeição; c) crescem igualmente o custeio para a saúde, as desigualdades sociais e a dívida pública do país; d) enquanto caem a renda média per capita por residência e a participação da força de trabalho (em comparação com aqueles em idade de trabalhar). Dois outros exemplos simples: a percentagem de homens entre 25 e 54 anos (idade tida como de maior capacitação para o trabalho) que não têm emprego encontra-se em seu ponto histórico mais baixo; a renda familiar real média é hoje 1,3% menor que 2007. [2]

Enfim, examinando as possibilidades de uma nova recessão nos Estados Unidos, nos próximos 12 meses, assim se pronunciou o conglomerado financeiro J.P Morgan-Chase: “Nosso indicador macroeconômico preferido da probabilidade de que uma recessão comece no prazo de 12 meses subiu de 30%, em 5 de maio passado, para 34% a semana passada e para 36% atualmente”. (Em: Roberts, M., idem).

Não à toa o ex-presidente do Fed, A. Greenspan“ – recém-saído das catacumbas -, defendendo e imaginando ser possível os EUA retornarem ao “padrão ouro” do começo do século XX, para a saída do declínio, reconheceu que é falsa a ideia da “recuperação” da economia dos EUA, e que na verdade ela está mesmo é em “estagnação”. [3]

A economia do G-7 segue afundando

Na verdade, o que se constata é o processo de uma maior deterioração da economia capitalista mundial. Decisivo para o produto e o emprego, o crescimento mundial da produção industrial continua a diminuir ou, mais ainda, no caso do G-7 ela está se contraindo (no gráfico abaixo a linha vermelha; em azul a produção mundial; em verde a dos “emergentes”).

 

Para o economista marxista Michael Roberts, em verdade as informações revelam um quadro “estarrecedor”, do ponto de vista dos problemas estruturais da economia capitalista. A produção por pessoa cresceu apenas 1,2% em 2015 no mundo inteiro, abaixo do 1,9% de 2014. Na zona do euro o crescimento da produtividade (PIB por hora trabalhada), é minúsculo 0,3%, e apenas melhor no Japão, de 0,4%. Os EUA desaceleraram o crescimento da produtividade em 2015 para até 0,3%, caindo desde o 0,5% em 2014, muito abaixo da média de 2,4% entre 1999 a 2006.

Zona do euro em deflação. China.  Desemprego

Em relação à economia da zona do euro, o presidente do BCE (Banco Central Europeu) Mario Draghi desenhou (3 de junho) uma projeção para o crescimento do PIB deste ano para 1,6%, e a inflação, de 0,1% para 0,2%. Além dessa deflação evidente, Draghi reconheceu que o crescimento do PIB do segundo trimestre “provavelmente será menor” em comparação ao primeiro e que os riscos descendentes permanecem sobre a mesa (embora menores). Lembrou que uma eventual saída do Reino Unido da União Europeia teria efeitos deletérios na região. “Analistas de mercado” continuam a diagnosticar como inevitável a ampliação do “QE” (Quantitative Easing) europeu.

Na China, embora problema secundário na segunda economia do mundo, “A desaceleração no investimento privado mostra que o ímpeto do crescimento econômico precisa ser fortalecido”, disse Sheng Lai-yun, porta-voz da Agência Nacional de Estatísticas da China. Ele apontou como motivos para a relutância das empresas privadas em investir o excesso de capacidade produtiva e a dificuldade de obtenção de financiamento. Os investimentos referentes a capitais privados no país cresceram 3,9% entre janeiro a maio, caindo em relação aos 5,2%, já considerado fraco, de janeiro a abril deste ano.

De acordo com a OIT, o número de desempregados em 2015 ficou em torno em 197,1 milhões de trabalhadores (as). Em 2016 prevê-se um aumento de cerca de 2,3 milhões, o que levaria o número a 199,4 milhões. Já em 2017, mais 1,1 milhão de desempregados provavelmente serão acrescentados ao registro global, conforme o relatório (World Employment and Social Outlook – Trends 2016 (WESO) da OIT.

Decadência britânica

O ex-economista chefe do FMI, Olivier Blanchard, sugeriu que a economia do Reino Unido passa por um processo de estagnação, particularmente porque as políticas de “austeridade” nesse país foram aplicadas não só em demasia como de maneira muito rápida, comparativamente aos EUA. [4] 

Noutro estudo analisado por Michael Roberts, assinala-se que a “austeridade fiscal” provocou estragos de tal ordem na economia britânica, comparáveis a uma perda anual de 0,7% do PIB entre 2013-2016. Enquanto os economistas Chris Florackis, Gianluigi Giorgioni, Alexandros Kostakis e Costas Milas sustentam que a causa real da estagnação econômica é a forte dependência do Reino Unido de seu setor financeiro, para o crescimento. [Nota 4, idem]

Assim, para Roberts, o fracasso do capitalismo britânico em preservar e desenvolver um seu setor produtivo em lugar de depender de um setor do “idoso” capital financeiro imperial britânico, que se expandiu na última década como numa espécie de “big bang” em “serviços empresariais e financeiros” – ou de outra natureza nos anos 1980 e 1990 -, como uma maneira de tentar crescer economicamente, agora se converteu numa séria desvantagem.

Por outra parte, o Reino Unido possui importantes reservas de carvão, gás natural e petróleo; a maior parte do seu PIB está no setor de serviços, principalmente, bancos, seguros e serviços para empresas; já o setor industrial vem declinando em importância. Desde a crise 2007-8, a crise abateu particularmente a saúde financeira britânica. Ainda em 2010 o PIB do Reino Unido havia caído para a oitava colocação mundial, atrás do Brasil.

Efetivamente, na Grã-Bretanha, a produção por hora trabalhada se reduziu a um incremento anual de apenas 0,2% entre 2007- 2013; depois de um acréscimo discreto tendencial “falso” em 2015 se espera que apresente crescimento zero neste ano. Observe-se.

Por sua feita, o desemprego passou a ser fenômeno elevado e crônico como consequência indiscutível do antigo caráter “rentista” da economia britânica, aliado à crise iniciada em 2007-8. Ultrapassando a média, o Reino Unido teve um aumento na taxa de desemprego em 2012, chegando a mais de 17%, junto com países da zona do euro que possuem as mais altas taxas.

 

Polêmicas sobre o “Brexit”

É em torno desse quadro de antigo definhamento da Grã-Bretanha que se realizou o referendo acerca da saída ou não do Reino Unido da União Europeia. Uma profusão de opiniões e análises – a maioria de espetacular inutilidade – invadiu a mídia global em todas as suas vertentes. Como sempre, intelectuais (geralmente desocupados) de vários matizes ideológicos lançaram suas “teses” sobre os signos do resultado majoritário pela saída da UE (51,9% dos britânicos votaram pela saída, contra 48,1%).

Na verdade, em grande parte desses artigos e análises, sequer um retrato mais de conjunto foi levado em consideração.

Por exemplo, em duas questões centrais, revelou-se uma espécie de “duas Inglaterras”: a) Londres votou para ficar, enquanto a maioria das outras cidades votou pela saída. Na capital, 60% votaram pela permanência e 40% pela saída; b) do ponto de vista geracional, no grupo entre 18 e 24 anos, 64% disseram ter votado pela permanência; opção de apenas 33% dos britânicos entre 50 e 64 anos. Ou seja, a região mais avançada do capitalismo britânico votou pela não saída, mesmo caminho seguido por uma maioria expressiva de praticamente 2/3 da juventude do país! A Irlanda do Norte também votou pela permanência (55% contra 44%); o País de Gales votou pela saída (52,5% contra 47,5%); na Escócia, por exemplo, 62% dos eleitores votaram pela permanência e apenas 38% pela saída.

No sentido do significado do resultado da saída do RU da EU, para o marxista indiano Prabhat Patnaik, o “Brexit”, essencialmente, expressaria “uma revolta maciça contra a hegemonia da finança globalizada”. Mas ele próprio afirma a seguir: os próximos tempos vão ser extremamente difíceis para o povo britânico, por várias razões. Mas então, que tipo de consciência social se “revoltou” mesmo contra a finança globalizada? Um voto “antifinanceirização” servirá para piorar mais ainda a situação dos trabalhadores britânicos? [5]

Ademais, ao contrário do que pensa Patnaik, a tendência é que se reforce mais ainda o poder financeiro alemão, no interior da EU, no caso do tal “Brexit” se confirmar. Não haverá “vácuo” na hegemonia das finanças globais. Como disse a socióloga londrina Swati Dhringa (London Economics School), [6] sobre perspectivas do capital financeiro britânico, “não é como se todos os bancos fossem se mudar para Frankfurt, mas as operações relacionadas à Europa vão ser deslocadas, sim, para usar o privilégio do passaporte único. Se o Reino Unido não ficar no mercado comum europeu, vão ter de fazer isso. Já começamos a ouvir de alguns bancos sobre isso. Estão transferindo alguns empregos, por exemplo”.

Numa dessas análises, o economista mexicano Alejandro Nadal [7] diz que sim, é certo que o racismo e a demagogia jogaram um papel no referendo, mas isso se produziu precisamente pelo fracasso do capitalismo neoliberal. “Brexit é sinal do naufrágio de um esquema de acumulação que só pode manter indicadores de mediocridade em seu desempenho econômico”, imagina ele.

Noutro ângulo, dados da própria União Europeia registram que, em 2014 o Reino Unido contribuiu com € 11,3 bilhões à UE, o que corresponde a 0,52% de seu rendimento nacional bruto. Em contrapartida, as despesas do bloco com o país foram de € 6,9 bilhões, ou 0,32% do rendimento bruto. Isto é, o Reino Unido contribui mais do que se recebe, mas se isolando no bloco evidentemente será muito mais difícil se ter uma receita compensatória sem o chamado “livre trânsito de mercadorias e pessoas”; e esse ganho o Reino Unido tinha com a União Europeia vai cair e muito.

Quer dizer, vai se agravar a situação da economia do Reino Unido, esta, desde o neoliberalismo de Thatcher (1979) sempre “austera” e rentista. Mas, ao invés de ter sido a campanha pela saída resultado do “fracasso neoliberal” ela continuava a ser a segunda economia depois da Alemanha, na UE. Com a libra caindo abaixo de € 1,17 pela primeira vez desde 2013, isso significa que o tamanho da economia britânica em 2015 agora é equivalente a € 2,172 trilhões — abaixo do PIB oficial da França, de € 2,182 trilhões no ano passado. E a questão não é que a “austeridade” tenha sido determinado pela UE para que se justifique, a partir daí, a resposta “Brexit”: os governos de Blair ou Cameron o foram enfaticamente!

Carmen Reinhart, [8] badalada economista liberal, também considera que não haverá enfraquecimento da economia neoliberal “financeirizada” nos países centrais. Segundo escreveu, o resultado pró Brexit no Reino Unido abalou os mercados financeiros e de ações em todo o mundo; empurrou “os assustados investidores globais rumo aos portos seguros usuais”. De imediato, os títulos do Tesouro americano subiram, e o dólar, o franco suíço e o ien se valorizaram, sobretudo em relação à libra esterlina, constatou Reinhart. E adveio impacto imediato em parte do sistema bancário europeu, já entupido de dívidas de todo o tipo.

 

Euforia na extrema-direita e neofascistas

Finalmente, asseveramos que demonstram cabalmente o significado e a direção que vai o “Brexit”, as saudações efusivas do neofascista americano Donald Trump à saída da Grã-Bretanha, assim como da totalidade dos dirigentes da extrema-direita europeia. Na França, o partido Frente Nacional, comandado por Marine Le Pen, comemorou o “Brexit”. “Vitória da liberdade! Agora devemos realizar o mesmo referendo na França e em outros países da UE”. Na Holanda, Geert Wilders, líder do partido dito “eurocético” e anti-imigração (PVV), defendeu um referendo sobre a permanência de seu país no bloco, questão que será um dos pontos centrais de sua campanha para primeiro-ministro, ano que vem.  “Eu parabenizo os britânicos por vencerem a elite política tanto em Londres, quanto em Bruxelas”, declarou Wilders. Já o presidente do partido de extrema-direita italiano Liga Norte, Matteo Salvini, comemorou o resultado do referendo britânico, saudando “a coragem dos cidadãos livres”. “Agora é nossa vez”, escreveu ele. Também o direitista italiano Beppo Grilo, cujo partido (M5S) acaba de eleger a Prefeita de Roma, entusiasmou-se: “O simples fato de que um país como o Reino Unido esteja realizando um referendo sobre ficar ou sair da União Europeia significa que a UE faliu”, declarou antes mesmo da votação.

Algumas observações

Dessa forma, o resultado do referendo da Grã-Bretanha, por quaisquer dos caminhos que se escolha interpretar, objetivamente:

a) não fortalecerá tendências progressistas na União Europeia, ao contrário, como se procurou demonstrar. O que não significa dizer que, ao se materializar a saída do RU o fenômeno não aprofunde os impasses da grande crise capitalista global – isto ocorrerá, sem dúvida.  

b) não parece ter sido uma resposta à “austeridade” imposta pela UE, vez que estas são políticas que integram o anterior programa neoliberal (1979), não alterado por nenhum governo britânico, inobstante as políticas ainda mais rígidas impostas ao conjunto dos países, depois, nos anos 1990 e 2000, pelos Tratados de Maaestrich (1992) e de Lisboa (2007);

c) muito dificilmente haverá implicações de rupturas na UE, dado principalmente a força da moeda dos países da UE na zona do euro, suas implicações relacionadas ao poder no sistema monetário internacional atual, ainda comandado (já artificialmente) pelo dólar. Similarmente pode-se pode se dizer dos fortes vínculos de dependência comercial e de mercado de trabalho ali existentes;

d) a esmagadora hegemonia do grande capital financeiro e os processos de “financeirização” do capitalismo contemporâneo não serão afetados pela saída do Reino Unido da União Europeia – os rápidos efeitos negativos colhidos no pós-Brexit parecem até indicar a possibilidade de revisão do referendo -, sendo sempre fundamental ressaltar que a globalização neoliberal-financeira passou a ser o modo de produzir, realizar e gerir as formas da riqueza contemporânea.

 

NOTAS

[1] Ver o video sobre a fala de Ellen no último 6 de junho: http://www.valor.com.br/video/4930537374001/alta-de-juros-pelo-fed-sai-de-cena-no-curto-prazo

[2] Em: http://www.sinpermiso.info/textos/janet-yellen-y-la-economia-de-ee-uu

[3]Em: http://www.zerohedge.com/news/2016-06-27/greenspan-warns-crisis-imminent-he-urges-return-gold-standard]; há uma referência em resistrir.info

[4] Ver: http://www.sinpermiso.info/textos/el-imperialismo-britanico-la-city-de-londres-y-brexit 

[5] Em: http://peoplesdemocracy.in/2016/0703_pd/brexit-revolt-against-hegemony-globalised-finance (há uma tradução em resistir.info).

[6] Em: http://www.valor.com.br/cultura/4620533/gosto-amargo-da-separacao

[7] Ver: http://www.jornada.unam.mx/2016/06/29/opinion/024a1eco

[8] Ver: http://oglobo.globo.com/opiniao/o-golpe-do-brexit-na-globalizacao-19643749