Cultura Organizacional: os valores revolucionários que movem o Partido Comunista do Brasil
Um partido distinto: a extraordinária atuação dos comunistas na resistência ao golpe
Em meio a uma ofensiva de proporções descomunais conduzida pela direita brasileira, um pequeno partido se agigantou na defesa da democracia e no combate ao ilegítimo processo de afastamento da presidenta Dilma Rousseff. Mais uma página de heroísmo foi incorporada a já extensa história de provações do Partido Comunista do Brasil (PCdoB).
Mesmo com uma bancada de pouco mais de uma dezena de deputados e deputadas e apenas uma senadora, correspondente a 2,3% da composição da Câmara e 1,2% do Senado, os parlamentares comunistas foram protagonistas na peleja institucional, conforme pode ser facilmente constatado revisitando os principais jornais do Brasil e do exterior. A agremiação marxista assumiu a linha de frente no enfrentamento ao golpe, organizando a resistência parlamentar contra a avalanche conservadora que logrou arrebatar o Congresso Nacional.
Também nas ruas de todo o país, quando cidadãos comuns trajando alguma indumentária da cor vermelha eram hostilizados pelos fascistas, a bandeira da foice e do martelo ousou tremular pelos quatro cantos do Brasil, erguida pela destemida militância comunista que não hesitou em defender o mandato legítimo da presidenta Dilma. Esteve ao lado da presidenta desde sua posse até o seu último pronunciamento no cargo na saída do Palácio do Planalto, mantendo-se mobilizada nas ruas em resistência à ascensão do governo ilegítimo de Michel Temer e seus sequazes.
Igualmente presente no campo das ideias, a intelectualidade partidária travou ferrenho embate ideológico contra o pensamento conservador e a manipulação midiática. Em que pese a absurda disparidade existente entre as ferramentas de doutrinação burguesa e a estrutura de formação política da esquerda brasileira, os marxistas conseguiram unificar um expressivo leque de artistas, cientistas e intelectuais de diversas áreas em torno da pauta democrática. Reflexo dessa destacada atuação foi a incorporação de várias destas personalidades às fileiras do PCdoB.
Mas de onde surge essa “fibra inquebrantável” que continua a surpreender até mesmo os adversários políticos mais antigos? Que partido é esse que sempre nos momentos mais críticos da história e por ocasiões das lutas mais agudas é capaz de se multiplicar? Qual o segredo para a unidade interna se sobressair quando é comum a divisão prevalecer nas demais organizações?
Para entender esses comportamentos, essas condutas e esse espírito de ação, é imprescindível conhecer a história desse partido. Compreender quais são os valores e as crenças que movem de forma tão inabalável sua militância e a missão que se propõe a perseguir. Fundamentalmente, é necessário distinguir sua cultura organizacional, alimentada pelo marxismo-leninismo.
É essa cultura que o faz único, diferenciado. Suas raízes filosóficas, ou seja, sua ideologia, o marxismo-leninismo é a fonte que alimenta suas crenças e os seus valores – no sentido dialético – e o combustível que move todo o conjunto militante.
Daí porque dizia Amazonas (1999) “que a característica essencial de um partido revolucionário não seja propriamente a sua ligação com as massas, ainda que essa ligação seja indispensável, mas o conteúdo filosófico da doutrina que sustenta, o marxismo-leninismo”. Amazonas ainda nos alerta que “qualquer partido populista será capaz de manter extensos vínculos com as massas e nem por isso pode ser considerado instrumento da revolução social”.
E foi justamente isso que presenciamos nas manifestações multitudinárias lideradas pela burguesia que embalaram os golpistas de todos os matizes. Após o afastamento de Dilma, desapareceram todos. Mas ao contrário das demais organizações, a militância comunista continua mobilizada, nutrida por uma cultura organizacional tipicamente revolucionária.
Cultura organizacional: instrumento de análise para além da ideologia burguesa
Característica das mais marcantes da teoria marxista é seu anti-dogmatismo. O marxismo é uma ciência que se recusa a fossilizar sua teoria como se fosse um mantra ou uma verdade absoluta. Pelo contrário, a enriquece constantemente fundamentado no arcabouço teórico de grandes pensadores, guiando-se pelo materialismo histórico dialético.
Assim temos, como exemplo irretorquível, a obra principal de Marx, O Capital – que é dedicada ao estudo do regime econômico da sociedade moderna, isto é, da sociedade capitalista -, ter sido desenvolvida a partir da análise da economia política clássica anterior ao seu tempo, como continuidade da obra de dois pensadores do campo liberal, Adam Smith e David Ricardo. Coube a Marx desenvolver e reformular essa teoria burguesa. Houvesse preconceitos por parte de Marx em estudar as obras de autores liberais, até mesmo para refutá-las, esse e outros clássicos não teriam sido levados a cabo.
Já na área da administração, Lênin foi um dos mais entusiastas das formas de organização industrial fundamentadas por Frederick Winslow Taylor e adotadas por Henry Ford no que se convencionou a chamar fordismo. Murray (1989) lembra-nos que Lênin “recebeu de braços abertos Taylor e o cronômetro”. A industrialização soviética baseou-se na construção de fábricas gigantescas, a maioria delas baseada na tecnologia ocidental de produção em massa. Lênin, entretanto, escancara a contradição entre o caráter social da produção intensificada por Taylor e a forma capitalista privada da apropriação.
Dessa forma, é inerente ao marxismo-leninismo beber de variadas fontes do conhecimento e se balizar em distintas correntes de opinião, buscando o desenvolvimento constante do pensamento socialista e revolucionário, de acordo com os interesses da classe operária.
Não poderia ser diferente, portanto, com relação ao estudo da Cultura Organizacional, importante tema das ciências sociais aplicadas, elaborado por intelectuais do campo liberal e muito investigado no contexto empresarial.
De acordo com Oliveira e Medeiros (2011), podemos entender que a cultura de uma organização é um conjunto de processos psicológicos e psicossociais que fazem sua identificação frente a outras instituições. Ainda, segundo esses autores, as organizações, muitas vezes, são conhecidas por algumas características próprias que as tornam únicas. Isso significa que elas desenvolvem e possuem uma cultura própria. Essa cultura é sua identidade, construída no decorrer dos anos.
Nesse sentido, é fundamental que se entenda que cada instituição – seja ela pública, privada ou do chamado terceiro setor (movimentos sociais) – tem uma cultura singular e a mesma não pode ser compreendida sem se considerar os valores culturais das pessoas que fazem parte da sua estrutura organizacional (SCHEIN, 2009).
Especificamente nas instituições privadas, a importância do estudo da Cultura Organizacional surge da necessidade de se propiciar um clima saudável e produtivo no trabalho da organização. Nada disso, no entanto, parte de um suposto altruísmo do mercado, mas pelo contrário, nasce a partir da necessidade das empresas capitalistas em se tornarem mais competitivas o que, em outras palavras, significa aumentar a eficiência da força de trabalho.
Ao passo que os objetos de trabalho, notadamente as matérias primas, se tornaram cada vez mais baratos e acessíveis desde as primeiras expansões imperialistas e as anexações de novas colônias a partir da Revolução Industrial, e os meios de produção se desenvolveram imensamente – principalmente com a construção de ferrovias, estradas, portos, fertilização e aproveitamento de novas terras e o desenvolvimento das mais modernas técnicas de produção -, a força de trabalho ainda continuava incapacitada e, sobretudo, desmotivada a servir ao processo de acumulação do capital.
Dessa forma, temos várias escolas da Administração que se debruçam (ou debruçaram) na arte e na ciência de promover o aumento do rendimento da mão-de-obra assalariada através de técnicas motivacionais, haja vista que a extração da mais-valia absoluta – aquela alcançada por meio do aumento das jornadas de trabalho, aproveitamento do trabalho infantil, de exposição ao trabalho insalubre e de alta periculosidade, etc. – apresentar seus limites físicos e espaciais, além de ser cada vez mais combatida pelos trabalhadores organizados e condenada pela maioria dos sindicatos e legislações trabalhistas de diversos países do mundo.
Resta ao capitalista, portanto, buscar cada vez mais elevar a chamada mais-valia relativa, aquela que, segundo Marx, “resulta do encurtamento do tempo de trabalho necessário e de correspondente modificação na relação de magnitude de ambas as partes componentes do dia de trabalho”.
Em outras palavras, a mais-valia relativa decorre do aumento da produtividade proporcionado pelos imensos avanços tecnológicos e o consequente desenvolvimento dos meios de trabalho (máquinas modernas, infraestrutura, etc) aliado ao incremento da própria força de trabalho, através da sua constante qualificação e, sobretudo, da suposta satisfação do assalariado em vender sua força de trabalho ao capitalista. Segundo o marxismo, é essa força do trabalho o elemento ativo da produção que cria e põe em movimento os meios de produção que, por si só, sem se associarem à força de trabalho, nada podem criar.
Assim sendo, a máxima extração da mais-valia depende não somente de trabalhadores qualificados (alto nível de escolaridade, formação técnica, etc), mas também de trabalhadores motivados.
É nesse contexto que surge a escola da Administração Científica, formulada a partir do Estudo dos Tempos e Movimentos (Motion-time Study). O trabalhador necessitava ser motivado visando aumentar sua produção ao máximo possível e é daí que surge o conceito de homus economicus, satirizado por Charles Chaplin em seu clássico filme “Modern Times” (Tempos Modernos).
Faz-se necessário, assim, abordar o tema da cultura organizacional para além das empresas capitalistas privadas e, embora o foco desse tema seja notoriamente relacionado com o aumento da extração da mais-valia relativa, suas abordagens são revolucionárias a partir do ponto em que o trabalhador seja posto no centro do debate em detrimento do capital. Assim, uma teoria aparentemente reacionária, passa a ter uma conotação extremamente progressista e libertária.
Cultura Organizacional dos partidos políticos de esquerda do Brasil
No caso específico de um partido político de esquerda, de inserção popular e com destacada atividade militante, essas características próprias – que marcam tais agremiações no imaginário da sociedade -, são aquelas relacionadas à defesa dos mais pobres em especial e dos trabalhadores em geral, contra as desigualdades sociais, em favor da solidariedade entre povos e nações, em oposição às guerras imperialistas, entre outras bandeiras marcantes e históricas que identificam o movimento operário em todo mundo.
Assim sendo, para o público em geral, os partidos políticos vinculados com as causas dos trabalhadores devem ter algumas características que os diferenciem das demais organizações políticas. E para o público militante, em especial, soa inconcebível que a missão, os objetivos e os valores de sua organização política não estejam em sintonia com a prática exercida pelos demais membros que integram os seus quadros funcionais. Em outras palavras, a teoria deve estar em consonância com a prática.
Como defender uma sociedade mais justa se o que vigora internamente na agremiação são decisões de caráter pessoal e patrimonialista? Como pugnar o respeito mútuo entre os povos se as relações de camaradagem e o companheirismo são negligenciados no próprio seio da organização partidária? Como reivindicar a superação do capitalismo se a prática exercida evidencia a própria exploração do trabalho assalariado partidário?
Dessa forma, é de se esperar que todos os funcionários, dirigentes profissionalizados, militantes e simpatizantes desse partido, em suas diversas instâncias e distintos níveis, convivam em um ambiente avesso aos ditos valores burgueses, tais como o arrivismo, o carreirismo, o hedonismo, o individualismo, o machismo e outras práticas e preconceitos estranhos à construção de uma nova sociedade.
Entretanto, deve-se sempre ter em conta que a cultura das organizações não pode ser analisada sem que sejam considerados os valores culturais da sociedade na qual se está inserida. Em uma sociedade marcada notadamente por esses valores burgueses, é normal que os militantes do partido tragam consigo, em menor ou maior grau, os vícios desta sociedade.
Como afirmou Arruda (2000) “o camarada que ingressa no Partido vem de fileiras da classe operária, das massas camponesas, do movimento estudantil ou de outros setores da pequena burguesia radical, trazendo em maior ou menor grau, as qualidades e os defeitos de sua origem e de sua formação”.
Dessa maneira, se entende que todo e qualquer militante partidário é reflexo das relações sociais em que está inserido. No entanto, cabe ao partido educá-lo e promover uma cultura diferente, baseado em outros valores que prezem o respeito, a solidariedade e a democracia.
A pergunta que se faz, portanto, é se essa nova cultura e esse novo clima de trabalho e atuação são realmente perseguidos ou se, pelo contrário, subjazem aos interesses mais imediatistas e eleitorais.
Principalmente no atual momento político por qual passa o Brasil, com a polarização política em curso entre golpistas e democratas, é cada vez mais urgente um partido de novo tipo, que aprofunde intra e interespecificamente os valores progressistas e democráticos reclamados pelo povo brasileiro. Em suma, um partido que demarque claramente com as outras siglas e campos políticos identificados com o clientelismo, corporativismo e arrivismo.
PCdoB: Partido marxista-leninista, organizado pelo princípio do Centralismo Democrático e marcado por clandestinidades e perseguições
Entre os demais partidos de esquerda no Brasil, o PCdoB foi o mais perseguido pelas ditaduras, completando, em 2016, seu período mais longevo de legalidade: 31 anos. De toda a sua história de 94 anos de existência, esse partido passou por várias fases de clandestinidade e a maior parte de sua vida esteve na ilegalidade imposta por diversos governos.
É inegável, portanto, que todos esses longos anos de inúmeras provações e perseguições moldassem a cultura organizacional do PCdoB, tanto entre seus dirigentes como a de seus militantes.
A própria organização de uma reunião de uma célula (organismo de base) ou mesmo entre os dirigentes mais destacados, demandava complexa logística, sigilo absoluto e uma entranhada rede de colaboradores. Qualquer erro poderia significar a prisão ou até mesmo o aniquilamento de seus membros.
Toda essa história de perseguição e combate ao Partido, fez com que várias gerações de dirigentes e militantes do PCdoB desenvolvessem uma cultura organizacional muito disciplinada, rígida e hierarquizada, como é possível constatar em seus programas e estatutos, tendo reflexos diretos, ainda hoje, após três décadas de redemocratização e legalidade dessa agremiação comunista.
Chama atenção também para uma importante questão ideológica nesse Partido que é o princípio leninista de organização baseado no Centralismo Democrático.
De acordo com a Resolução Política aprovada no 6° Congresso Nacional do PCdoB, em 1982, “O centralismo democrático, espinha dorsal da estrutura partidária, é um princípio organizativo e um dos principais elementos na formação ideológica do militante comunista. É uma das principais armas do proletariado na luta pela conquista do poder político e posteriormente para a consolidação da ditadura do proletariado. Não é por acaso que todos os que se opõem a esses objetivos da classe operária atacam raivosamente o centralismo democrático e tudo fazem para destruí-lo.”
É o centralismo democrático, pois, a forma de se organizar do Partido, “com estatutos únicos, com uma disciplina partidária igual para todos, com um só órgão de direção à frente, a saber: o Congresso do Partido e, nos intervalos entre congresso e congresso, o Comitê Central, com a submissão da minoria à maioria, das diferentes organizações inferiores às superiores”.
Dessa forma, o PCdoB, diferente dos demais partidos de esquerda, tem em sua cultura e no clima organizacional interno, forte influência desse princípio organizativo que inibe as chamadas tendências ou correntes de opinião de atuarem no seio do Partido. Em nome de sua coesão interna, a minoria deve se subordinar à maioria, com risco de até serem expulsos da organização partidária.
Eleições de Lula e Dilma e a exigência de uma nova cultura organizacional
Fato que merece destaque singular na história do PCdoB é a eleição de Luís Inácio Lula da Silva. A vitória de Lula em 2002 teve enorme carga simbólica e significou o deslocamento de poderosas forças do grande capital financeiro do centro do poder executivo. A partir daí se inaugura uma nova fase, que passa por mais um mandato de Lula com índices altíssimos de aprovação popular e a eleição e reeleição de Dilma Rousseff, culminando com sua deposição pelas forças reacionárias perpetrado por meio de um golpe jurídico-midiático.
Mas para se chegar ao poder e ainda se manter nele por quase quatro mandatos consecutivos – configurando o mais longevo período de forças democráticas e progressistas na Presidência da República -, o PCdoB (bem como o PT) teve que romper com algumas antigas concepções, crenças e valores, que impactavam diretamente nos relacionamentos inter e intrapessoais (entre militantes, entre dirigentes, entre militantes e dirigentes e entre membros do partido com outros partidos).
Se no PCdoB antes predominava um ambiente interno de trabalho mais íntimo, de mais camaradagem e de menos controvérsias pessoais ou políticas pelo simples fato e razão de conviverem militantes unidos em torno de um ideal ainda intangível e com muito menos complexidade típica de quando se está no poder ou quando se assume o papel de situação, a partir da eleição de Lula esse cenário muda radicalmente.
A partir da convocação feita ao PCdoB em oferecer vários de seus principais quadros para atuarem em diversos órgãos da Administração Pública Direta e Indireta da estrutura do Estado brasileiro (que, diga-se de passagem, é capitalista) além de voltar sua base militante atuante em diversos movimentos sociais a defender os governos Lula e Dilma, contribuiu para uma inflexão na antiga cultura organizacional, com impacto direto no clima organizacional partidário.
Toda uma trajetória marcada pela clandestinidade e oposição aos diversos governos, forjaram culturalmente um tipo militante que agora se depara com a necessidade de se readequar quase que por completo a esse novo projeto de sustentação a um governo popular sob diuturno ataque daquelas antigas forças políticas despojadas do poder central, mas ainda instaladas nos diversos tipos de poder estatal e não-estatal.
Se antes, para entrar no Partido e ter a ficha de filiação abonada por algum dirigente era necessário passar por uma verdadeira prova de fidelidade e identidade com as normas, regimentos e programas internos partidários, hoje, em uma nova concepção forjada a partir de uma nova realidade, essa filiação pode ser feita virtualmente (on-line) pelo site do Partido.
Mais que isso, o PCdoB rompe com a dualidade então existente entre “partido de quadros” versus “partido de massas”. De acordo com Sorrentino (2003), “um partido de vanguarda estruturado como partido de massas exige características específicas de estrutura e funcionamento. O partido segue sendo encarado como partido de militância política, de homens e mulheres que se emancipam, capazes de se solidarizar e comprometer com a luta dos explorados, que aprofunde as marcas centrais de um partido da classe, de vanguarda, de luta e que permanece com a exigência de uma estrutura centralizada, democrática e unitária para cumprir seu papel. Mas, ao mesmo tempo, estrutura-se como uma formação grande e articulada, que dialoga e interage com a sociedade em suas múltiplas vertentes”.
Diante dessa nova conjuntura política, em que pela primeira vez na história do Brasil um Partido de vanguarda, marxista-leninista, é chamado a participar do governo federal, “é inescapável que tal perfil organizativo exija desenvolvimento de dois pilares centrais: 1) que seja um partido de ampla militância política e mantenha organicidade e não apenas um partido de quadros; 2) que atenda a novas exigências na aplicação da democracia interna e centralismo” (SORRENTINO, 2003).
Essa amplitude política no seio do Partido, fez com que se agregassem milhares de novos filiados sem a antiga têmpera revolucionária, mas com potencial eleitoral capaz de permitir alcançar seus objetivos mais pontuais, dentre eles o coeficiente eleitoral para aumentar sua bancada de deputados e prefeitos e, assim, travar em melhores condições a luta institucional. Já a luta de massas, aquela junto aos movimentos de base e social, sofre intenso bombardeio pelo fato de o Partido atuar mais na defensiva, resguardando o governo no qual faz parte. Dessa forma, “cria-se tendência a projetar quadros para a atuação política em detrimento da dedicação às questões de Partido e porque o caráter massivo pode tender a sobrepô-lo a outras organizações do movimento, comprometendo a autonomia destas e tornam maiores as pressões corporativistas” (SORRENTINO, 2003).
Um rápido e superficial olhar sobre as recentes composições das bancadas do PCdoB nas câmaras legislativas estaduais e federal, permite constatar um incremento significativo na “infidelidade” partidária, com vários casos de deputados trocando o Partido por outras siglas com mais envergadura eleitoral, o que revela uma cultura menos identificada ideologicamente com o programa partidário. É o caso, por exemplo, da desfiliação recente de dois deputados federais eleitos pelo PCdoB no pleito de outubro de 2014, João Derly (Rio Grande do Sul) e Aliel Machado (Paraná), que migraram, sem justificativas ideológicas, para um partido de oposição (Rede Sustentabilidade) ao governo do qual o PCdoB integra e luta pelo seu êxito.
Em uma sociedade marcada pela divisão e uma acirrada luta entre classes antagônicas – burguesia versus proletariado –, é compreensível que os partidos de esquerda, reivindicadores da representação dessa classe operária, estejam constantemente em atrito, ou na conceituação marxista, em constante luta com a classe dominante. Essa predisposição, por si só, contribui por fomentar um clima e uma cultura organizacional fortemente marcados pela combatividade e espírito de disputa.
Combatividade e disputa não só contra a burguesia, mas também entre os demais partidos de esquerda, sejam eles do campo governista (PT e PCdoB) como da esfera oposicionista (PSTU e PSOL). Mais ainda: esse clima e essa cultura organizacional de constante enfrentamento marca também, embora com menor intensidade, os membros de cada um desses partidos.
Dessa forma, a atuação militante dentro destes partidos de esquerda, não se diferencia significativamente da pressão sofrida pelos trabalhadores assalariados nas diversas ocupações capitalistas, embora suas motivações e razões sejam diferentes.
São valores como respeito, solidariedade, dedicação, amizade, gentileza, entre outros, que, segundo Guevara (2009) devem florescer e propagar nas relações cotidianas de quem se propõe a construir o “homem novo”. Esse é o desafio que se coloca na ordem do dia para a organização partidária.
O assunto tratado nesse artigo, pela alta complexidade, merece ser aprofundado e levantar outros elementos que vão além de uma revisão de literatura. De todas as formas, o presente trabalho cumpre o papel de lançar luzes sobre o tema, sem dogmas ou cerceamentos ideológicos, propondo-se a subsidiar futuros estudos.
Luciano Rezende Moreira, bacharel em Administração Pública (UFF) e Professor do Instituto Federal Fluminense; é diretor de temas ecológicos e ambientais da Fundação Maurício Grabois.
REFERÊNCIAS
ARRUDA, D. A educação revolucionária do comunista. São Paulo: Anita Garibaldi, 2000.
GUEVARA, E. Textos Políticos. São Paulo: Global, 2009.
OLIVEIRA, J. A.; MEDEIROS, M. P. M. Gestão de Pessoas no Setor Público. Florianópolis: Departamento de Ciências da Administração: UFSC, 2011.
SHEIN, E. H. Cultura organizacional. São Paulo: Editora Atlas, 2009.
SORRENTINO, W. Um Partido comunista contemporâneo – Partido de quadros e partido de massas. Fundação Maurício Grabois. Disponível em: http://grabois.org.br/portal/revista.int.php?id_sessao=95&id_publicacao=5602&id_indice=4451. Acessado em 18/10/2015.