TEXTO INTEGRAL: A construção da base, do líder e da narrativa de direita para o golpe
Gostaria de discutir as ideias centrais do meu livro A radiografia do golpe – uma tentativa de lidar com a enorme frustração e o sentimento de impotência –, no qual tentei fazer uma análise que pudesse ser a mais abrangente possível. Porque se ficarmos presos na conjuntura não perceberemos o que está acontecendo. A conjuntura não nos dá a chave do seu segredo. O segredo do presente é sempre o passado, sempre a gênese.
A armadilha economicista
A meu ver, a economia, obviamente, tem um papel extremamente importante. Mas eu não consigo ver nenhuma crise política se dar por interesses econômicos. Essa crise se deu por fatores simbólicos, como sempre acontece com os seres humanos que se autointerpretam.
Já foi dito que a esquerda não tem, no Brasil, uma concepção de sociedade. Para mim, essa questão é a mais importante e nós temos a coragem de fazer essa autocrítica. Eu me sinto também combatente dessa área, e considero que há necessidade de uma completa reformulação do que é esquerda e quais os seus objetivos.
A esquerda é completamente engolfada pelo discurso da direita no Brasil. E o que os partidos de esquerda fazem, entre nós, é chegar ao poder e apresentar um projeto econômico alternativo, considerando que isso seja suficiente, sem uma reflexão sobre Estado. Isso é infantil! O que aconteceu em várias ocasiões foi de um republicanismo ingênuo – para não dizer o pior. É um desconhecimento de como o Estado funciona, quais as relações de forças entre as corporações do Estado, quais os interesses corporativos que ameaçam a democracia.
A armadilha da corrupção
Tudo isso foi engolfado pelo tema da corrupção, que é a base da nossa tolice. É o que faz o povo inteiro de imbecil, e a nós também. Porque o tema da corrupção não existe, é uma invenção, uma fabricação. Quer dizer, a economia corrompe! Ela tem corrupções legais e ilegais, o tempo inteiro, que são invisibilizadas. Temos uma taxa de juros que se sobrepõe a todos os serviços e produtos. Isso é uma drenagem do produto da sociedade inteira para meia dúzia de pessoas. Isso é uma corrupção, porque com isso estão enganando os outros, e justificando de forma mentirosa como combate à inflação. E a corrupção é basicamente isso, enganar os outros.
O tema da corrupção, entre nós, vive do fato de que ela não se define e ninguém sabe o que é. Tanto que há poucos anos só agentes do Estado poderiam cometer corrupção, o que obviamente é um absurdo. Mas isso mostra como a corrupção é um conceito indefinido e escorregadio, apenas para ser usado em qualquer situação contra o inimigo político da ocasião. Isso jamais poderia ser uma concepção da esquerda – ao contrário. Mas a esquerda pensava e ainda pensa como a direita – afinal, essa autocrítica não foi feita.
Para mim, era incrível – quando eu estava em Brasília, no IPEA [Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada] – ver como as pessoas no governo acreditavam na imparcialidade da Operação Lava Jato. Ficavam escandalizadas com o envolvimento da esquerda. Esse discurso da corrupção foi, por exemplo, criado por Sérgio Buarque e utilizado por Raymundo Faoro, ambos ícones da esquerda. Todos, hoje em dia, vacas sagradas da esquerda que alimentaram essa farsa assumida porque era conjunturalmente importante para o ataque à ditadura militar. Esqueceram que isso era apenas uma relação conjuntural e, até hoje, somos presas, fomos capturados. Isso tem a ver com a demonização do Estado, como se a corrupção fosse algo intrínseco à política, e não um dado universal da vida social, inclusive da vida econômica.
Os protagonistas invisíveis
A elite econômica que deu o golpe é invisível. As pessoas dizem “foi o Cunha”, “foi o Fulano”, acusando agentes políticos por essa crise. As pessoas também envolvem, fragmentariamente, pessoas, partidos etc. Ou seja, há uma invisibilização da elite econômica. Esse fato é universal. O que passa a ser crime não é fazer ataques especulativos, nem evasão de impostos. O capitalismo, hoje em dia, é isso: evasores de imposto do mundo inteiro, uni-vos! Estas questões não foram percebidas, não foram sistematizadas, não foram utilizadas na luta ideológica. A esquerda perdeu esse espaço por falta de inteligência, falta de se colocar, simbolicamente, em outro lugar.
Dito isso, não vou entrar nas particularidades. Trata-se de um movimento que vem desde 1930. A formação dessa hegemonia de direita, enquanto a esquerda fica com esse economicismo, sem pensar a sociedade e o Estado. Isso levou à perda da dimensão da luta de classes. Ou seja, estamos no meio de uma luta de classes que é extremamente interessante, pois tem aspectos novos, apesar de ser muito dolorosa. Novidade que tem a ver com o fato de ter sido montada, construída, especialmente a partir de 2013.
Quando se viu que não havia muitas possibilidades de uma vitória eleitoral da direita, ela urdiu um caminho não eleitoral. Um caminho pavimentado especialmente pela mídia, que é o partido efetivo das elites. Partido é aquilo que cumpre as funções como tal, quer seja arregimentar e organizar a sociedade. Ninguém fez isso melhor do que a TV Globo. Por conta disso, ela é o partido mais importante do momento que nós estamos vivendo.
Motivações irracionais
Foi construída uma hegemonia aproveitando-se aspectos racionais e irracionais dos descontentes com a ascensão social dos mais humildes, daqueles aos quais havíamos chamado em alguns estudos empíricos de “ralé brasileira”. Obviamente, o sentido não é insultar, mas provocar, porque essa classe também é extremamente mal conhecida entre nós, mesmo para a esquerda. Chamar essa classe de subproletariado, o que isso explica? O resíduo de não ser proletariado, como e por quê? Chamar de precariado é pior ainda, porque trata-se de estratos que estão saindo das amarras da segurança do Estado social europeu, que nós nunca tivemos. É algo novo que precisa ser refletido enquanto tal.
A ascensão desse pessoal gerou dramas tanto racionais quanto irracionais para a classe média e para a elite, que são as classes dominantes entre nós. A classe média exerce essa dominação em nome dessas elites. São elites escravocratas que não vieram de Portugal. Isso é uma grande bobagem, um culturalismo frágil. O Brasil foi formado por uma instituição que não existia em Portugal: a escravidão. Todas as nossas instituições nasceram disso, seja a família, seja a justiça etc. E elas continuam aí de diversos modos, não só os escravos domésticos representados na empregada doméstica, mas também a forma como se lida com a terra, a rapina, o pensamento em curto prazo, não ter um projeto de longo prazo para o país, e estender para uma elite escravista, da rapina e da extração de curto prazo.
Durante todo esse processo de ascensão social da ralé, ou seja, dos mais pobres e excluídos, que foi importante e histórico por não ter acontecido antes, poderíamos ter realizado coisas que aprofundariam esse processo. Em vez disso, foi feita uma série de bobagens. A tal “nova classe média” é uma fantasia absurda, como se com uma mentira pudéssemos ir para algum lugar.
A classe média tradicional recebeu essa ascensão com muito mal-estar. Primeiro, por motivos racionais relacionados com o custo de serviços que ela explora desses excluídos. É uma classe privilegiada nesse aspecto, já que as classes médias europeia e americana não dispõem desse tipo de exploração doméstica. Depois têm os motivos irracionais na política, que são normalmente mais importantes que os aspectos racionais. Começa uma disputa pelo espaço em um shopping center, no aeroporto etc., esse pequeno incômodo que era reclamado à boca pequena, por não ser legítimo.
Os três elementos fundamentais ao golpe
É extremamente importante observar isso para compreender o que aconteceu depois, a partir da construção, pela TV Globo à frente, a partir especialmente do Jornal Nacional e das manifestações de junho, ao transformar esse incômodo de classe indizível e ilegítimo em algo justificável. Ninguém pode ser contra as pessoas subirem de vida. Era um incômodo da classe média ter que se dizer entre iguais, e para essa raiva virar política era necessário criar uma legitimação pseudorracional. Esse é o sentido do moralismo que foi criado a partir de junho de 2013. A mídia entendeu, com o mensalão, que não iria ter um caminho eleitoral para derrubar o PT. Seria necessário um ataque das ruas. Para isso foram criados três elementos: uma base social que fosse às ruas, e que podia ser branca, bem vestida, como são 22% dos brasileiros, mas que foi transformada em “povo nas ruas”. Além disso, era extremamente importante ter uma narrativa e um líder. Não dá para ir para a política sem uma narrativa e sem um líder.
De julho de 2013 a abril de 2016 o que acontece é a construção dessa base social. Quem foi à Avenida Paulista viu que entre 70% e 80% desse setor da classe média conservadora já haviam votado em todas as eleições contra os governos de esquerda, mas foram transformados em “povo em rebeldia”. Foram dados um papel e uma legitimação pseudorracional para sentimentos que essa fração de classes já estava vivenciando no seu dia a dia, há pelo menos uma década. Se não se pode reclamar da ascensão dos pobres, pode-se reclamar da moralidade, da corrupção. Está criada a narrativa que a direita não tinha, desde 2002.
Para se contrapor à batalha contra a desigualdade, que é uma luta razoável em um país como o nosso, foi criado o tema da batalha da moralidade, personalizada no juiz Sérgio Moro, o líder. Desigualdade de um lado, moralidade de outro. Era um moralismo de ocasião e safado, como nós sabemos, mas que foi construído de um modo brilhante.
O que sobrou do Estado de Direito
Se nós observarmos o Jornal Nacional, a partir de junho: a federalização dos conflitos que eram todos localizados, afinal, referia-se a questões municipais de mobilidade urbana. O jogo que o William Bonner fazia com a PEC 37, que ninguém sabia o que era, e que depois foi a forma que encontraram para formar uma aliança com uma certa parte corporativa do aparato policial e jurídico do Estado. Não estou querendo demonizar nada. Não são todos os operadores jurídicos que fazem parte desta turma. Tem uma luta interna em todos os campos da atividade humana. Normalmente quem luta pelos valores da corporação, que são impessoais, é uma minoria; mas ela pode ser maioria em algumas áreas. Em toda área humana há o corporativismo, ou seja, formas de obter vantagens pessoais usando o discurso. Uma casta de privilegiados, os operadores jurídicos, à qual o republicanismo ingênuo da esquerda deu extraordinária linha e fôlego, sem uma análise das lutas corporativas internas, o que seria extremamente importante.
É uma casta que se põe acima da sociedade, tem interesses próprios, e se considera melhor do que a sociedade. Eu faço esta aproximação entre o mandarim chinês e essa casta jurídica brasileira. O que está em jogo? Não se pode reclamar. Vai reclamar para quem? Essa tática que aconteceu no Paraná, de imobilizar a imprensa por meio de dezenas de processos jurídicos, já está acontecendo, há muito tempo, por meio do ataque e da criminalização da esquerda.
Jornalistas combativos como Luís Nassif ou Paulo Henrique Amorim, por exemplo, sofrem com dezenas de processos impetrados pela grande imprensa. Uma tática para inviabilizar o trabalho dessas pessoas. Um juiz desses manda seus assessores montarem 50 processos contra uma única pessoa que não terá sequer dinheiro para contratar advogados e se defender. É uma escala industrial. Precisa ter um grupo de advogados trabalhando o tempo inteiro. Isso é obviamente uma criminalização da esquerda, uma perseguição.
Isso provoca uma desdiferenciação da Justiça, confundindo as pessoas, porque o direito nasce historicamente por uma diferenciação da esfera política. Antes, a Justiça era a política, ou seja, o mais forte ganhava. O procedimento jurídico não é um caminho para a morosidade da Justiça, ele está aí para combater a injustiça. Porque o que os procedimentos criam é a universalidade de tratamento. Se isso é quebrado, quebra-se a Justiça e se não se tem a formalidade – que são pressupostos de respeito e garantia ao contraditório, à presunção de inocência – o que se tem é política. Esses procedimentos formais são o cerne, a essência da noção de Direito moderno, de Justiça moderna. Voltamos a um grau onde não conseguimos dizer o que é Justiça no Brasil, pois ela está completamente contaminada pela política. Os juízes têm uma pauta. Isso é um dos fatores mais importantes desta crise. Do mesmo modo como aconteceu com a imprensa, que jogou a aparência de isenção no lixo, mas pode ser cobrada por isso.
As ausências da esquerda
O governo de esquerda deveria ter feito essa leitura política fundamental. Ao invés disso, fez exatamente o contrário. Colocou pessoas de uma lista com interesses corporativos, e nem construiu no STF [Supremo Tribunal Federal] – o que poderia. Faltou uma análise sobre o Estado e os seus efeitos na sociedade. Veio dessa casta o líder carismático: o homem jovem, de olhar duro para o futuro, cabelo cortado, terno escuro, o justiceiro. Isso foi importante para que as pessoas pudessem se reconhecer nele, jogar nele afetos e sentimentos confusos, mas que não se consegue articular. E o embate se deu entre Moro e Lula.
O Congresso já havia sido comprado; uma elite econômica que já tinha montado a sua bancada. É claro que esse tipo de luta política é extremamente espinhoso e difícil de ser armado, mas é preciso escolher algumas lutas.
Fiquei perguntando a todos os políticos importantes que conheci: “Como é que você, com 80% de aprovação, não torna a mídia do Brasil mais plural, não afronta os oligopólios de TV?”. E as explicações que recebi foram completamente absurdas. As pessoas não sabiam o que estava acontecendo e consideravam que as TVs já estavam no bolso. Isso é ingenuidade! É falta de uma análise mais competente sobre como essas coisas funcionam.
Essa aliança entre Congresso comprado, uma mídia que funciona como partido e a cooptação. Todo golpe, especialmente esse tipo de golpe novo, precisa de um agente do Estado que possa dar-lhe legitimidade. Não se pode chegar, simplesmente, na mão grande e levar as coisas. Tem também essa cooptação do aparelho policial e jurídico, a partir dos interesses corporativos desse grupo. Não sei se vocês sabem, mas existem juízes que ganham, em média, R$ 400.000,00 ao mês. Os juízes que se põem como justiceiros ganham de R$ 70.000,00 a R$ 80.000,00. É um completo absurdo! Em nenhum outro país do mundo acontece isso. Esse pessoal ganha para além dos salários, de formas que evitam qualquer transparência pública. Isso foi decidido no Conselho Nacional de Justiça.
Então, temos uma casta jurídica que está jogando para sua própria vantagem e para se apropriar da agenda do Estado, para mandar sem votos. Esses três elementos ligados a essa base social que foi muito refinadamente usada, e conseguiram contaminar inclusive frações das classes populares. Uma farsa do “povo nas ruas”.
As oportunidades surgidas da contradição
“E, agora, José?”. Tem os perigos e oportunidades disso. Os perigos são óbvios. Primeiro, há uma oportunidade incrível de aprendizado da esquerda, ou seja, de jogar fora essa roupa, esse paletó, essa sobrecarga ideológica que a direita conseguiu hegemonizar na esquerda, por meios que não são exclusivamente brasileiros, mas internacionais. Estamos em um jogo em que prefiro não falar em neoliberalismo, mas de capitalismo financeiro, porque essa ideia tem a ver com a captura da política, ao transformar as questões políticas em questões técnicas. É o que vemos em todo o jornalismo econômico.
A batalha que Dilma comprou contra os juros é algo extremamente importante, porque a esquerda brasileira sempre teve um mito, especialmente o Partido Comunista Brasileiro: o mito da boa burguesia, a burguesia industrial. Por quê? Porque ela teria, abstratamente, interesses em comum com a classe trabalhadora, na medida em que as duas ganhariam um mercado interno forte e uma classe trabalhadora protegida, e com poder de consumo.
Isso nunca deu certo, sempre terminou em golpe. Em algum momento houve o esgarçamento, seguido de golpe. Nessa procura da boa burguesia, a contradição não é entre capital industrial e capital financeiro. Porque o agronegócio e a indústria também estão pondo todo o seu dinheiro no rentismo. A Sadia tinha tanto dinheiro investido no capital financeiro e pretendia comprar a Perdigão, mas ela perdeu tanto dinheiro na crise americana, que foi a Perdigão que a comprou. O industrial teria que lucrar na sua atividade, mas, de fato, quando a taxa de juros começa a subir de novo, em março, a Fiesp [Federação das Indústrias do Estado de São Paulo] faz algumas manifestações muito formais de apoio à política financeira do governo, mas na primeira oportunidade em que viu que poderia ter apoio popular contra esse mesmo governo, ela se vestiu de verde e amarelo. Contrariando o que tinha dito da boca para fora dois meses antes, quando chega em junho e vê que as elites não mandam, assume o compromisso com o sistema financeiro. Obviamente, há uma contradição, pois isso só é bom para meia dúzia. Meia dúzia que, evidentemente, é dona dos canais de TV, das editoras, dos jornais etc.
O que estamos vendo – e que a meu ver vamos começar a ver cada vez mais tanto no Brasil quanto na América Latina, Europa e Estados Unidos – é a transformação da política. O centro tende a desaparecer. Antes, o Partido Republicano ou o Democrata disputavam duas ou três questões nos EUA. Hoje em dia, eles estão em alas opostas e disputam o mesmo público: os perdedores do capitalismo financeiro. Por um lado, uma parte que reage de maneira racional e, por outro, uma que reage irracionalmente com o ódio a mexicanos, a imigrantes, aos excluídos. A pessoa vê no que está embaixo, no mais frágil, a causa do seu fracasso. E não consegue perceber os liames racionais que estão criando aquela situação para ela, pois são perdedores de um tipo de política extremamente concentrada, que tira completamente do povo qualquer forma de influenciar a política, como já acontece no Parlamento.
A meu ver, se abre uma chance grande a partir disso, que é o fato de que seja possível uma reorganização da esquerda. Inclusive menos ingênua não apenas em perceber o Estado e como a sociedade funciona, e menos economicista, achando que apenas mudando formas de distribuição econômica vai mudar a sociedade. Isso é um marxismo infantil! Uma oportunidade de que se possam criar novas formas de narrativas que se contraponham a isso.
Não vejo só coisas ruins no horizonte. Todo mundo que gosta de filme de gangster sabe que é muito fácil se juntar a um par de aventureiros para assaltar um banco. Mas é dificílimo, depois, dividir a soma, o botim. É o que está acontecendo agora. Assaltar a soberania popular é fácil. Nisso todo mundo está junto. Tem gente que está com o Lava Jato no pescoço. Mas agora, como vai dividir as questões desse botim?
Esses operadores jurídicos não podem continuar perseguindo a esquerda, porque perdem a legitimidade na parcialidade. Políticos, juízes e a imprensa gastaram um potencial enorme de confiança. É muita tolice dos autores do golpe. Como se bastasse implementar seus interesses e a vida estaria ganha, e não precisaria justificá-los.
Nós somos seres que se autointerpretam. Toda ação tem que ser justificada. Se não se justifica a ação razoavelmente, vai se perder mais adiante, vai perder mais do que se conseguiu antes. Essa hora pós-golpe nos dá uma chance enorme de mudar a relação entre a mídia e a política. Não vamos cair nessa de achar que os blogues vão resolver a questão. É uma sociedade de massas midiatizada. A informação vem de cima para baixo e é controlada. Ou nós entramos nesse controle, ou não vamos ter nenhuma briga política, pelo menos enquanto estivermos vivos.
Agora, esse pessoal fez uma jogada arriscada e perdeu um capital de confiança muito grande.
Quanto à classe jurídica, vai ter que ter uma enorme pizza. Uma pizza que vai deixar rastros, com molho de tomate pelo caminho. É uma oportunidade extraordinária para uma esquerda inteligente montar um discurso que não tem – porque só tem o discurso econômico –, um discurso sobre o Estado e a sociedade para aproveitar essa ocasião que tem mais oportunidades que perdas. Acredito que não estou sendo patologicamente otimista.