Nota de Luciana Santos: Consuma-se o golpe contra a democracia, o Brasil e o povo
A democracia foi mutilada. O Senado Federal condenou a presidenta Dilma Rousseff – por decisão da maioria –, sem que ela tenha cometido crime de responsabilidade, conforme ficou cabalmente demonstrado no julgamento. Ao condená-la, cassou, por um processo de impeachment fraudulento, o seu mandato lastreado por mais de 54 milhões de votos de brasileiras e brasileiros.
O Senado, no mesmo julgamento em que cassou o mandato da presidenta Dilma, manteve seus direitos políticos. A preservação desses direitos demonstra sua inocência e revela que a destituição do seu mandato se deu por uma gama de pressões e interesses. Fica patente, portanto, que não houve crime de responsabilidade e que o impeachment aprovado é fraudulento. Assim sendo, um golpe contra a democracia foi consumado no país.
Apesar da brava resistência democrática empreendida, trata-se de uma dura derrota do povo brasileiro e com repercussões negativas para a luta patriótica e progressista na América Latina. Os vitoriosos do momento – as classes dominantes e as forças políticas conservadoras em conluio com o imperialismo – carregarão nas costas a mácula do golpe. Mal venceram, já começam a se dividir tendo em vista as eleições presidenciais de 2018, e terão o ônus de arrancar do povo direitos e conquistas, num contexto de recessão.
Para as forças democráticas, progressistas e populares, para a esquerda brasileira, não há outro caminho senão este: manter a unidade, ampliar nossas forças e empreender persistente combate contra o governo ilegítimo e sua agenda regressiva.
Depois de 52 anos, com roupagem nova, deu-se um velho golpe de Estado no Brasil
A data de hoje, 31 de agosto de 2016, entra para a história como o primeiro golpe de Estado perpetrado no Brasil no século 21. Retoma-se na feição desse golpe parlamentar a velha e nefasta conduta de setores conservadores das classes dominantes que, uma vez derrotados nas urnas, descambam para conspirações golpistas com o objetivo de reaver a qualquer preço o governo da República para imporem uma agenda antinacional, antipovo e antidemocrática.
Este 31 de agosto, embora sob reluzente aparência legal, se junta às datas simbólicas de retrocessos, como o 1º de abril de 1964 quando se vitimou a democracia com um golpe militar, e o 24 de agosto de 1954 quando uma escalada reacionária levou o presidente Getúlio Vargas ao suicídio.
Agora, como no passado, a direita manipula o necessário combate à corrupção. Apoia-se na Operação Lava Jato que, instrumentalizada pela trama reacionária, seletivamente se focou contra o Partido dos Trabalhadores, contra a presidenta Dilma e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, buscando, nitidamente, criminalizar a esquerda como um todo.
Todavia, esse estratagema se revela uma fraude. O ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha – um dos símbolos da corrupção no país que, em conluio com Michel Temer, desencadeou o processo de impeachment –, obteve em troca que se protelasse a votação do projeto que cassa seu mandato. O próprio Temer e vários de seus ministros estão envolvidos em denúncias de corrupção. Já a presidenta Dilma Rousseff teve a vida vasculhada e nada absolutamente nada foi encontrado contra ela. É honesta, proba e seu governo criou as condições para o ferrenho combate à impunidade.
Não há crime de responsabilidade
O consórcio oposicionista político, empresarial, judicial e midiático armou a conspirata do golpe e buscou dar ares de legalidade à ruptura da ordem institucional. Fez 46 denúncias por crime de responsabilidade contra a presidenta Dilma, desqualificadas em diversas instâncias políticas e judiciais.
Na ausência de crimes, os golpistas passaram a fabricá-los.
Os acusadores alegaram que a abertura de decretos de crédito suplementar em 2015 seria incompatível com a obtenção da meta de resultado fixada para o exercício, o que contrariaria a Lei Orçamentária; e as chamadas “pedaladas fiscais”, relativas ao não pagamento de passivos da União junto ao Banco do Brasil atinentes ao Plano Safra que configurariam operação de crédito ilegal.
Tais condutas imputadas à presidenta Dilma, que configurariam “crimes de responsabilidade”, são desprovidas de fundamento legal. Resultam de torções e falácias na interpretação da Lei de Responsabilidade Fiscal, forjadas no seu início no âmbito do Tribunal de Contas da União (TCU), conforme se revelou na oitiva das testemunhas no Plenário do Senado.
Os decretos de crédito suplementares são medidas que ocorrem ordinariamente na administração pública, para atender a políticas públicas com amparo em receitas vinculadas às próprias políticas. Receitas essas que já estavam arrecadadas. Não houve aumento de gastos porque se preservou o teto de despesa, não havendo ainda descumprimento do orçamento, ou incompatibilidade, com a obtenção da meta de resultado primário fixada para o exercício.
Em relação às ditas “pedaladas”, pareceres técnicos de diversos órgãos, inclusive da Secretaria de Recursos do TCU e de vários especialistas, concluem que não há operação de crédito nessa relação da União com os bancos públicos. Além disso, o Ministério Público Federal (MPF), acionado pelo TCU, já reconheceu a inexistência dessa operação de crédito, tendo requerido o arquivamento da investigação. Os débitos do Tesouro com bancos públicos existem desde 2000, conforme publicação deste ano do Banco Central, e nunca foram considerados operações de crédito.
A defesa da presidenta, as testemunhas, a perícia do Senado Federal e a bancada de senadores e senadoras que se opôs ao golpe – na qual se destacou, entre outros(as), a senadora Vanessa Grazziotin – demonstraram em voto em separado a verdade insofismável de que os créditos foram editados conforme a lei e de que não há qualquer participação da presidenta Dilma na operacionalização do Plano Safra, não havendo, portanto, qualquer crime de responsabilidade nesses fatos.
Dilma: pronunciamento ao povo e à história
No dia 29 de agosto, a presidenta Dilma Rousseff – armada de coragem política e da altivez de quem simboliza, nessa jornada, a resistência democrática – dirigiu-se à tribuna do Senado para fazer a defesa de seu mandato e de sua honra. Esse pronunciamento, feito com pujante indignação, foi um contundente libelo contra o golpe, uma firme defesa da democracia. Dirigindo-se aos seus julgadores, mas sobretudo ao povo e à história, além de demonstrar sua inocência, denunciou as razões e os objetivos de fundo da injusta cassação de seu mandato presidencial.
Nesse discurso histórico, a presidenta Dilma conceitua a cassação do seu mandato exatamente pelo que representa “um verdadeiro golpe de Estado”. A presidenta disse que nada vale a obediência aos ritos e prazos processuais se o conteúdo da sentença resulta em condenar um inocente, uma presidenta que não cometeu crime de responsabilidade.
Neste pronunciamento, que se constitui um documento político que, sem dúvida, alimentará o ânimo da resistência democrática, a presidenta Dilma afirma que a presente ruptura democrática repete, no século XXI, as tramas golpistas contra Getúlio Vargas, Juscelino Kubitscheck e João Goulart. “O que está em jogo”, sob ameaça, disse ela, “é a conquista dos últimos 13 anos”, no âmbito da democracia, da soberania nacional e dos direitos do povo.
Posteriormente, imediatamente após a aprovação do impeachment, a presidenta Dilma fez um pronunciamento de importância semelhante. Fez um chamamento à resistência democrática: “Haverá, contra eles, a mais firme, incansável e enérgica oposição que um governo golpista pode sofrer.” E previu: “Essa história não acaba assim; estou certa de que a interrupção desse processo pelo golpe de Estado não é definitiva. Nós voltaremos. Voltaremos para continuar nossa jornada rumo a um Brasil em que o povo seja soberano.”
Instaura-se um governo ilegítimo
Consumado o golpe, instaura-se uma instável e ameaçadora situação política no país que passa às mãos de um presidente e de um governo ilegítimos. Abre-se um período em que estarão em risco os fundamentos da Nação e as conquistas e os direitos dos trabalhadores e do povo. O golpe visa a restaurar a velha ordem política, assentada num Estado conservador e autoritário, a serviço da ganância das classes dominantes, sobretudo de seus estratos financeiros globalizados, e do saque das potências estrangeiras sobre a riqueza nacional.
Michel Temer e o consórcio conservador que o sustenta usurpam o governo com a ambição de se prolongarem no poder para além de 2018. Tentarão acelerar a partir de agora a consecução de uma agenda ultraliberal e da prometida austeridade fiscal.
A Proposta de Emenda Constitucional do Orçamento (PEC 241), já em tramitação, se aprovada, assestará o “coração” da Constituição de 1988. Pretende acabar com a dotação orçamentária obrigatória para a Saúde e a Educação, além de retirar do Estado nacional as condições para que exerça o papel de alavanca do desenvolvimento. Uma nova onda de privatizações está engatilhada, a começar pela entrega do pré-sal às multinacionais com o fim do regime de partilha. Já está de volta, na esfera das relações internacionais, uma conduta subalterna a grandes potências, de agressividade aos nossos vizinhos e de beligerância ao Mercado Comum do Sul (Mercosul).
O governo ilegítimo de Temer abrirá uma temporada de caça aos históricos direitos trabalhistas, tentará acabar com a política de aumento do salário-mínimo e impor uma cruel reforma da previdência visando na prática a impedir que amplas camadas dos trabalhadores tenham direito à aposentadoria.
Sem o voto do povo, o governo ilegítimo de Temer – eleito indiretamente por um colégio eleitoral fartamente abastecido de cargos, liberação de verbas e toda sorte de “favores” – foi imposto para canalizar o Orçamento Federal aos ganhos fabulosos da grande finança e lançar o ônus da recessão para os ombros do povo e dos trabalhadores.
Em síntese, o consórcio golpista com Michel Temer à frente, embora tenha contradições em torno das eleições presidenciais de 2018, está coeso numa questão central: liquidar, velozmente, com o pacto de desenvolvimento e progresso social firmado pela Constituição de 1988.
Uma agenda regressiva dessa natureza, para se realizar, prenuncia repressão, autoritarismo, desrespeito à ordem democrática. Terão prosseguimento as ações para alvejar as forças progressistas como um todo. É escancarado o abjeto plano político-jurídico para excluir o ex-presidente Lula da disputa de 2018.
A anunciada reforma política já rascunhada virá com o objetivo de restringir o pluralismo político e partidário e excluir as minorias, para que o Congresso Nacional e as demais casas legislativas sejam submetidos ao monopólio das forças conservadoras.
Fora Temer! A resistência democrática prosseguirá
A jornada da resistência democrática adentra a uma nova etapa. Embora derrotada, tem como trunfo as bravas batalhas que empreendeu desde que há mais de um ano irrompeu a escalada golpista. Além disso, a resistência tem nas mãos a bandeira da soberania nacional, da democracia e dos direitos do povo. E na história do Brasil quem empunha essa bandeira, mais cedo ou mais tarde, triunfa. É certo que virão tempos ásperos, duros pela frente, com múltiplas e complexas tarefas e exigências. E entre elas é preciso recolher as lições, aprender com os erros, para fortalecer com qualidades novas a luta que não cessa.
As eleições municipais em andamento se constituem na primeira grande batalha contra o governo ilegítimo. As forças democráticas e populares, a esquerda, precisam conquistar preciosas vitórias para reforçar a resistência democrática tanto nas batalhas de agora quanto nas de 2018, quando o golpe será confrontado em uma nova eleição presidencial.
Finalmente, o PCdoB reafirma e renova sua convicção de que continua a necessidade imperiosa de a resistência democrática erguer bem alto a luta pela antecipação das eleições presidenciais através da convocação de um Plebiscito como meio de restaurar a democracia.
Fora Temer! Pela restauração da democracia!
Em defesa da soberania nacional e dos direitos dos trabalhadores!
Brasília, 31 de agosto de 2016
Deputada Federal Luciana Santos
Presidenta do Partido Comunista do Brasil-PCdoB