Nesta noite da quarta (14), das 19h às 22h, o jornalista Luiz Manfredini lança o romance “Retrato no entardecer de agosto”. O evento será no Palácio dos Leões, o espaço cultural do BRDE (Avenida João Gualberto, 530).

Na quinta (15), às 20h, o economista Luiz Gonzaga Belluzzo lança o livro “O tempo de Keynes nos tempos do capitalismo”. Durante o encontro, no Espaço França da Rocha (Rua Estados Unidos, 2452, Boa Vista), haverá um debate com a participação de Paulo Ricardo Schier e Luiz Carlos da Rocha — o Rochinha.

O trio — Belluzo, Schier e Rochinha — vão discutir amanhã à noite direitos sociais, orçamento e austeridade.

Retrato no entardecer de agosto

Romance histórico trata das utopias primordiais do século XIX

Retrato no entardecer de agosto é um romance histórico do escritor paranaense Luiz Manfredini, baseado na experiência colonizadora do médico francês Jean Maurice Faivre que, entre 1847 e 1858, nas margens do rio Ivaí, sertão paranaense, constituiu a Colônia Teresa, uma das duas únicas tentativas de aplicar no Brasil o ideário utópico do também francês Charles Fourier, bastante difundido nas primeiras décadas do século XIX na França.

Luiz Manfredini, veterano jornalista, é também autor, entre outros livros, dos romances As moças de Minas e Memória de Neblina. É colunista do portal Vermelho e membro do conselho editorial da revista Princípios, editada em São Paulo.

A publicação do romance recebeu o incentivo do Grupo Positivo. O lançamento será no dia 14 de setembro próximo, das 19 às 22 horas, no Palácio dos Leões, o espaço cultural do BRDE (Avenida João Gualberto, 530).

Vinte e três anos após chegar ao Brasil e trabalhar como médico na Corte, Faivre empenhou todos seus bens para trazer da França os 63 integrantes da colônia que organizava, pagando-lhes todas as dívidas na França, distribuindo-lhe gratuitamente lotes de terra e bancando seus primeiros anos no Brasil. As despesas do trabalho e da vida social eram divididas e, igualmente, os lucros. Ali se proibiu a escravidão, décadas antes de sua abolição o Brasil.

Segundo o poeta Hamilton Faria, que apresenta o romance, a Colônia Thereza foi “uma experiência ímpar que negava a escravidão, o lucro, os malefícios do dinheiro e as misérias morais e materiais do capitalismo – e propunha um ideal de vida cooperativa”. Mas no último dia de agosto de 1858, Faivre morreu tragado por febre traiçoeira sem ver realizados seus sonhos.

O poeta acrescenta: “Com linguagem expressiva e riqueza de palavras, características incomuns em grande parte dos autores contemporâneos, Luiz Manfredini viaja neste romance histórico pela utopia do Dr. Faivre e pela ancestralidade do nosso tempo”.

Leia o prefácio de O tempo de Keynes nos tempos do capitalismo:

KEYNES E O BARBEIRO
Antes de falar deste livro, gostaria, caro leitor, de apresentá-lo a um personagem. Conheci o Henrique há mais ou menos cinco anos.
Ele viera de Recife e dividia-se entre o emprego em uma barbearia na rua Augusta e o bico de professor de dança no centro de São Paulo. Ao longo dos anos, tornei-me um cliente fiel e assisti a seu progresso: de empregado a sócio de um outro salão e deste para um empreendimento próprio, embora mais modesto que a sociedade anterior, sempre na nevrálgica Augusta.

Na essência, a trajetória de Henrique não é diferente daquela de milhares de migrantes. Uma infância difícil na beira do mangue, um pai ausente e uma mãe batalhadora. O trabalho foi a sua salvação. Os curtos intervalos entre o manuseio da tesoura e os passos de mambo eram usados para estudar as disciplinas do supletivo que encurtaram sua trajetória tardia pelo ensino médio. O novo negócio adiou o sonho de ingressar na faculdade, desafio que ele encara com um misto de alegria e pavor, pois nunca escondeu a dificuldade em terminar a leitura de um livro. Sua curiosidade parece, no entanto, infinita. E seu espírito crítico aflorou naturalmente, contra todas as apostas do senso comum. Por causa deles, curiosidade e discernimento, o menciono neste prefácio.

Em uma dessas sextas-feiras preguiçosas, após a edição da semana ter sido enviada à gráfica, passei pelo salão do Henrique antes de seguir para a redação da revista CartaCapital. Falávamos da crise econômica e política quando ele me perguntou repentinamente como poderia saber mais a respeito de John Maynard Keynes e suas ideias. Nunca havia mencionado Keynes em nossas conversas e fiquei curioso por descobrir de que maneira um pernambucano fã de Chico Science mal chegado aos 30 anos havia descoberto e se interessado por um aristocrata inglês nascido no apogeu da era Vitoriana. “Recebi um texto no Facebook, achei bacana e fiz umas pesquisas na internet, mas queria entender melhor”.

Reagi como um vendedor de porta-em-porta (eles ainda existem?). “Para a sua sorte”, comecei, “conheço o maior especialista em Keynes do Brasil”. Saquei do bolso o celular e interrompi a leitura matinal do Belluzzo. Oxalá o tenha livrado do aborrecimento de trafegar pelas notícias sobre o Palmeiras. Meia hora depois recebia em meu e-mail a introdução deste livro, um panorama didático, conciso e elegante da vida de Keynes e da história do século XX.
A pronta resposta do Belluzzo confirma não só a sua conhecida diligência. É uma pequena amostra de sua essência: o professor que não esmorece, nem quando as trevas dão sinais de engolfar completamente a luz, caso dos tempos atuais. O Julinho segue os mesmos passos e é inspirador acompanhar o esforço de ambos em favor do debate esclarecido e esclarecedor. Na sociedade de massas, o acadêmico rigoroso, porém didático, acabou substituído de forma trágica pelo animador de
auditórios. Nem assim Belluzzo e Julinho desistem, eles que enfrentam estoicamente e com bastante frequência a batalha inglória contra as bestas-feras nas arenas midiáticas. Uma luta que se perde, mesmo quando se ganha. Irrecusável, no entanto, para quem mantém o otimismo na ação. Este volume é mais um gesto de quem compreende e desempenha a altura seu papel na esfera pública.

Keynes, por sua vez, voltou à moda depois da crise financeira mundial de 2008, para desalento daqueles que acreditavam tê-lo fulminado a golpes de Milton Friedman durante as três décadas de supremacia do neoliberalismo. Infelizmente, pouca gente do outro lado do espectro ideológico compreendeu a essência de seu pensamento. Por sorte, Jesus não detém os direitos autorais da frase “Senhor, eles não sabem o que fazem”. Nem Keynes é o único a se revirar no túmulo.
Muitas barbaridades também foram ou têm sido cometidas em nome de Deus, Marx e principalmente do dinheiro. Mas, apesar do esforço dos keynesianos bastardos, a obra do lorde inglês continua vital e fornece o aparato necessário, talvez definitivo, para enfrentar a barbárie pantagruélica, insaciável em sua cruzada pela destruição de qualquer traço de humanidade. Não é necessário um neokeynesianismo. Basta o velho.

Os adoradores de moloch que se reproduzem como coelhos, ou melhor, baratas nas colunas econômicas dos jornais, nos painéis de debate na televisão e nas escolas de negócio tentam convencer os desatentos de que as coisas sempre foram assim e sempre serão. Apostam na memória curta. Mas o mundo era outro há menos de quarenta anos. Sob a influência do pensamento de John Maynard (desculpem-me se não tenho a intimidade do Belluzzo para chamá-lo assim), as economias ocidentais experimentaram durante boa parte do século XX uma harmonia entre crescimento econômico sustentável, incorporação em massa de novos consumidores-cidadãos e redução expressiva das desigualdades. Do “American Dream” à construção do Bem-Estar Social europeu, o Ocidente desenvolvido foi além da
prosperidade econômica. Os últimos estadistas, os derradeiros pintores e escritores, os maiores cineastas, deram forma e cor a este período
iluminista da sociedade, sem falar em filósofos e cientistas hoje tão escassos quanto necessários.

Quando as ideias de Keynes passaram a ser caçadas por uma força-tarefa de dar inveja aos delegados da Polícia Federal brasileira, quando os Estados Unidos foram capazes de eleger para a presidência um ator canastrão e a Inglaterra decidiu colocar uma dona de casa no comando do Parlamento, em uma elegia à “economia doméstica”, enfim, naquele embalo de sábado à noite do fim da década de 1970, o mundo dançou.

As crises econômicas se sucederam, à custa do trabalho e das tão bem sucedidas políticas de proteção social. México, Argentina, Rússia, Tigres Asiáticos, Brasil, Grécia… O efeito dominó ainda não acabou. Por outro lado, a eficiência da plutocracia na defesa de seus interesses é inegável.
Os dados apurados pela ONG Oxfam não deixam dúvidas: 62 bilionários detém atualmente um patrimônio equivalente ao da metade da população do planeta. Ou em uma proposição matemática simples: 62 = 3,5 bilhões de seres humanos.

Não consigo imaginar a expressão de horror de lorde Keynes se a ciência fosse capaz de reanimá-lo neste ano da graça de 2016. O que
diria a respeito de seus sucessores no ofício? E da política de austeridade, fórmula revendida pela União Europeia a outras partes do globo? Como
encararia o fato de poucas gerações de economistas terem sido capazes de transformar uma disciplina com justas pretensões científicas em um misto
de curandeirismo e cientologia, um truque de mágica planejado para distrair a plateia, enquanto suas carteiras são afanadas? Neste último caso,
quiçá Keynes rememorasse um de seus escritos: “O economista–mestre tem de possuir uma rara combinação de dons. Ele tem de ser matemático,
historiador, estadista, filósofo – em algum grau. Ele tem de compreender símbolos e falar em palavras. Tem de contemplar o particular em termos
do geral, e tocar o abstrato e o concreto no mesmo voo do pensamento”.

Não tenho certeza se obteria sucesso. Os atuais comentaristas econômicos, ao menos os brasileiros, já tem dificuldade para unir o sujeito e o predicado,
imagine “tocar o abstrato e o concreto” ao mesmo tempo. Para a nossa desgraça, as ideias de Keynes voltaram a ser intensamente
debatidas, mas superficialmente aplicadas. Como bem conclui este livro, as democracias, massacradas pelo poder das finanças, parecem
impotentes diante dos “mercados”. Tradicionais partidos, de esquerda ou de direita, tornaram-se meros corretores dos interesses dos senhores
da bufunfa. À base dos 10% de comissão, entregam a mãe. Enquanto isso, na planície, oportunistas elegem bodes expiatórios e incitam as
massas. O desempregado europeu torna-se algoz do refugiado sírio, que, em nome da sobrevivência, não hesitaria em jogar aos leões o camelô
africano. Da Ucrânia ao Brasil, a política se assenta no ódio e na negação do outro. “Tá tudo dominado”, diria Marcola ou um banqueiro da City.
Será? Por sorte, a esperança é uma planta resistente, brota nos terrenos mais inférteis. E a roda da História não para, a despeito de quem a nega
ou deseja pará-la. Sempre haverá um Podemos, um Occupy Wall Strett, um Bernie Sanders… E sempre haverá um Henrique.

Sergio Lirio
Redator-chefe da Carta Capital