Eleições 2016: oportunismo e desilusão
Os fenômenos como Donald Trump, a saída do Reino Unido da União Europeia e a vitória da extrema-direita nas eleições regionais da Alemanha refletem a exaustão dos cidadãos provocada pelas políticas econômicas praticadas nos últimos 30 anos. Representam a rejeição ao establishment pela massa de prejudicados produzida pela “livre concorrência” entre os desiguais.
O expressivo número de votos nulos, brancos e abstenções no primeiro turno das eleições municipais brasileiras é sintomático, e parece registrar a presença de um sentimento similar em nossa sociedade. Conforme dados do Tribunal Superior Eleitoral, mais de 17% dos eleitores em todo o País não compareceram ao pleito.
Em Aracaju, Belém, Belo Horizonte, Campo Grande, Cuiabá, Curitiba, Porto Alegre, Porto Velho, São Paulo, Rio de Janeiro, Ribeirão Preto e Sorocaba, para citar algumas capitais e regiões metropolitanas, os votos nulos, brancos e abstenções superaram os votos conferidos aos vencedores do primeiro turno.
No Rio de Janeiro e em Belo Horizonte, os candidatos que disputarão o segundo turno não conseguiram, somados, mais de 50% dos votos válidos na primeira etapa da eleição. Na Cidade Maravilhosa, os candidatos a prefeito chegaram ao segundo turno com o menor porcentual de votos válidos desde 1992.
Pela primeira vez desde a redemocratização, a maior cidade da América do Sul elegeu o seu prefeito em primeiro turno. A escolha do “homem de negócios”, em oposição aos políticos, chamou a atenção do jornal Washington Post, que ironizou: “Ele é um rico empresário que se tornou famoso como estrela do programa de tevê O Aprendiz, dispensando concorrentes com a frase “Você está demitido”. Recentemente, ele direcionou suas energias à corrida eleitoral com o slogan “Eu não sou um político, sou um gestor”. Não, não é Donald Trump. É João Doria, e ele acaba de ser eleito prefeito de São Paulo”.
Os escândalos de corrupção exasperaram os sentimentos de rejeição à política. As denúncias funcionam como propulsores das “realimentações positivas” entre as crises política e econômica.
No jogo jogado entre a economia, a política e a polícia, pululam economistas sentenciando que a economia brasileira estava fadada à crise desde 2008. É a tese do purgatório, pena cominada à política anticíclica então adotada e bem-sucedida no enfrentamento da recessão de 2009. Não espanta que, em fevereiro de 2013, no Boletim Focus, os “principais economistas do mercado” tenham previsto crescimento de quase 4% ao ano para 2014, 2015 e 2016.
A partir de março de 2013, sob o patrocínio dos mesmos sabichões, é desencadeada a escalada que praticamente dobrou a taxa básica de juros, medida inapta para combater a inflação impulsionada pelo choque nos preços administrados (há anos represados) em uma economia já em desaceleração.
A queda na atividade econômica e na arrecadação, mais as desonerações fiscais colaboraram para a deterioração das contas públicas. Obtiveram como resposta um arrocho fiscal que concentrou cortes nos investimentos públicos, quando estes eram mais necessários.
Colaboram ainda para a blitzkrieg que assaltou a economia brasileira a desaceleração da economia mundial com forte deflação das commodities, a crise política que prostrou o governo e o envolvimento de algumas das principais empresas nacionais em investigações policiais. O sistema empresarial entrou em colapso, estrangulado pela queda do PIB, os juros de agiota, a contração do crédito e a ignorância fanática da casta burocrático-midiática.
Após a estagnação de 2014, o PIB caminha para o segundo ano com retração de quase 4%. Quando se compara o quarto trimestre de 2013 e 2015, nota-se: a Formação Bruta de Capital Fixo sofreu queda de 24%, o consumo das famílias de 5% e o PIB de 6,5%.
Em oposição ao que vendeu, e ainda vende, a opinião publicada, apenas o emprego da mesóclise não foi suficiente para a retomada da confiança. A mídia de massa ainda tenta administrar a fantasiosa narrativa da recuperação econômica como placebo, em dissonância ao choque dos movimentos da economia concreta e as realidades da vida dos cidadãos de carne e osso.
A taxa de desocupação, que pelos dados da Pnad Contínua estava em 6,5% no último trimestre de 2014, alcançou no fim de agosto de 2016 a marca de 11,8%, atingindo pela primeira vez o número de 12 milhões de desempregados. Esse é o pior resultado da série histórica iniciada em 2012. O coordenador de trabalho e rendimento do IBGE, Cimar Azeredo, avalia que “o cenário continua bem difícil, no sentido em que a pesquisa continua apresentando recordes”.
O setor da construção teve a maior redução no número de empregados (249 mil) no período, mas um dos principais focos de preocupação é a queda na indústria no terceiro trimestre, momento em que o setor historicamente entra em processo de aquecimento.
Segundo o indicador da Serasa Experian, o número de pedidos de recuperação judicial bateu recorde histórico em setembro de 2016. Foram registradas 244 solicitações, contra 137 em agosto e 147 em setembro de 2015.
De janeiro a setembro, a quantidade de pedidos de recuperação judicial cresceu 62% diante do mesmo período de 2015, fruto do longo castigo imposto aos fluxos de caixa das empresas, pela queda na demanda e restrições ao crédito.
Nos primeiros nove meses do ano, foram feitos 1.405 pedidos de falência no País. O número representa um aumento de 6% em relação ao mesmo período de 2015.
Enquanto economia e popularidade derretem, o governo balança entre as pressões de seus muy amigos da base aliada e o receio das reações a um terceiro ano consecutivo de recessão econômica em uma sociedade conflagrada. De olho em 2018, os muy amigos clamam por medidas econômicas ainda mais restritivas e impopulares.
Outros vão além, ou aquém, e incriminam a generosidade da Constituição Cidadã de 1988, em especial com os subalternos. A ofensiva político-midiática deflagrada não esconde seus propósitos: trata-se de retomar o poder normal para ajustá-lo ao poder real dos Donos do Poder.
Na escalada autoritária, sobra munição para alvejar avanços sociais com a fuzilaria dos insensatos, visando legitimar políticas econômicas empenhadas em purgar os “excessos” decorrentes dos programas sociais, ganhos salariais e expansão do crédito.
Publicado em Carta Capital
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