Seminário na Unicamp mostra que financeirização explica impasses da crise econômica mundial
O Instituto de Economia (IE) da Unicamp promoveu no dia 10 de novembro, das 9h às 20h, um seminário internacional para discutir a chamada financeirização no contexto do capitalismo contemporâneo. O evento ocorrido no auditório Zeferino Vaz, contou com a presença de especialistas nacionais e internacionais na temática. As discussões em torno do tema foram organizadas pelo professor Giuliano Contento de Oliveira, diretor do Centro de Estudos de Relações Econômicas Internacionais (Ceri) do IE.
O professor José Carlos Braga (IE-Unicamp) foi homenageado pelo pioneirismo, originalidade e densidade teórica e analítica com que tratou o tema da financeirização da economia, ainda nos anos 1985. Sua pesquisa, desde então, já avançava sobre o tema tornando-se referência conceitual para quem enfrenta os temas do capitalismo financeiro. Embora a atual crise econômica mundial revele a agudeza do impacto das bolhas especulativas do sistema financeiro, este não era um tema preferencial da pesquisa acadêmica, até então.
“O seminário aberto a toda comunidade, tanto da Unicamp, como ao público externo mostra que o tema é bastante relevante. Temos assistido a uma sucessão de crises, especificamente financeiras. O evento é um meio de externalizar todo o conhecimento acumulado ao longo de vários anos de pesquisa, reflexão acadêmica e discussões”, afirmou o organizador.
Na abertura dos trabalhos, o diretor do Instituto, professor Sérgio Fracalanza, destacou a importância do seminário, principalmente por reunir destacados intérpretes de temas vinculados ao capitalismo e à história. Já Giuliano Contento de Oliveira assinalou que o evento não era uma iniciativa exclusiva do IE, mas da Unicamp como um todo, dentro do esforço da Universidade de estreitar o relacionamento com a sociedade, de se tornar cada vez mais internacionalizada e de qualificar as atividades de ensino e pesquisa.
Segundo Giuliano de Oliveira, compreender o papel que as finanças desempenham sobre as economias mundiais, incluindo a brasileira, é tarefa cada vez mais relevante no contexto atual. O docente explica que, sobretudo a partir dos anos de 1990, vêm ocorrendo uma sucessão de crises financeiras em diferentes regiões do mundo, muitas delas relacionadas à lógica financeirizada de gestão e acumulação da riqueza no capitalismo contemporâneo.
“A financeirização pode ser compreendida como um padrão sistêmico de riqueza, com diversas características. Uma delas diz respeito à crescente liberdade do movimento de capitais entre diferentes países. Essa liberdade acaba tendo efeitos diversos sobre a economia. Tais impactos vão desde uma dinâmica de crescimento econômico condicionada à lógica dos ativos financeiros, até situações em que se restringe muito o grau de autonomia na gestão da política econômica de países. Este é o caso, por exemplo, do Brasil, que tem uma moeda fraca internacionalmente.”
Reflexões precursoras
Três sessões compuseram a programação do seminário. Pela manhã, foram discutidos os aspectos teóricos e históricos da financeirização, com participação de José Carlos Braga e Frederico Mazzucchelli, ambos do IE; e Robert Guttmann, professor na Hofstra University (Nova York), especialista em mercados financeiros internacionais. Os docentes fizeram uma abordagem teórica sobre diversos aspectos da financeirização.
No período da tarde, foram debatidas duas temáticas especificas: “Inflação e deflação de ativos na macroeconomia financeirizada” e “Instabilidade e crises no capitalismo financeirizado”. Participaram o economista Jan Kregel, do Levy Economics Institute; Arturo Huerta, da Universidade Nacional Autónoma do México (UNAN); além do ex-presidente do BNDES, Luciano Coutinho, Simone de Deos e Ana Rosa Mendonça, todos do IE, com a participação especial de Laura Tavares, filha da professora Maria da Conceição Tavares. Por motivos de saúde, o professor Luiz Gonzaga Belluzzo não pode participar.
A fala inicial coube ao homenageado, o professor Braga, que tem dado ao longo dos últimos 30 anos contribuições importantes às reflexões sobre o tema. De acordo com ele, o termo financeirização tem sido objeto de diferentes interpretações. “Entretanto, mais importante que se apegar a designações, é ir fundo nas argumentações sobre esse fenômeno. A meu juízo, a financeirização é um padrão sistêmico de riqueza. Por ser sistêmica, também é, em boa medida, um modo de ser do próprio capitalismo”, afirmou.
A partir de um dado momento, lembrou o docente do IE, o capitalismo se transformou num sistema econômico formado por grandes empresas, bancos e instituições financeiras que promovem uma concorrência intercapitalista, em grande medida, mediada pelo sistema financeiro. Em outras palavras, um sistema de grandes negócios que passou a determinar de forma estratégica a expansão da riqueza e do avanço tecnológico.
Dada à sua característica sistêmica, reforçou o economista, esse padrão de riqueza é muito difícil de ser combatido ou regulado, uma vez que ele representa a própria essência do capitalismo. “Nesse sentido, pensando no Brasil e em Celso Furtado, torna-se igualmente muito difícil enfrentar o problema do subdesenvolvimento nas condições do capitalismo atual”, declarou Braga. Segundo ele, não há contradição entre a esfera produtiva e a financeira, que se retroalimentam mutuamente e estabeleceram relações de interdependência difíceis de se romperem. Muitos comentem o engano de distinguir essas esferas de forma maniqueísta apontando o setor produtivo como a saúde de uma economia nacional e o sistema financeiro como sua doença, por desestimular o investimento ao preferir lucrar com o parasitismo dos juros. No entanto, Braga enfatizou a relação simbiótica entre estas esferas do capitalismo e o modo como ela gera consequências complexas diante de uma crise com as proporções atuais. “As decisões estratégicas de grandes corporações empresariais são tomadas pelo setor financeiro”.
Quando Braga doutorou-se sobre o assunto em meados dos anos 1980, o total abandono da convertibilidade do dólar em ouro ainda era recente (1976), assim como a profunda regulamentação do sistema financeiro ocorrida em seguida, gerando uma dominância financeira com novo tipo de dinâmica. Mas, antes do colapso, o rentismo foi capaz de inúmeras inovações ao criar novas formas de ampliar os ganhos de capital. Ao repassar o risco de inadimplência das hipotecas subprime para outras instituições mundo afora, por meio de investimentos ancorados no vencimento das mensalidades daqueles imóveis, os bancos se protegiam de eventual calote, mas criaram um risco sistêmico mundial quando o calote foi generalizado. Da mesma forma, mecanismos como o quantitative easing e outras formas de lucrar com o endividamento de países, continuam sendo utilizados pelo sistema financeiro em plena crise econômica, sob o risco de criar novas bolhas especulativas.
“Independente do colapso ocorrido, a financeirização da economia, por si só, traz implicações de várias ordens, como a agudização do conflito entre capital e trabalho, o problema do desemprego, a brutal concentração de renda e a tensão crescente entre expansão e crise”, exemplificou, lembrando ainda que os estados nacionais passaram a socorrer as instituições financeiras em crise, impondo ajustes fiscais e austeridade nos gastos sociais. O Governo Temer é um exemplo disso ao assumir que “o que é ruim para a Grécia é bom para o Brasil”, ironizou Braga, mencionando o padrão de austeridade que o governo brasileiro pretende assumir apesar dos resultados desastrosos já verificados em países como a Grécia. “Nem o FMI indica mais este tipo de ajuste”, declarou, mostrando em seguida gráficos revelando a brutal queda nos índices de qualidade de vida das famílias, desde 1985, com o avanço da financeirização da economia.