Nos próximos dias 26 e 27 a Frente Ampla do Uruguai realizará seu 6º Congresso ordinário nos marcos das comemorações dos 45 anos de sua fundação. Além disso, o congresso está dedicado ao líder comunista Rodney Arismendi que ocupou a Secretária Geral do PCU durante o período de 1955 a 1989. Arismendi é, ainda, o recordista em mandatos parlamentares consecutivos. Por 27 anos, ininterruptos, foi Deputado Nacional e é reconhecido pela sua contribuição à unidade do campo progressista, democrático, popular e de esquerda daquele país.

Ao longo desses 45 anos a FA tornou-se referência para inúmeros países, especialmente após a ascensão da Frente à presidência da República, em 2004. Essa experiência vem influenciando os debates em torno da construção da unidade do campo democrático, progressista e de esquerda do Brasil. Entretanto, para compreender o processo que constituiu a Frente Ampla do Uruguai nesse rico instrumento é fundamental remeter-se aos debates que marcaram as décadas de 50 e 60 do século passado no país platino.

Este é o primeiro artigo de uma série de três que buscará abordar, em linhas gerais, as características do processo tal qual sua relação com o pensamento de Rodney Arismendi e a tática do PCU. Posterioremente, analisarei as discussões do VI Congresso da FA e aqueles elementos que poderiam ser chamados de singulares ou universais de tal experiência.

Transformações na sociedade uruguaia e a importância do proletariado

Assim como em um conjunto de países da América Latina, a primeira metade do Século XX é marcada por grandes transformações nas sociedades da região decorrentes da sua inserção no contexto do capitalismo internacional. Isso provocou o crescimento acelerado das cidades. Da mesma forma, provocou uma diversificação maior da sociedade, especialmente a ampliação de setores médios e do proletariado.

Essa reordenação das sociedades trouxe consigo novas contradições. Essa massa de trabalhadores urbanos passa a elevar a sua importância na vida nacional chocando-se com a velha estrutura político partidária do país expressada nos partidos Nacional e Colorado. No informe do Comite Central ao XVI Congresso do PCU, em 1955, Arismendi destaca que “A questão consiste em saber como nosso Partido une a classe operária e as massas populares, encabeça sua luta reivindicativa e facilita sua passagem às posições revolucionárias.” (Arismendi, 1955). Fruto desse processo originou-se a unificação do movimento sindical em torno da Convenção Nacional dos Trabalhadores (CNT)ii como ferramenta unitária de luta, característica que permanece até os dias atuais.  Merece destaque, também, a realização do Congresso del Pueblo em 1965 como importante passo para a unidade programática de lutas.

Unidade no plano político

A construção da atuação unitária da classe trabalhadora e do conjunto de outros segmentos da sociedade em torno de suas lutas reivindicativas provocou uma mudança na correlação de forças no país. Nesse sentido, criou-se condições para uma dimensão mais complexa e ampla dessa unidade permitindo a união de classes, frações delas e segmentos diversos da sociedade em torno de um programa comum de caráter democrático-avançado, antimperialista e antioligárquico. Uma vez que o proletariado aumentou sua influência na vida nacional, seu poder de aglutinação também se ampliou. Diante disso, na primeira carta ao Partido Socialista em 1956, Arismendi sustentou que “A experiência histórica ensina que o poder da classe operária é maior quanto mais poderosa e forte é a unidade do proletariado, a unidade sindical e a ação comum dos Partidos Comunista e Socialista.” (Arismendi, 1956). Para ele a ação concertada entre comunistas e socialistas, em unidade militante, permitiria atrair os setores democráticos e patrióticos.

Além da unidade entre o PCU e o PS desprenderam-se, também, dos partidos tradicionais setores mais progressistas que incorporaram-se na construção da unidade do campo democrático, popular e de esquerda.

O Partido Comunista

O período compreendido entre 1955 e 1971 é marcado também por transformações significativas para o Partido Comunista do Uruguai. Para Arismendi, a construção da unidade da esquerda deveria desenvolver-se em conjunto com um crescimento do PC. Sob essa orientação, o partido cresceu “Até ser a principal corrente do movimento sindical e popular” (Arismendi, 1966).

Quatro anos mais tarde, às vésperas da fundação da Frente Ampla durante o XX Congresso do PCU, Arismendi destacou “o crescimento do nosso Partido, (…) que desde o congresso anterior mais que duplicou seu numero de filiados” (Arismendi, 1970) e identificou que o mesmo “distingue-se hoje, especialmente, pelo seu arraigo de massas, pela elevação do seu papel histórico (…) pelo seu peso na vida política nacional” (Arismendi, 1970). Nesse sentido, para ele, o processo que culminou na construção da Frente Ampla, é também “o percurso da transformação do nosso Partido em uma força política real e no principal condutor e orientador da classe operária unificada” (Arismendi, 1970).

“Nuestro camino hacía el socialismo!”

Para Rodney Arismendi, a construção da unidade do povo uruguaio sob liderança dos trabalhadores em torno de um programa democrático-avançado, antimperialista e antioligárquico consistia no caminho para abrir um processo de mudanças profundas na sociedade uruguaia. Arismendi apontava que a Frente Ampla deveria ser considerada como a “via real, autêntica, de aproximação à revolução” (Arismendi, 1971). Nesse sentido, a FA, no âmbito da tática dos comunistas uruguaios daquele período, possuía caráter estratégico, não apenas conjuntural. Por isso, afirmou que “no estamos ante un simple frente electoral, sino a un agrupamiento del pueblo con vistas a transformaciones radicales” (Arismendi, 1970), uma aliança entre “classes e camadas sociais diferentes. Esta integrada pelo proletariado junto com outras classes e camadas sociais em atitude democrática e antimperialistas.” (Arismendi, 1971). Ou seja,  para o Secretário Geral do PCU, este caminho estava profundamente marcado pelas características singulares da formação economica e social do Uruguai.

Assim, diante dos debates acerca dos modelos ou da via, pacifica ou armada, ao socialismo, Arismendi identifica que “as leis gerais do desenvolvimento social e da revolução socialista se manifestam singularmente em cada país e em cada processo político particular.” (Arismendi, 1970). Diante disso, o mesmo aponta que “Nosso povo, diferentemente de outros povos da América Latina, tem transitado longos períodos no seio da democracia burguesa e não tem estado como outros países da América Latina (vale a frase do jovem Marx referindo-se à Alemanha de seu tempo) junto à liberdade apenas no dia do seu enterro” (Arismendi, 1971). Ao mesmo tempo defendia que, para abrir caminho para uma alternativa democrática, era preciso “um Partido apto para todas as lutas” (Arismendi, 1966). Nesse sentido, o dirigente oriental buscou apontar para um caminho próprio da sociedade uruguaia rumo à sua emancipação.

Ficam, obviamente, enormes lacunas que contribuíram para essa experiência e merecem ser estudadas e analisadas com atenção. Sem dúvidas, a Frente Ampla do Uruguai é uma importante referência da qual devemos apropriar-nos sem pré-julgamentos, nem transposições mecânicas ou anacronismos.

Por fim, o objetivo desse texto é traçar linhas gerais do processo que culminou na formação da Frente Ampla enquanto instrumento de organização e ação unitária do campo democrático, progressista, patriótico e de esquerda. Além disso, sua relação com o pensamento de Rodney Arismendi e a tática dos comunistas uruguaios naquele período que o dirigente sintetiza assim:

“Desde 1955, tendo em conta as características da sociedade uruguaia, trabalhamos fundamentalmente em tres direções entrelaçadas a partir do nosso ponto de vista. A unificação da classe operária e o povo, a unificação política das forças antimperialistas, democráticas, avançadas e de esquerda, em particular da denominada esquerda, e – porque somos marxistas – leninistas – pelo desenvolvimento de um grande Partido Comunista.” (Arismendi, 1971)

 

Referências Bibliograficas

ARISMENDI, Rodney. La construcción de la unidad de la izquierda – Selección de textos (1955 – 1989). Montevidéu: Ed. Grafinel, 1999. 287 p.

 

___________________. A Revolução Latino-Americana. Lisboa: Editora Avante, 1977. 255 p.

FURTADO, Celso. A economia latino-americana: formação histórica e problemas contemporâneos. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. 97 p.

RICCO, Alvaro. “Por qué Gramsci?” En: Varios. Vigencia y actualización del marxismo en el pensamiento de Rodney Arismendi. Fundación Rodney Arismendi. Montevideo, 2001, págs. 177-190.

Fundación Rodney Arismendi: Colección Revista Estudios – version digital. Edições: 01 a 106.