Lênin: Nenhum compromisso?
O livro foi escrito às vésperas da realização do 2º Congresso da 3ª Internacional, realizado em 1920. Seu objetivo, como se depreende do título provocativo, era combater as concepções esquerdistas que ganhavam corpo no interior do jovem movimento comunista. Vencê-las era uma condição essencial para construção de partidos com influência de massa e capazes de se constituírem enquanto vanguardas do processo revolucionário.
Ao contrário do que imaginavam os esquerdistas, dizia Lênin, “a história do bolchevismo, antes e depois da Revolução de Outubro, está cheia de casos de manobras, de acordos e compromissos com outros partidos, inclusive os partidos burgueses.” Por isso, um revolucionário não deve “renunciar de antemão a qualquer manobra, explorar os antagonismo de interesses (…) que dividem nossos inimigos, renunciar a acordos e compromissos com possíveis aliados (ainda que provisórios, inconsistentes, vacilantes, condicionais)”. Esta foi uma lição essencial deixada pela Revolução Russa, sistematizada por Lênin e outros revolucionários do século 20.
Nenhum compromisso? *
Por Vladimir Ilitch Lênin
Na citação do folheto de Frankfurt já vimos o tom decidido com que os “esquerdistas” lançam essa palavra de ordem. É triste ver como pessoas que, sem dúvida, se consideram marxistas e querem sê-lo esqueceram as verdades fundamentais do marxismo. Engels – que, como Marx, pertence a essa raríssima categoria de escritores, em cujos grandes trabalhos, – as frases têm todas, sem exceção, uma assombrosa profundidade de conteúdo – escrevia contra o Manifesto dos 33 comunardos-blanquistas (1), em 1874, o seguinte: “Somos comunistas”, diziam em seu manifesto os comunardos-blanquistas, “porque queremos atingir nosso objetivo sem nos determos em etapas intermediárias e sem compromissos, que nada mais fazem que tornar distante o dia da vitória e prolongar o período de escravidão”.
“Os comunistas alemães são comunistas porque, através de todas as etapas intermediárias e de todos os compromissos criados não por eles, mas pela marcha da evolução histórica, veem com clareza e perseguem constantemente seu objetivo final: a supressão das classes e a criação de um regime social onde não haverá lugar para a propriedade privada da terra e de todos os meios de produção. Os 33 blanquistas são comunistas por imaginarem que basta seu desejo de saltar as etapas intermediárias e os compromissos para que a coisa esteja feita, e porque acreditam firmemente que “a coisa arrebenta” num dia desses e o Poder cai em suas mãos e o “comunismo será implantado” no dia seguinte. Portanto, se não podem fazer isto imediatamente, não são comunistas.
“Que pueril ingenuidade a de apresentar a própria impaciência como argumento teórico!” (ENGELS, F. Programa dos Comunardos-bIanquistas. In: jornal socialdemocrata alemão Volksstaat (2), 1874, p. 73, incluído na recompilação– artigos de 1817-1875, tradução russa, Petrogrado, 1919, p. 52-53).
Engels expressa nesse mesmo artigo seu profundo respeito por Vaillant e fala dos “méritos indiscutíveis” deste (que foi, como Guesde, um dos chefes mais destacados do socialismo internacional antes de sua traiçãoao socialismo em agosto de 1914). Mas Engels não deixa de analisar em todos os detalhes seu erro evidente. É claro que os revolucionários muito jovens e inexperientes, assim como os revolucionários pequeno-burgueses mesmo de idade respeitável e grande experiência, consideram extremamente perigoso, incompreensível e errôneo “autorizar que se firmem compromisso”. E muitos sofistas (como politiqueiros ultra ou excessivamente “experimentados”) raciocinam do mesmo modo que os chefes do oportunismo inglês citados pelo camarada Lansbury: “Se os Bolcheviques se permitem tal ou qual compromisso, por que nós não nos permitimos qualquer compromisso?”. Mas os proletários, educados por repetidas greves (para só falar dessa manifestação da luta de classes), assimilam habitualmente de modo admirável a profundíssima verdade (filosófica, histórica, política e psicológica) enunciada por Engels. Todo proletário conhece greves, conhece “compromissos” com os odiados opressores e exploradores, depois dos quais os operários tiveram de voltar ao trabalho sem haver conseguido nada, ou contentando-se com a satisfação parcial de suas reivindicações. Todo proletário, graças ao ambiente de luta de massas e do acentuado agravamento dos antagonismos de classe em que vive, percebe a diferença existente entre um compromisso imposto por condições objetivas (pobreza de fundos financeiros dos grevistas, que não contam com apoio algum, passam fome e estão extenuados ao máximo) – compromisso que em nada diminui a abnegação revolucionária nem a disposição de continuar. A luta dos operários que o assumiram – e um compromisso de traidores que atribuem a causas objetivas seu vil egoísmo (os fura-greves também assumem “compromissos”!), sua covardia, seu desejo de atrair a simpatia dos capitalistas, sua falta de firmeza ante as ameaças e, às vezes, ante as exortações, as esmolas ou as adulações capitalistas (esses compromissos de traidores são particularmente numerosos na história do movimento operário inglês por parte dos chefes da tradeunion, se bem que, sob uma ou outra forma, quase todos os operários de todos os países tenham podido observar fenômenos semelhantes).
É claro que acontecem casos isolados extraordinariamente difíceis e complexos, em que só através dos maiores esforços se pode determinar com exatidão o verdadeiro caráter desse ou daquele “compromisso”, do mesmo modo que há casos de homicídio em que não é nada fácil julgar se este era absolutamente justo e até obrigatório (como, por exemplo, em caso de legítima defesa), ou se era efeito de um descuido imperdoável, ou mesmo consequência de um plano perverso executado com habilidade. Não há dúvida de que em política, onde às vezes se trata de relações nacionais ou internacionais muito complexas entre as classes e os partidos, se registrarão inúmeros casos muito mais difíceis que a questão de saber se um compromisso assumido por ocasião de uma greve é legítimo ou se se trata de uma perfídia de um fura-greve, de um chefe traidor etc. Preparar uma receita ou uma regra geral (“nenhum compromisso”!) para todos os casos é um absurdo. É preciso ter a cabeça no lugar para saber orientar-se em cada caso particular. A importância de possuir uma organização de partido com chefes dignos desse nome consiste precisamente, entre outras coisas, em chegar – mediante um trabalho prolongado, tenaz, múltiplo e variado de todos os representantes de uma determinada classe capazes de pensar (3) – a elaborar os conhecimentos e a experiência necessários e, além dos conhecimentos e experiência, a sagacidade política exata para resolver bem e rapidamente as questões políticas complexas.
As pessoas ingênuas e totalmente inexperientes pensam que basta admitir os compromissos em geral para que desapareça completamente a linha divisória entre o oportunismo, contra o qual sustentamos e devemos sustentar uma luta intransigente, e o marxismo revolucionário ou comunismo. Mas essas pessoas, se ainda não sabem que todas as linhas divisórias na natureza ou na sociedade são variáveis e até certo ponto convencionais, só podem ser ajudadas mediante o estudo prolongado, a educação, a ilustração e a experiência política e prática. Nas questões práticas da política de cada momento particular ou específico da história é importante saber distinguir aquelas em que se manifestam os compromissos da espécie mais inadmissível, os compromissos de traição, que representam um oportunismo funesto para a classe revolucionária, e dedicar todos os esforços para explicar seu sentido e lutar contra elas. Durante a guerra imperialista de 1914-1918 entre dois grupos de países igualmente criminosos e vorazes, o principal e fundamental dos oportunismos foi o que adotou a forma de social-chauvinismo, isto é, o apoio da “defesa da pátria”, o que equivalia de fato, naquela guerra, à defesa dos interesses de rapina da “própria” burguesia. Depois da guerra, foi a defesa da espoliadora “Sociedade das Nações”, a defesa das alianças diretas ou indiretas com a burguesia do próprio país contra o proletariado revolucionário, eo movimento “soviético” e a defesa da democracia ou do parlamentarismo burgueses contra o “Poder dos Sovietes”. Foram essas as principais manifestações desses compromissos inadmissíveis e traidores que, em seu conjunto, culminaram num oportunismo funesto para o proletariado revolucionário e sua causa.
“Repelir do modo mais categórico todo compromisso com os demais partidos… toda política de manobra e conciliação”, dizem os esquerdistas da Alemanha no folheto de Frankfurt.
É surpreendente que, com semelhantes ideias, esses esquerdistas não condenem categoricamente o bolchevismo! Não é possível que os esquerdistas alemães ignorem que toda a história do bolchevismo, antes e depois da Revolução de Outubro, está cheia de casos de manobra, de acordos e compromissos com outros partidos, inclusive os partidos burgueses!
Fazer a guerra para derrotar a burguesia internacional, uma guerra cem vezes mais difícil, prolongada e complexa que a mais encarniçada das guerras comuns entre Estados, e renunciar de antemão a qualquer manobra, a explorar os antagonismos de interesses (mesmo que sejam apenas temporários) que dividem nossos inimigos, renunciar a acordos e compromissos com possíveis aliados (ainda que provisórios, inconsistentes, vacilantes, condicionais), não é, por acaso, qualquer coisa de extremamente ridículo? Isso não será parecido com o caso de um homem que na difícil subida de uma montanha, onde ninguém jamais tivesse posto os pés, renunciasse de antemão a fazer ziguezagues, retroceder algumas vezes no caminho já percorrido, abandonar a direção escolhida no início para experimentar outras direções? E pensar que pessoas tão pouco conscientes, tão inexperientes (menos mal se a causa disso é a juventude de tais pessoas, juventude cujas características autorizam que se digam semelhantes tolices durante certo tempo) puderam ser apoiadas direta ou indiretamente, franca ou veladamente, total ou parcialmente, pouco importa, por alguns membros do Partido Comunista Holandês!!
Depois da primeira revolução socialista do proletariado, depois da derrubada da burguesia num país, o proletariado desse país continua sendo durante muito tempo mais débil que a burguesia, em virtude, simplesmente, das imensas relações internacionais que ela tem e graças à restauração, ao renascimento espontâneo e contínuo do capitalismo e da burguesia através dos pequenos produtores de mercadorias do país em que ela foi derrubada. Só se pode vencer um inimigo mais forte retesando e utilizando todas as forças e aproveitando obrigatoriamente com o maior cuidado, minúcia, prudência e habilidade a menor “brecha” entre os inimigos, toda contradição de interesses entre a burguesia dos diferentes países, entre os diferentes grupos ou categorias da burguesia dentro de cada país; também é necessário aproveitar as menores possibilidades de conseguir um aliado de massas, mesmo que temporário, vacilante, instável, pouco seguro, condicional. Quem não compreende isto, não compreende nenhuma palavra de marxismo nem de socialismo científico, contemporâneo, em geral. Quem não demonstrou na prática, durante um período bem considerável e em situações políticas bastante variadas, sua habilidade em aplicar esta verdade à vida ainda não aprendeu a ajudar a classe revolucionária em sua luta para libertar toda a humanidade trabalhadora dos exploradores. E isso aplica-se tanto ao período anterior à conquista do Poder político pelo proletariado como ao posterior.
Nossa teoria, diziam Marx e Engels, não é um dogma, mas sim um guia para a ação, e o grande erro, o imenso crime de marxista, “registrado”, como Karl Kautsky, Otto Bauer e outros, consiste em não haver compreendido essa afirmação, em não haver sabido aplicá-la nos momentos mais importantes da revolução proletária. “A ação política não se parece em nada com a calçada da Avenida Nevsky! (a calçada larga, limpa e lisa da rua principal de Petersburgo, rua absolutamente reta), já dizia N.G. Chernishevski, o grande socialista russo do período pré-marxista. Desde a época de Chernishevski, os revolucionários russos pagaram com inúmeras vítimas a omissão ou o esquecimento dessa verdade. É preciso conseguir a todo custo que os comunistas de esquerda e os revolucionários da Europa Ocidental e da América fiéis à classe operária paguem menos caro que os atrasados russos a assimilação dessa verdade.
Os socialdemocratas revolucionários da Rússia aproveitaram repetidas vezes antes da queda do czarismo os serviços dos liberais burgueses, isto é, concluíram com eles inúmeros compromissos práticos, e em 1901-1902, mesmo antes do nascimento do bolchevismo, a antiga redação da Iskra (na qual participávamos Plekhanov, Axelrod, Zasúlich, Martov, Potresov e eu) concertou (é verdade que por pouco tempo) uma aliança política formal com Struve, chefe político do liberalismo burguês, sem deixar de sustentar, simultaneamente, a luta ideológica e política mais implacável contra o liberalismo burguês e contra as menores manifestações de sua influência no seio do movimento operário. Os bolcheviques sempre praticaram essa mesma política. Desde 1905 defenderam sistematicamente a aliança da classe operária com os camponeses contra a burguesia liberal e o czarismo sem negar-se nunca, ao mesmo tempo, a apoiar a burguesia contra o czarismo (na segunda fase das eleições ou nos empates eleitorais, por exemplo), e sem interromper a luta ideológica e política mais intransigente contra o partido camponês revolucionário-burguês, os “social-revolucionários”, que eram denunciados como democratas pequeno-burgueses que falsamente se apresentavam como socialistas. Em 1917, os bolcheviques constituíram, por pouco tempo, um bloco político formal com os “social-revolucionários” para as eleições da Duma. Com os mencheviques, estivemos formalmente durante vários anos, de 1903 a 1912, num partido socialdemocrata único, sem interromper nunca a luta ideológica e política contra eles como portadores da influência burguesa no seio do proletariado e como oportunistas. Durante a guerra assumimos uma espécie de compromisso com os “kautskistas”, os mencheviques de esquerda (Martov) e uma parte dos “socialista-revolucionários” (Chernov, Natanson). Assistimos com eles às conferências de Zimmerwald e Kienthal e lançamos manifestos conjuntos, mas nunca interrompemos nem atenuamos a luta política e ideológica contra os “kautskistas”, contra Martov e Chernov. (Natanson morreu em 1919 sendo já um “comunista revolucionário”, populista, muito chegado a nós e quase solidário conosco). No momento da Revolução de Outubro fizemos um bloco político, não formal, mas muito importante (e muito eficaz) com o campesinato pequeno-burguês, aceitando na íntegra, sem a mais leve modificação, o programa agrário dos social-revolucionários, isto é, contraímos um compromisso indubitável para provar aos camponeses que não nos queríamos impor e sim chegar a um acordo com eles. Ao mesmo tempo, propusemos aos “social-revolucionários de esquerda” (e depois o realizamos) um bloco político formal com participação no governo, bloco que eles romperam depois da paz de Brest, chegando, em julho de 1918, à insurreição armada e, mais tarde, à luta armada contra nós.
É fácil, por conseguinte, compreender que o ataque dos esquerdistas alemães ao Comitê Central do Partido Comunista da Alemanha, em virtude de este admitir a ideia de um bloco com os “independentes” (“Partido Socialdemocrata, Independente da Alemanha”, os kautskistas), pareça-nos carecer de seriedade e que vejamos nele uma demonstração evidente da posição errada dos “esquerdistas”. Na Rússia também havia mencheviques de direita (que participaram do governo de Kerensky), equivalentes aos Scheidemann da Alemanha, e mencheviques de esquerda (Martov), que se opunham aos mencheviques de direita e equivaliam aos kautskistas alemães. Em 1917, assistimos plenamente à passagem gradual das massas operárias, dos mencheviques; para os bolcheviques. No 1º Congresso dos Sovietes de toda a Rússia, celebrado em junho desse ano, tínhamos uns 13% dos votos. A maioria pertencia aos social-revolucionários e aos mencheviques. No II Congresso dos Sovietes (25 de outubro de 1917, segundo o antigo calendário) tínhamos 51% dos sufrágios. Por que será que na Alemanha uma tendência igual, absolutamente idêntica, de os operários passarem da direita para a esquerda não levou ao fortalecimento imediato dos comunistas, mas sim, no início, ao do partido intermediário dos “independentes”, embora esse partido nunca tenha tido nenhuma ideia política independente e nenhuma política independente, nem tenha feito outra coisa que vacilar entre Scheidemann e os comunistas?
Não há dúvida de que uma das causas foi a tática errada dos comunistas alemães, que devem reconhecer seu erro honradamente e, sem temor, e aprender a corrigi-lo. O erro consistiu em negar-se a participar no parlamento reacionário, burguês, e nos sindicatos reacionários; o erro consistiu em múltiplas manifestações dessa doença infantil do “esquerdismo”, que agora se manifestou e que, graças a isso, será curada melhor, mais rapidamente e com maior proveito para o organismo.
O “Partido Socialdemocrata Independente” alemão carece, visivelmente, de homogeneidade; ao lado dos antigos chefes oportunistas (Kautsky, Hilferding e, pelo que se vê, em grande parte Crispien, Ledebour e outros), que demonstraram sua incapacidade para compreender a significação do Poder Soviético e da ditadura do proletariado e para dirigir a luta revolucionária deste, formou-se e cresce com singular rapidez, nesse partido, uma ala esquerda, proletária. Centenas de milhares de membros do partido – que têm, ao que parece, uns 750.000 membros – são proletários que se afastam de Scheidemann e caminham a largas passadas em direção ao comunismo. Esta ala proletária já no Congresso dos independentes, realizado em Leipzig em 1919, propôs a adesão imediata e incondicional à III Internacional. Temer um “compromisso” com essa ala do partido é simplesmente ridículo. Pelo contrário, para os comunistas é obrigatório procurar e encontrar uma forma adequada de compromisso com ela, que permita, de um lado, facilitar a apressar a fusão completa e necessária com ela e que, de outro, não entrave de modo algum os comunistas em sua luta ideológica e política contra a ala direita, oportunista, dos “independentes”. É provável que não seja fácil elaborar uma forma adequada de compromisso, mas só um charlatão poderia prometer aos operários e aos comunistas alemães um caminho “fácil” para alcançar a vitória.
O capitalismo deixaria de ser capitalismo se o proletariado “puro” não estivesse rodeado de uma massa de elementos de variadíssimas graduações, elementos que representam a transição do proletário ao semiproletário (o que obtém grande parte de seus meios de existência vendendo sua força de trabalho), do semiproletário ao pequeno camponês (e ao pequeno artesão, ao biscateiro, ao pequeno patrão em geral), do pequeno camponês ao camponês médioetc., e se no próprio seio do proletariado não houvesse setores com um maior ao menor desenvolvimento, divisões de caráter territorial, profissional, às vezes religioso etc. De tudo isso se depreende imperiosamente a necessidade uma necessidade absoluta – que tem a vanguarda do proletariado, sua parte consciente, o Partido Comunista, de recorrer à manobra aos acordos, aos compromissos com os diversos grupos proletários, com os diversos partidos dos operários e dos pequenos patrões. Toda a questão consiste em saber aplicar essa tática para elevar, e não para rebaixar, o nível geral de consciência, de espírito revolucionário e de capacidade de luta e de vitória do proletariado. É preciso assinalar, entre outras coisas, que a vitória dos bolcheviques sobre os mencheviques exigiu da Revolução de Outubro de 1917 – não só antes como também depois dela – a aplicação de uma tática de manobras, acordos, compromissos, ainda que de tal natureza, é claro, que facilitavam e apressavam a vitória dos bolcheviques, além de consolidar e fortalecê-los às custas dos mencheviques. Os democratas pequeno-burgueses (inclusive os mencheviques) vacilavam inevitavelmente entre a burguesia e o proletariado, entre a democracia burguesa e o regime soviético, entre o reformismo e o revolucionarismo, entre o amor aos operários e o medo da ditadura do proletariado etc. A tática acertada dos comunistas deve consistir em utilizar essas vacilações e não, de modo algum, em desprezá-las; para utilizá-las, é necessário fazer concessões aos elementos que se inclinam para o proletariado – no caso e na medida exatos em que o fazem – e, ao mesmo tempo, lutar contra os elementos que se inclinam para a burguesia. Em virtude de seguirmos uma tática acertada, o menchevismo se foi decompondo e se decompõe cada vez mais em nosso país; essa tática foi isolando os chefes obstinados no oportunismo e trazendo para o nosso campo os melhores operários, os melhores elementos da democracia pequeno-burguesa. Trata-se de um processo longo, e as “soluções” fulminantes, tal como “nenhum compromisso”, nenhuma manobra, só podem dificultar o crescimento da influência do proletariado revolucionário e o aumento de suas forças.
Finalmente, um dos erros incontestes dos “esquerdistas” da Alemanha consiste em sua insistência inflexível em não reconhecer o Tratado de Versalhes. Quanto maiores são a “firmeza” e a “importância” e o tom “categórico” e sem apelação com que formula esse ponto de vista – K. Horner, por exemplo – menos inteligente resulta. Não basta renegar as indignantes tolices do bolchevismo nacional (Lauffenberg e outros), que, nas atuais condições da revolução proletária internacional, chegou até a falar na formação de uma aliança com a burguesia alemã para a guerra contra a Entente. É preciso compreender que é absolutamente errônea a tática que nega a obrigação da Alemanha Soviética (se surgisse rapidamente uma república soviética alemã) de reconhecer durante certo tempo o Tratado de Versalhes e submeter-se a ele. Daí não se deduz que os “independentes” tiveram razão ao reclamarem a assinatura do Tratado de Versalhes nas condições então existentes, quando os Scheidemann estavam no governo, ainda não havia sido derrubado o Poder Soviético na Hungria e ainda não estava excluída a possibilidade de uma ajuda da revolução soviética em Viena para apoiar a Hungria Soviética. Naquele momento, os “independentes” manobraram muito mal, pois tomaram para si a responsabilidade, maior ou menor, por traidores tipo Scheidemann e se desviaram em maior ou menor escala da luta de classes implacável (e friamente arquitetada) contra os Scheidemann para colocarem-se “fora” ou “acima” das classes.
Mas a situação atual é de tal natureza, que os comunistas alemães não devem amarrar-se as mãos e prometer a renúncia obrigatória e indispensável ao Tratado de Versalhes em caso de triunfar o comunismo. Isso seria uma tolice. É preciso que se diga: os Scheidemann e os kautskistas cometeram uma série de traições que dificultaram (e em parte fizeram fracassar) a aliança com a Rússia Soviética e com a Hungria Soviética. Nós, comunistas, procuraremos por todos os meios facilitar e preparar essa aliança; quanto à paz de Versalhes, não estamos de modo algum obrigados a rechaçá-la a todo custo e, além disso, imediatamente. A possibilidade de rechaçá-la eficazmente depende dos êxitos do movimento soviético não só na Alemanha, como também no terreno internacional. Este movimento foi dificultado pelos Scheidemann e os kautskistas; nós o favorecemos. Nisso reside a essência da questão, a diferença radical. E se nossos inimigos de classe, os exploradores e seus lacaios, os Scheidemann e os kautskistas, deixaram escapar uma série de possibilidades de fortalecer o movimento soviético alemão e internacional e a revolução soviética alemã e internacional, a culpa é deles. A revolução soviética na Alemanha robustecerá o movimento soviético internacional, que é o reduto mais forte (e o único seguro invencível e de potência universal) contra o Tratado de Versalhes e contra o imperialismo mundial em geral. Colocar obrigatoriamente, a todo preço e imediatamente, em primeiro plano a denúncia do Tratado de Versalhes, antes da questão de libertar do jugo imperialista os demais países oprimidos pelo imperialismo, é uma manifestação de nacionalismo pequeno-burguês (digno dos Kautsky, Hilferding, Otto Bauer & Cia.), mas não de internacionalismo revolucionário. A derrubada da burguesia em qualquer dos grandes países europeus, inclusive Alemanha, é um acontecimento tão favorável para a revolução internacional que, em proveito dessa derrubada, podemos e devemos aceitar, se for necessário, uma existência mais prolongada do Tratado de Versalhes. Se a Rússia pôde resistir sozinha durante vários meses ao Tratado de Brest, com proveito para a revolução, não é nada impossível que a Alemanha Soviética, aliada à Rússia Soviética, possa suportar mais tempo com proveito para a revolução o Tratado de Versalhes.
Os imperialistas da França, Inglaterra etc. provocam os comunistas alemães, preparando-lhes essa armadilha: “Digam que não assinarão o Tratado de Versalhes”. E os comunistas “de esquerda” caem como patinhos na armadilha, em vez de manobrarem com destreza contra um inimigo traiçoeiro e, no momento atual, mais forte, em vez de lhe dizerem: “Agora assinaremos o Tratado de Versalhes”. Amarrarmos as mãos antecipadamente, declararmos abertamente ao inimigo, hoje melhor armado que nós, que vamos lutar contra ele e em que momento, é uma tolice e nada tem de revolucionário. Aceitar o combate quando é claramente vantajoso para o inimigo e não para nós constitui um crime, e não servem para nada os políticos da classe revolucionária que não sabem “manobrar”, que não sabem concertar “acordos e compromissos” a fim de evitar um combate que todos sabem ser desfavorável.
* Capítulo VIII do livro Esquerdismo, doença infantil do comunismo, que foi escrito por Lênin em 1920 como um subsídio aos debates do 2º Congresso da Internacional Comunista.
Notas:
(1) Partidários de Louis Auguste Blanqui, participantes da Comuna de Paris.
(2) O Estado Popular.
(3) Mesmo no país mais culto, toda classe, inclusive a mais avançada e com o mais excepcional florescimento, de todas as suas forças espirituais gerado pelas circunstâncias do momento, conta – e contará inevitavelmente enquanto subsistirem as classes e a sociedade sem classes não estiver assentada, consolidada e desenvolvida por completo sobre seus próprios fundamentos – com representantes que não pensam e que são incapazes de pensar. O capitalismo não seria o capitalismo opressor das massas se isso não acontecesse. (Nota do autor).