No artigo anterior repassamos informes (pessimistas) dos principais organismos “multilaterais” a serviço do sistema monetário internacional atual, comandado ainda pelo dólar imperialista dos EUA, quanto à retomada concreta da economia mundial, sufocada em crise devastadora desde 2007-8.

A propósito da falta de resolução da grande crise capitalista atual e seus horizontes turvos, recente manifestação do economista Stanley Fischer – notório sionista e vice-presidente do Fed (Banco Central os EUA) – não deixa margem de dúvida sobre a decadência estrutural da economia dos EUA. De que a questão de sua recuperação é muito mais problemática do que imaginam os poucos apologistas que restam – exceção feita ao caso dos economistas-jumentos brasileiros.

Para Fischer, [1] uma série de desafios de “longo prazo” revelam que a economia americana, a qual permanece atolada em um baixo ritmo de expansão, com o que diz ser taxas de juros reais de equilíbrio menores e um padrão de reduzido crescimento da produtividade – dissertou em discurso preparado para apresentação no Conselho de Relações Exteriores. “Esta não tem sido uma recuperação econômica feliz”, afirmou Fischer. “O desconforto com a economia reflete um número de desafios de longo prazo”, acrescentou. E citou, em particular, o envelhecimento da população e a desaceleração do ritmo de crescimento da produtividade.

Contraditoriamente ao que se escuta no Brasil, para Fischer “algumas políticas fiscais, particularmente aquelas que contribuam para ganhos de produtividade, podem melhorar o potencial da economia e ajudar a confrontar alguns de nossos desafios de longo prazo”, acrescentou Fischer. A propósito, o declínio da produtividade do trabalho, vis-à-vis às revoluções industriais, na Grã-Bretanha e nos EUA, é assim nos apresentado empiricamente pelo economista Eleutério Prado [2]

 

Acontece que a produtividade norte-americana parecia ter voltado a crescer, exibindo uma média de crescimento anual da produtividade no setor empresarial não-agrícola de 2,5% entre 1991 a 2007. No entanto, ao longo dos anos 2010 a 2014, o crescimento anual da produtividade dos EUA caiu para uma média de 0,9%. “Uma grande revisão de dados mostra que o renascimento da produtividade nos Estados Unidos parece estar em sérios apuros”, afirma R. Inkatli. [3]

Com efeito, nos EUA, se o Bureau of Labor Statistics estima que a duração da semana de trabalho média tem se mantido estável, em cerca de 34 horas, desde o advento da internet há duas décadas, nada – continua Inkatli – poderia estar mais longe da verdade: os trabalhadores do conhecimento trabalham continuamente fora do escritório tradicional, verificando seus e-mails, atualizando planilhas, escrevendo relatórios, e em reuniões de brainstorming (técnica de discussão em grupo) os trabalhadores do conhecimento, ou de colarinho branco, que são a maioria dos trabalhadores em economias avançadas – estão agora inconscientemente presos a seus locais de trabalho, essencialmente, 24 horas por dia, sete dias por semana, uma realidade que não se reflete nas estatísticas oficiais – enfatiza, com descortino, o economista.

Mas, os impasses da recuperação da economia norte-americana têm que ser vistos nos marcos instáveis das perspectivas do crescimento global. Observe-se então o gráfico [4] baseado em dados da OMC e do FMI, pressupondo estagnação nos próximos anos, evidente no centro do capitalismo, com respiro apenas da China e dos denominados “emergentes”.

  

Futuro sombrio

Se Stanley Fischer dispensou as análises otimistas – “felizes” – da recuperação americana, e vê-se acima as tendências (empíricas) claras daquilo que o ex-secretário do Tesouro Lawrence Summers alcunhou de “estagnação secular” à vista, o sociólogo alemão Wolfgang Streeck causou certa celeuma com seu livro recém-publicado “Como vai acabar o capitalismo? ” (Verso, setembro de 2016).

Segundo sugere Streeck, “o capitalismo, após mais de 200 anos, tornou-se insustentável porque se tornou ingovernável. Por trás desse distúrbio está aquilo que veio a ser sumariamente chamado de ‘globalização’: a expansão das relações capitalistas de mercado, para além do alcance dos governos, unificou o capitalismo, mas fragmentou a ação política coletiva”.

Ainda de acordo com Streeck, três tendências se desenvolveram em paralelo no conjunto das ricas democracias capitalistas desde a década de 1970: a) crescimento em declínio; b) aumento da desigualdade de renda e de riqueza; c) expansão da dívida pública, privada e total. Hoje, essas três tendências parecem estar “se reforçando mutuamente”, onde o baixo crescimento contribui para a desigualdade através da intensificação do conflito distributivo; a desigualdade amortece o crescimento, pois reduz a demanda efetiva; os altos níveis das dívidas existentes obstruem os mercados de crédito, aumentando assim o risco de crises financeiras; um “setor financeiro inchado” tanto resulta quanto contribui para a desigualdade econômica, etc. [5]

Sobre o endividamento mundial, como se divulgou, o último relatório do FMI (setembro, 2016) assinala a montanha de débitos globais ter atingido o recorde de US$ 152 trilhões, nada menos que 225% do PIB do planeta, sendo disto dois terços de dívida privada (US$ 100 trilhões). Diz-se lá que “o elevado débito privado não apenas aumenta as chances de uma crise financeira como também dificulta o crescimento, pois devedores muito endividados eventualmente diminuem seu consumo e investimento”.

Nesse quadro, em recente entrevista, Andreas Dombret (diretor do Bundesbank, o banco central alemão) [6] afirmou que os bancos precisam entender que as demandas do cliente estão em evolução e que a cadeia de valor da intermediação financeira está sendo reorganizada. A digitalização está minando a base de clientes dos bancos. Além disso, o que os clientes mais jovens esperam é bem diferente do que esperam os clientes atuais – e essas expectativas estão em processo de mudança.

A concorrência das fintechs (tecnologia financeira), com seus modelos de negócios inovadores, já está corroendo a participação de mercado de muitos bancos. Além disso, a cadeia financeira de valor tradicional já está sendo desmontada e reorganizada pelas novas rivais. Isso significa que os serviços que costumavam ser entregues em um pacote por uma única instituição são agora oferecidos por vários players, com vários produtos intermediários sendo oferecidos por firmas de fora do setor tradicional.

Abordando outro assunto, o banqueiro alemão alertou para o fato de “o mundo está testemunhando um momento em que as bases para uma nova crise podem estar sendo colocadas”.

Marx, crises e revoluções industriais

“Por isso, a maquinaria mais desenvolvida força o trabalhador [operário] a trabalhar agora mais tempo que o fazia o selvagem ou que ele próprio [o mesmo operário] com suas ferramentas mais simples e rudimentares”. (Marx, Grundisse) [7]

Vimos que essa conclusão visionária de Marx aparece, a exemplo, constatada com nitidez no artigo citado do economista Inkatli, datado de 2015. Isto é, na “2ª era da máquina”, assim denominado por economistas do MIT (Massachusetts Institute Of Tecnology) no sentido de designar os efeitos da chamada quarta revolução industrial, o trabalho vinculado à maquinaria automatizada aumenta de modo significativo o número de horas trabalhadas por dia.

Ora, são nos capítulos sobre a manufatura e a maquinaria que Marx analisa a gênese das forças produtivas capitalistas, como se constituem as bases técnicas desse modo de produção pela transformação do artesanato, que dá origem à manufatura, e finalmente como vai ser revolucionado o regime de produção pela introdução da maquinaria organizada como grande indústria. Ou seja, o capítulo da maquinaria mostra como é revolucionada a organização da produção por meio da criação das bases técnicas adequadas ao capital. O que culmina materializado na seguinte formulação de Marx:

“Desta parte da máquina, da máquina ferramenta, é de onde parte a revolução industrial do século XVIII” (Marx, O capital, v.1, cap. XIII, Civilização Brasileira, 1968).

Se a Primeira Revolução Industrial deve ser periodizada entre 1760 e 1840, de outra parte, é relevante lembrar aqui que, nos novos estudos sobre a teria de Marx e Engels, destacadamente dos pesquisadores da nova MEGA (Marx e Engels – obra completas), encontram-se vários cadernos em que Marx examinou detalhadamente as crises capitalistas de 1848, 1857, 1866 e 1872. Crises capitalistas que ocorreram exatamente no processo que antecedeu a passagem da primeira revolução industrial para a segunda!

Por suposto, na transição estrutural seguinte, a partir da década de 1870 iniciava-se o desenvolvimento do movimento explosivo que foi denominado de Segunda Revolução Industrial. Dando lugar a novos ramos de produção, vai sendo gestado um novo padrão tecnológico – do aço, da eletricidade, do motor a combustão interna, da química pesada etc. essa nova tecnologia já não era produzida e difundida por homens práticos, mas resultava da aplicação consciente de conhecimentos científicos nos processos produtivos.

E, atenção: nesse movimento de centralização de capitais, de fusões, combinações etc, os bancos passavam a assumir um papel central, dada sua posição estratégica de monopolizadores de crédito. A pesquisa tecnológica começava a ser desenvolvida no próprio interior das grandes empresas que surgiam, e agora o capital assalariava cientistas e técnicos, e buscava deliberadamente as inovações. Dessa forma, a inovação tecnológica passava a ser resultado do planejamento e de pesquisas, e não mais produto da ação individual.

Por tais razões é que, para a caracterização da passagem à etapa monopolista do capitalismo, Lênin (“O imperialismo, fase superior do capitalismo”) parte da identificação da transformação estrutural pela qual passava o regime de produção nos países avançados, e situa a mudança básica no grau atingido pela concentração da produção. Após demonstrar como a livre concorrência engendrava organicamente o monopólio:

1. décadas de 60 e 70, ponto culminante de desenvolvimento da livre concorrência. Os monopólios são ainda germens apenas perceptíveis. 2. Depois da crise de 1873, longo período de desenvolvimento dos cartéis, os quais constituem ainda uma exceção, não são ainda sólidos, ainda representam um fenômeno passageiro. 3. Auge de fins do século XIX, a crise de 1900 a 1903: os cartéis convertem-se em uma das bases da vida de toda economia. O capitalismo transformou-se em imperialismo, assevera Lênin.

Note-se bem: a 1ª grande depressão (1873-1896) era uma fase de transição entre a etapa concorrencial do capitalismo e a monopolista. Apesar dos avanços no processo de centralização de capitais, os monopólios ainda não eram generalizados e as empresas individuais típicas do capitalismo concorrencial ainda dominavam a estrutura econômica.

Fundamental aqui compreender: também o novo padrão tecnológico ainda não era dominante, com a exceção do aço, cuja produção supera a do ferro no período. Assim, os ramos da produção baseados na antiga tecnologia dominavam a economia no momento em que estavam ainda em gestação os setores ligados ao novo padrão técnico.

Recapitulando o que vimos no artigo anterior sobre a Terceira Revolução Industrial, iniciada por volta de 1960, Luciano Coutinho em estudo pioneiro no Brasil analisava o fenômeno do novo paradigma tecnológico, assinalando: 1) amplo espectro de aplicação em bens e serviços; 2) oferta crescente e suficiente para suprir a demanda na fase de difusão acelerada; 3) rápida queda dos preços relativos dos produtos portadores das inovações, reduzindo continuadamente os custos de adoção destas pelos usuários; 4) fortes impactos conexos sobre as estruturas organizacionais, financeiras e sobre os processos de trabalho; 5) efeitos redutores generalizados sobre os custos de capital e efeitos amplificadores sobre a produtividade do trabalho.

Ainda, para Coutinho, as tendências então plasmadas expressariam: a) o peso crescente do complexo eletrônico; b) um novo paradigma de produção industrial – a automação integrada flexível; c) revolução nos processos de trabalho; d) transformação das estruturas e estratégias empresariais; e) as novas bases da competitividade; f) a “globalização” como aprofundamento da internacionalização; e g) as “alianças tecnológicas” como nova forma de competição (“A terceira revolução industrial e tecnológica: as grandes tendências de mudança”, Revista Economia e Sociedade, 1992).

O salto para a chamada Quarta Revolução Industrial

Filmes da série Home Office explicam como aumentar sua produtividade trabalhando em casa.

Retomando a caracterização do ideólogo da tecnologia do capital Klaus Schwab [8], a chamada Quarta Revolução Industrial ou Indústria 4.0 processa uma fusão de tecnologias, borrando as linhas divisórias entre as esferas físicas, digitais e biológicas. Na qual se configura a inteligência artificial, a robótica, a impressão 3D, os drones, a nanotecnologia, a biotecnologia, a estocagem de dados (Big Data) e de energia, os veículos autônomos, os novos materiais, a internet das coisas, etc.

Schwab acrescenta que, no entanto, a segunda revolução industrial precisa ainda alcançar 17% da população do planeta, pois cerca de 1,3 bilhão de pessoas não têm acesso à energia elétrica. Em relação à segunda R.I., mais da metade da população não têm ainda acesso à internet ou cerca de 4 bilhões de pessoas. Mas, se o tear mecânico levou quase 120 anos para atingir países fora da Europa, a internet espalhou-se em cerca de uma década, assinala. “Na medida em que as tecnologias de marchine learning (aprendizagem da máquina) e robótica avançarem será inevitável a substituição de funções ocupadas por homens hoje”.

Visível desenvolvimento das forças produtivas de um lado, e radical ampliação do desemprego tecnológico – por sobre o atual desemprego estrutural -, no outro lado. 

Mas, a) velocidade (ritmo exponencial e não linear); b) amplitude e profundidade (combinação de várias tecnologias com base na revolução digital); c) impacto sistêmico (transformação sistêmica entre países, empresarial, industrial e societária), seriam razões alinhadas por Schwab para argumentar estarmos na alcunha quarta revolução industrial. (idem, p.13). 

Destruição e criação?

Um fato explicador das facetas da dita revolução industrial é a inteligência artificial do Watson, supercomputador que a IBM apresentou em 2007 capaz de aprender e conversar de igual para igual com humanos para em breve substituí-los em diversas tarefas, a começar pelo diagnóstico médico. Ou as impressoras 4d em teste no MIT, onde pesquisadores imprimem objetos tridimensionais e depois observam enquanto a quarta dimensão – o tempo – assume o comando e os materiais programáveis se organizam automaticamente.

“Não sabemos se a inteligência artificial vai ou não se tornar um pesadelo da ficção científica, mas certamente terá impacto fundamental na natureza do trabalho”, avalia o filósofo americano Jerome Glenn, [9] diretor-executivo e co-fundador do projeto Millennium, organização internacional dedicada a analisar e projetar cenários futuros, a serviço do capital.

As interações entre inteligências artificiais e a proliferação da nanotecnologia, da robótica e da automação poderão produzir “um cenário de desemprego sem precedentes”, avalia Glenn, que há quarenta anos faz projeções para instituições que trabalham com a produção e a difusão de conhecimento (think tanks).

Uma consideração final (provisória)

Afirmamos que não é possível desconhecer três movimentos que agora mesmo se entrecruzam, em meio a essa gigantesca crise irresoluta e sem horizontes de solução, iniciada em 2007-8 a) o profundo processo de “financeirização” da riqueza como um padrão arraigado da dinâmica capitalista contemporânea; b) mutações no paradigma tecnológica que parece combinar a um outro estágio avançado – e rapidíssimo – da terceira Revolução Industrial, ou à denominada quarta Revolução Industrial; c) ao tempo em que se assiste à degradação e regressão social vasta e profunda, o flagelo do desemprego em taxas nunca antes alcançadas, seja de modo relativo ou absoluto.

E não pode haver dúvida de que, em Marx e em Lênin uma ideia central é a de que são as transformações qualitativas nas fases do capitalismo que engendram suas mudanças estruturais. Tais mudanças, por sua vez, devem condicionar mudanças na dinâmica da acumulação capitalista, incidindo ademais nas lutas de classes. 

Foi Karl Marx, [10] em sua genialidade estonteante que escreveu indelevelmente n’O capital, Livro 1, cap. XXIII: “Produzir mais-valia é a lei absoluta desse modo de produção”. E mais adiante: “Expressando matematicamente: a magnitude da acumulação é a variável independente, o montante de salários, a variável dependente, não sendo verdadeira a afirmação oposta”.

NOTAS

[1]Ver: “Recuperação econômica dos EUA não tem sido feliz, avalia vice do Fed”, Valor Econômico, 21/112/2016.

[2]Em:https://eleuterioprado.files.wordpress.com/2015/04/perscrutando-o-horizonte-histc3b3rico-do-capitalismo.pdf

[3]Em:http://parallaxis.com.br/o-paradoxo-da-produtividade-o-desafio-de-mensurar-a-produtividade-na-era-das-tic/

[4]Elaborado pelo economista salvadorenho Salvador Arias, em: http://cartaeconomica.com/para-donde-va-la-economia-mundial-y-el-capitalismo/

 [5] Ver: “Do futuro sombrio do capitalismo”, de W. Streeck :https://eleuterioprado.files.wordpress.com/2016/10/do-futuro-sombrio-do-capitalismo.pdf

 [6] Em: Valor Econômico, 26/10/2016, entrevista a Flavia Lima.

[7] Ver: “Elementos fundamentales para la crítica de la economía política (borrador) 1857-1858”, Siglo Veintiuno Argentina Editores sa, v. 2, Buenos Aires, 1972, p.232. E em: “Grundisse. Manuscritos económicos de 1857-1858. Esboço da crítica da economia política”, Boitempo/Ed. UFRJ, São Paulo, 2011, p. 591.

[8] Ver: “A quarta revolução industrial”, Klaus Schwab, São Paulo, Edipro, 2016.

[9] Em: http://www.valor.com.br/carreira/4766977/o-futuro-do-trabalho-sera-inventar-o-proprio-emprego

[10] Ver: Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, v. 2, pp. 719 e 712, s/data.