Contrarreformas Neoliberais de Temer e os Novos Caminhos da Esquerda

 

Mesa de abertura

ADALBERTO MONTEIRO

A Fundação Maurício Grabois em parceria com a Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil, a CTB, em parceria também com a União da Juventude Socialista, com o Portal Vermelho, e o Centro de Estudos de Mídia Alternativa Barão de Itararé, irão realizar a partir de hoje um ciclo de debates denominado Contrarreformas Neoliberais de Temer e os Novos  Caminhos da Esquerda. Então, hoje teremos a primeira mesa de debates, antecedida de uma abertura, que será feita daqui a poucos instantes pelo presidente da Fundação Maurício Grabois, Renato Rabelo. O nosso boa noite também é extensivo aos internautas que nos assistem pelo portal Vermelho, pelo portal Grabois, porque este seminário vai ser transmitido ao vivo pela internet.

A primeira mesa, que vai ser instalada daqui a pouco, terá como tema a PEC 241 (55) e as Antirreformas da Previdência e do Ensino Médio. Nós teremos como palestrantes dessa mesa a Esther Dweck, que é economista e ex-secretária de orçamento federal; a Carina Vitral, presidenta da União Nacional dos Estudantes; professor Demerval Saviani, educador e filósofo, que aqui já se encontra. É um prazer tê-lo aqui novamente, professor Demerval. E também aqui já se encontra, para imensa satisfação nossa, também, o presidente da CTB, camarada Adilson Araújo.

A Fundação Maurício Grabois quando idealizou, com as instituições parceiras, as quais já me referi,  a CTB, a UJS, o Vermelho e Barão de Itararé, nós entendemos que, nesse momento, a realidade brasileira é marcada pela resistência democrática, popular, que prossegue contra o governo golpista. E um grande esforço de mobilização em defesa da democracia, da soberania do país, do patrimônio nacional e dos direitos do povo e dos trabalhadores. Então, há um esforço muito grande de mobilização para enfrentar a agenda ultraliberal regressiva do governo golpista de Michel Temer. Mas, ao mesmo tempo, a resistência democrática, os setores progressistas, a esquerda, são desafiados, nesse Brasil pós-golpe, a debater, a vislumbrar uma tática de atuação adequada ao cenário do pós-golpe, que foi consumado em agosto passado. Então, essa é a razão de ser, esse é o propósito deste seminário. Eu passo, então, a palavra para Renato Rabelo, presidente da Fundação Maurício Grabois, para fazer a abertura do nosso seminário.

 

RENATO RABELO

 

 

Companheiros e companheiras, boa tarde. Nós estamos no horário de verão, e o horário de verão, segunda-feira, começo de semana, você estarem aqui, eu dizia para o Adalberto, só está aqui quem está mesmo interessado no tema, na questão. Mas eu acredito que nós estamos passando por um período que é necessário o debate, a experimentação, o estudo. Para que a gente possa  enfrentar um quadro que não é tão simples. Ele tem muita complexidade. Por isso mesmo que nós não podemos nos cansar diante do debate, das questões que nós temos que conhecer mais. Porque nós temos que ter um domínio maior do que se passa no mundo e no Brasil. Estou convencido disso.

Isso exige muito dos comunistas. E não só dos comunistas,  de todos aqueles que comungam conosco que um grande objetivo é a gente ir adiante,  superar o capitalismo, construir uma nova sociedade. Então, é um grande desafio.

Esse ciclo, portanto, de debates, e nós estamos pensando em fazer mesas redondas, seminários, o centenário da Revolução Russa – nós vamos dar um grande destaque a isso também, no ano que vem. Não só com livros, mas também com seminários, coletâneas, que nós vamos exatamente fazer. Tudo isso por conta também da nossa fundação. Então, é um trabalho grande que se prevê. Então, isso é um começo. Nós estamos no fim do ano, praticamente. O ciclo de debates é no fim do ano. Nós vamos fazer isso ano que vem, talvez seja uma das grandes prioridades hoje da nossa fundação, do nosso partido e de todos esses setores da esquerda.

O que eu poderia dizer para vocês nessa abertura desse ciclo de debates, que trata exatamente dos problemas atuais do Brasil, e é uma abordagem, também,  inicial da relação hoje nossa com a esquerda, com os nossos aliados. Ou seja, qual é a perspectiva que nós temos diante de nós, o que é que a gente vai fazer. Essa situação, hoje, é o que muita gente fala, né: e a esquerda?  Muita gente, na situação de hoje,  em vez de entusiasmar a esquerda, ou seja, em tentar buscar uma forma, digamos assim, de a gente dar estabilidade maior a todo esse campo nosso. É muita crítica. É muita tendência, digamos assim, de arrasar tudo. E, às vezes, isso é natural na fase em que nós passamos. Só que isso não contribui. Hoje, a esquerda passou a ser uma espécie de caixa de pancada. Você pega esses intelectuais aí : “só ficaram os destroços”

Evidentemente que nada é assim, pessoal. Nada é assim. Eu já passei por muita coisa, já enfrentei períodos os mais complicados e difíceis também. Já enfrentei uma ditadura militar, fui para a clandestinidade, vim para o exílio. E não foi um período fácil. Muito difícil. E também passamos a reconstruir o partido, que foi praticamente dizimado pela ditadura.

E todo esse período da redemocratização, que nós conseguimos, pela primeira vez, no PCdoB,  chegar ao poder, em âmbito nacional. Levamos 13 anos nessa história, numa experiência também inédita. Porque o Partido, em seus mais de 90 anos,  caminhando para cem, nunca teve a experiência de participação em governo nacional.

Esses treze anos também foram inéditos em termos de experiência progressista. Então, já passamos por tudo. Clandestinidade difícil, semilegalidade, formas de luta as mais variadas, até as formas de luta de pegar em armas. Tudo isso nós já passamos. Então, eu digo isso para vocês com toda sinceridade: não nos amedronta, não nos intimida. Pelo contrário. Aliás, os desafios são muito importantes para os comunistas. É aí que os comunistas se revelam. Tem gente que pode até bater em retirada. Isso acontece. Claro.  Mas, os desafios é que são bons. Aí é que se torna mais interessante a disputa, a luta política, a luta ideológica, e como construir ou reconstruir a própria perspectiva. Então, são essas questões assim que é importantes nós reconsiderarmos.

Eu fiz, companheiros e companheiras, um artigo hoje, que saiu hoje. Está no meu blog. Evidentemente que o Vermelho, e também esse blog 247, que deu até um certo destaque, coloca lá naquela coluna azul, etc, e outros blogs. Por isso, quem já leu o artigo, que é uma forma de atualizar a nossa sistematização, já estão ali algumas ideias que eu considero importantes.

Evidentemente, companheiros, que tudo o que está aqui é um debate, uma discussão. Muita coisa está em aberto. Aí, é uma tentativa de ir a gente ir sistematizando a nossa atualização. Ir atualizando. Mas eu queria aqui, muito rapidamente – não nem sei se todos da mesa já chegaram, Adalberto, né? Ou seja, ir aproveitando aqui para enfatizar algumas questões para vocês, assim que me parece importante.

Nós estamos vivendo uma realidade em que esse governo golpista instaurou uma nova ordem. Uma nova ordem política, econômica, social. Portanto, não é simplesmente um novo ciclo que nós passamos a viver. É uma outra ordem, antagônica à que a gente vinha vivendo, conduzindo, etc, etc.

Eu acho um aspecto importante na nossa compreensão, senão a gente fica pelo  meio de caminho.Há uma nova ordem. E eles apressaram isso.  Aliás, já tem seis meses, eles correram para mudar tudo. É tanto que a Dilma ainda estava no Palácio da Alvorada, era provisório o governo, mas eles já estavam mudando tudo, como vocês sabem. Eles não perderam tempo. Alias, encontraram  uma forma como essa, um atalho para chegar ao poder. Um atalho. Então eles agiram muito rapidamente. Então, uma nova ordem conservadora que dá uma marcha-ré nas conquistas que nós conseguimos a troco de muita luta.

 

Eles estão desmontando isso. É um grande retrocesso que nós estamos vivendo, aquém da Constituinte de 88, pessoal. Até a CLT eles estão querendo acabar. Isso mesmo, que é de Getúlio Vargas! Então, não é qualquer coisa Esse regime pós-golpe e essa instauração dessa nova ordem conservadora, antidemocrática, antipopular,  antiprogressista, antinacional, o diabo.

Nós temos que ver isso num contexto maior. Eu acho que esse é um outro problema, que eu procurei, exatamente, naquele artigo, nesse artigo que saiu hoje, procurar exatamente fazer um esforço de apresentar a coisa dessa maneira. Se nós não vermos, exatamente, essa situação, portanto, que nós estamos vivendo hoje, com essa instauração que eu me referi, num contexto maior, a gente pode se perder. A gente pode se perder.

Por isso que a percepção mais ampla é muito importante para a gente distinguir,  no meio dessa desordem, dessa instabilidade, dessa incerteza, que, aliás, é isso o que a gente vive, os reais desafios que a gente tem pela frente, como enfrentar isso e qual o rumo e caminho a seguir.

Porque a confusão é muito grande, por isso que a gente tem de ampliar o quadro de visão nossa. Se a gente não faz isso, pessoal, a gente fica – eu sempre digo isso – como aquela fábula da rã dentro de um poço, que olhava do poço para o céu e dizia o céu é muito grande. Na realidade, se ela saísse de dentro do posso, ela iria ver que o céu é muitíssimo maior. Ou alguém que não conhece o oceano dizer “como ele é grande”. E ele está vendo só o horizonte, e depois do horizonte tem água que não acaba mais.

Então, nós temos que ter essa visão mais ampla, para que a gente não se perca. E por aí, eu começo a dizer o seguinte, pessoal: que o sistema, hoje, internacional, nesse processo de globalização, que já vem há décadas. Tudo isso que é essa financeirização, que chegou a um nível exponencial. Mais do que aquele período da década de 19/20.

É por aí que a gente deveria ver as tendências fundamentais desse sistema internacional. Porque o  Brasil está metido nisso. Nós não estamos separados. Não somos ilha. Tudo isso que esta acontecendo aqui, exatamente, está inserido num sistema maior mundial . Para entender esse sistema, temos que ver suas tendências fundamentais. E aí, exatamente, o nosso partido tem exatamente refletido muito sobre isso, nos seus congressos.

No último congresso, inclusive, isso veio à baila. E nós temos aí tendências no âmbito mundial, que são fundamentais.Uma tendência que é a decomposição estrutural relativa, do ponto de vista histórico, da hegemonia unipolar dos Estados Unidos. E o surgimento de novos pólos, que antes não compunham esse núcleo central. Isso é inédito na história da formação do sistema político mundial.Por isso que nós temos de compreender isso.

O que é que são os Brics hoje? Os Brics é exatamente esse bloco geopolítico que pode tender uma outra formação, a uma realidade multipolar do mundo, saindo dessa realidade unipolar, cujo vértice tem os Estados Unidos, para um mundo multipolar e uma realidade, portanto, de uma ordem mundial diferente da atual. Isso não é qualquer coisa. E eu acho que as grandes revoluções se deram quando você tem mudanças importantes no quadro mundial. Não é só no âmbito daquele país. Sobretudo num processo de mudança maior. Então, isso não é qualquer coisa.

A segunda tendência  – e não estou dizendo que é a primeira ou segunda por importância – a segunda tendência é a crise que começou em  2008, 2007-2008, que é a crise do capitalismo. É uma grande crise do capitalismo, semelhante à crise de 1929-30, só que essa é mais complexa. Só que essa é mais profunda. E não se saiu dela ainda. Não se saiu dessa crise ainda. Então, esse é uma outra tendência que é importante nós levarmos em conta em uma situação como essa. E, por fim, o que não é menos importante, é um mundo que sua base material, as suas forças produtivas atingiram um crescimento gigantesco.

Se fala hoje da indústria 4.0, que é a chamada quarta revolução industrial, e esse grande desenvolvimento das forças produtivas à serviço de sociedades mais desiguais. Se isso fosse em benefício da humanidade, dos povos, a gente podia estar dando um grande passo. Olha a ausência do socialismo, porque prevalece o capitalismo, e é cada vez mais desigual. Uma força produtiva que leva exatamente a ser aproveitado por essa desigualdade. Por isso que esse sistema historicamente está superado.

Aproveitando já para fazer a minha propaganda. Então essas são as tendências que, digamos assim, que nós não podemos perder de vista. Então, eu pergunto a vocês, pessoal, onde nos situamos em meio a todo esse entroncamento histórico? Onde nós nos situamos – e sobretudo nessa realidade que vive o Brasil, a realidade pós-golpe?

O governo que se instalou é um governo que se coloca na contramão das tendências avançadas contemporâneas, pessoal. Já começa por aí. Por isso que eu digo, se a gente não vê  por aí, a gente se perde.

A coalizão golpista muda o rumo a fim de desatrelar o Brasil da linha de integração da região, que foi um grande esforço que se fez a partir de Lula. E o Brasil, por ser um grande país, passou a ter um papel de pivô nessa questão, da integração do continente, sobretudo o continente sulamericano. E nos desatrela desse processo de transição a uma ordem mundial multipolar. Pouco a pouco eles vão subestimar os Brics, pessoal. Por que isso não é estratégia dos Estados Unidos, pelo contrário. E vai levando o Brasil ao quê? Ao realinhamento com as grandes potências, sobretudo aos EUA. É um desatrelamento a esse processo de integração, de transição multipolar, para voltar ao atrelamento do realinhamento automático às grandes potências.

Então, você veja aqui que esta é uma outra questão, de como esse golpe, digamos assim, interfere num quadro maior. E este governo atrela a sua política, e isso é muito importante, à mesma política da oligarquia financeira dominante. Qual foi exatamente essa política da oligarquia financeira dominante com a crise, pessoal? Elas se safaram, elas se resgataram e jogaram o povo para lá. A grande maioria do povo foi abandonado. Quem diz isso são os europeus, é o povo dos Estados Unidos, são os operários na Europa e nos Estados Unidos.

E vocês já estão vendo, em função disso, aliás, já se dizia isso há uns três, quatro anos atrás. Inclusive editoriais do próprio The Economist , diziam isso. Que isso vai ter reflexo político. E está tendo já o reflexo político! Porque a gente fala da crise econômica, mas não fala do resultado político. Esse é o resultado político. O povo, pessoal, foi jogado às traças! Quem se safou foram as grandes instituições financeiras, através dos bancos centrais. E esse dinheiro está todo empossado. Vocês viram artigo do Luciano Coutinho, recentemente, de que na esfera financeira já tem mais de 232 trilhões de dólares empossado. Levaram à situação, portanto, de impasse.

E já começa a reviravolta. Por que reviravolta? Os dois exemplos que todo mundo cita aí, apesar de alguma diferença entre um e outro. Que é a questão do Brexit, do Reino Unido, que sai da Europa, da União Europeia. Isso, digamos assim,  tem um sentido histórico importante nesse quadro. Eu não vou entrar e desenvolver essa questão. Estou situando, porque, senão, meu tempo aqui se estende muito.

E o outro fato importante, que é essa reviravolta é o Trump, nos Estados Unidos. E o que é isso? Sabe quem votou nesse Trump? Votaram os operários – e eles dizem lá que foram os operários brancos. Essa maioria de trabalhadores, porque foi abandonada, pessoal. Foi abandonada. Como também é o caso  do Reino Unido. Então, dá essas respostas.

E quem aparece num primeiro plano são exatamente forças de direita, que procuram capitalizar isso. Como foi também a história do fascismo. Se você pegar Hitler, a Itália, é a mesma coisa. A direita entra nessas horas. Tem uma visão nacionalista  Um tipo, digamos assim, de populismo de direita, e etc. E vai, digamos assim, arrebanhando isso aí. Então, essa tal reviravolta é produto disso. Não vou desenvolver, porque aí é uma outra palestra. Estou querendo situar essas questões.

Por isso, pessoal, também esse governo abandona os projetos de desenvolvimento nacional, soberano, que começou a se tentar a partir de 1998, com a vitória, na Venezuela, de Chavez. Aí foi uma das primeiras tentativas de desenvolvimento de um projeto nacional de desenvolvimento. Isso é um começo, ainda um embrião. E tudo isso ele deixa de lado, evidentemente. Que projeto nacional de desenvolvimento, pessoal? Agora é atrelamento mesmo da economia. Dependência aos interesses agora geoeconômicos das  grandes potências, sobretudo os Estados Unidos.

Olha aí, pessoal, portanto, como a gente pode ver essa questão. Por esse procedimento, portanto. Isso aqui, portanto, é uma conclusão minha. Por esse procedimento essa coalizão golpista insere o Brasil numa ordem em declínio. Então, essa é uma primeira questão. Isso combinado com sua linha de desmonte dos avanços sociais e desmedido e duro ajuste fiscal em meio à prolongada recessão.

Você veja que fazer um ajuste desse porte em plena recessão, isso até os economistas mais ortodoxos vão se dando conta de que um ajuste desse tipo, em plena recessão, hoje, por uma série de pesquisas, eles centram isso: piora ainda a recessão, em vez de sair da recessão. Você pode até fazer um ajuste num período de crescimento, esse tipo de ajuste num período de crescimento. Num período de recessão, você bota mais ainda a recessão (inaudível – 26:04). Por isso que a gente enfatiza que tudo isso é feito num período de dura recessão.

Como é que sai disso? Por isso mesmo que esse governo está enfrentando dificuldades crescentes. Não é por acaso que o Temer diz hoje “não, essa história de chegar já num governo para resolver tudo”. Mas é isso que diziam. Derruba a presidenta e tudo vai ser resolvido, já melhora tudo, etc. Eles é que diziam. Mostra, portanto, que essa promessa virou fumaça.  E o povo está vendo isso, pessoal. Ou seja, essa história de que destitui a Dilma e volta o impulso de confiança mais revigorado aos mercados, nada disso aconteceu.

A mídia hegemônica, pessoal, que antes era oposição, agora é chapa branca. É para defender esse governo. Sobretudo, a maior de todas, o monopólio maior, que é a Globo. Virou até uma espécie de jornal deles.

Ou seja, é uma situação, portanto, camaradas, que eles tentam encobrir as coisas. Mas não adianta, pessoal. A situação se deteriora e não há como encobrir isso.E a situação se complica porque ela atinge agora os estados e os  municípios. A situação é falimentar e pré-falimentar nos estados e nos municípios. E são poucas exceções. Uma das exceções, aliás, por enquanto, é o estado governado pelo nosso governador, que é o Maranhão. Mas, companheiros, a situação dos estados e de 80% dos municípios é situação falimentar. É falimentar. Então, a situação se deteriora. Uma situação como a do Rio, pode virar um estopim e incendiar praticamente o país. E eles estão com um medo danado disso.

Até mesmo os ideólogos deles – são vários – eu citei lá o Armínio Fraga. Porque o Armínio Fraga, ou seja, você vê que ele está tão apavorado com o negócio que ele tem de dizer algumas coisas. Resumidamente, ele diz o seguinte: “estamos entrando num período de muito mais incerteza”. De muito mais incerteza. Não era isso que esperava que ele dissesse.

Tirando a Dilma, a gente achava que a situação já iria abrir um outro horizonte. Nada disso. Aconteceu o contrário. Todas as previsões econômicas, camaradas, e eu não quero aqui entrar em números, caem por terra. Tanto as previsões em termos trimestrais quanto anual. Todas, todas.

Aliás, todo dia está se deteriorando cada vez mais. A própria vitória mesmo de Donald Trump, nos Estados Unidos, já é bode expiatório para eles justificarem que os juros, inclusive, não devem cair mais, etc, etc.

Eles já entram, não sei se vocês tem acompanhado isso, num estado de pavor. E começa já a apoiar o que o FMI está dizendo sobre o Brasil. A última do FMI, vocês sabem quais é, né? Ou seja, tem que apertar mais. Essa história de prolongar o  ajuste, não dá certo. Tem que ser mais rápido e mais duro. E aliás, eles também já estão dizendo isso. Dispensar, demitir, funcionários públicos. Apressar o superávit primário, endurecer mais no teto dos gastos. Ou seja, a solução está pior. Eles estão vendo que não está dando certo e está piorando mais ainda.

Eles entram num beco sem saída, pessoal. A saída, exatamente,é para arrochar mais ainda. Isso soma-se com o que, camaradas, esse apertar e acelerar mais ainda o reajuste? Soma-se com a crescente incerteza política. Eles achavam que a situação política ia ficar sob controle, ia amainar essa crise. Pelo contrário. A Lava Jato, pessoal, a Lava Jato já chegou em cima deles. Ou seja, já bordejou e já está em cima do PMDB. Você vê como é o Rio de Janeiro, em que o ex-governador, que é uma pessoa importante no PMDB, como o Sério Cabral. E ali, digamos assim, é seguir a turba. E se a turba quer aquele sangue, então faz-se isso aí. 

Quer dizer, o direito virou isso. É o direito que atende a um interesse individual. Isso é um direito antigo, pessoal. Dizem isso os advogados. Ou seja, eu sigo a turba, sei lá se isso é justo ou se não é. Nós chegamos a essa situação. Por isso, essa incerteza política leva o sistema a um vazio no sistema de poder. Que é exatamente o poder Executivo. E, com esse vazio, os outros poderes ocupam esses espaços. E começa a haver disputa entre poderes e disputa dentro dos próprios poderes.

E essa situação, você viu a realidade do Senado, e aquela confusão toda. Já é sabido, não vou entrar nisso agora. E isso criou uma disputa muito grande entre poderes.

O TSE apressa a investigação sobre a chapa Dilma-Temer, evidentemente no sentido de ir para cima da esquerda. O interesse… mas atinge indiretamente o atual presidente, que é o Temer. E, com isso, o Temer fica, aparentemente, numa situação, companheiros, de rendição.

Por que, se é cassada essa chapa, ele vai ter de sair. Então veja a situação de instabilidade que isso cria. O povo, portanto, é isso que eu quero dizer, começa a se dar conta do engodo que eles praticaram. E aí eu pergunto a vocês, de que modo um país com a situação de tamanha instabilidade, incerteza, insegurança jurídica, pode atrair, e muito menos entusiasmar, qualquer investidor, interno ou externo? Como, eu pergunto a vocês, investidor vai investir assim? Sobretudo investimento maior? Isso não existe, pessoal. Isso não existe.

A  premente exigência de recuperação da economia vai se tornando mais distante. Como diz na linguagem matemática, tende ao infinito. Agora, pessoal, intramuros, sabe o que eles já dizem? Aumenta o temor de Temer de insolvência do país. Não é por acaso que o FMI está se aproximando e eles se aproximando do FMI. Coisas que eles diziam, apregoavam, que essa insolvência era no governo Dilma. Eles não dizem isso abertamente mas, entre eles, o temor agora de uma insolvência passou a ser muito maior.

Em suma, pessoal, a verdade agora essencial é que o golpe de estado leva a nossa nação a um túnel sem saída e a um grande impasse. Essa é a minha conclusão. A realidade nua e crua é essa aí.

Vamos ver, companheiros, agora, diante de uma situação dessa, as alternativas. Eles mesmos, os golpistas, buscam alternativas. Porque eles estão se preparando, pessoal, para a possibilidade desse troço todo ir por água abaixo.

E qual é o plano alternativo deles, o chamado plano B, que passa a ter um peso crescente? A convocação de eleição indiretas – indiretas – para presidência da República a partir de 31 de dezembro. Eles vem perseguindo e agora com força. Essa coisa vai se deteriorando e digamos que chegue a uma situação de impasse maior. É uma alternativa para eles. É só dar curso no TSE, e cassar chapa. Sai o Temer e eles convocam, numa eleição não direta, num colégio eleitoral, que é o próprio Congresso. Isso diz a Constituição.

E do lado da oposição? Do lado nosso, pessoal? Do lado nosso, eu me aventuro a dizer que, diante do agravamento da crise, é possível crescer o anseio de resgate da soberania popular. Porque olha para um lado, olha para o outro, o impasse vai crescendo, e aí? A saída é voltar ao povo. É exatamente resgatar a soberania popular.

E aí seria através do quê? De uma eleição direta. Aquela história de antecipar as eleições diretas, etc, etc. Isso pode vir. Com essa situação, com esse quadro de agravamento da crise. Pode vir.

Eu não estou dizendo que isso já é. Porque quando nós apontamos as eleições diretas já, era num momento, companheiros,  que a gente tinha melhores condições de fazer esse enfrentamento. Boa parte da esquerda não entendeu, vocês sabem. Não vou voltar a essa questão aqui, para mostrar como é difícil a gente ter uma posição comum, sendo da esquerda.

Mas esse sentimento vem crescendo diante do impasse. É isso que eu quero dizer. Eles, com as eleições indiretas deles, e nós com as eleições diretas. Pelo menos, volta a questão da soberania popular, que eles fogem como diabo da cruz.

Algumas palavras aqui para concluir , companheiros, sobre a resistência, que é a situação nossa hoje. Se nós fomos apeados do poder central, então nós ficamos na defensiva, no plano estratégico, tático, etc. Então, nós fomos para uma resistência. É por isso mesmo, companheiros, que numa hora dessas é muito difícil as pessoas e a gente conseguirmos conformar uma espécie de  saída que seja comum à toda esquerda, às forças democráticas, progressistas, etc,etc. Por isso que muitos intelectuais ficam nessa história de dilemas da ideologia: hoje não tem mais esquerda, nem direita. Num mundo de grandes incertezas aí fica nesse quadro de que o mundo é de grandes incertezas e fica no mesmo lugar, se for seguir isso aí.

No Brasil, um governo não governa, mas também os setores sociais se põem num momento sem rumo. Isso não vai a lugar nenhum. Não vai a lugar nenhum.

Companheiros, o mais importante agora, eu quero salientar isso, é que todas as forças do campo democrático, popular, progressista, patriótico, da esquerda, vão compreendendo que é preciso juntar forças. Juntar maiores forças. Isso é importante. Já isso já é importante. Por que, se numa hora dessas, o cara diz: bom, vamos radicalizar, cada um vai para seu canto. Ou então, vamos enfrentar esse pessoal taco a taco, é fazer o jogo deles.

Você não vai radicalizar numa situação dessas se você não amplia sua força. Aliás, isso faz parte da concepção tática nossa. Concepção tática e estratégica. Eu não posso radicalizar se eu estou com pequena força. Se eu aumento minha força, eu reúno condições de radicalizar. Sem isso, eu me isolo. E facilita o golpe deles sobre nós. Então, isso é o beabá da compreensão da tática. 

Por isso mesmo, pessoal, que essa compreensão de juntar mais forças, maiores forças, é importante. Daí essas ideias de frente ampla. Porque a ideia da frente ampla é importante. Nós levantamos isso no período do golpe exatamente no sentido de atrair mais gente para enfrentar o impeachment. E numa hora como essa, mais ainda. A frente ampla significa que você vai ter que ter palavras de ordem mais amplas para juntar mais gente. Cujo alvo é exatamente os golpistas, esse governo golpista.  Sem isso, você não vai poder fazer esse enfrentamento.

Então, isso é bom. Isso é um lado positivo. O que eu quero dizer, digamos assim, apurando essas questões, pessoal, que uns falam de frente de esquerda, outros falam de uma frente ampla, que vai além disso. Eu acho, resumidamente, que frente ampla de esquerda, como dizíamos no 13º Congresso, que devíamos ter uma forma de unir esquerdas no sentido mais amplo.

Isso não é contraditório, você ter uma frente de esquerda mais ampla, com uma grande frente política, com uma grande concertação democrática e progressista, que é exigido num momento como esse. Porque a frente de esquerda funciona como núcleo dessa frente mais ampla.

Não é contraditório uma coisa na outra. Se você vai contraditar uma simples frente de esquerda com uma frente mais ampla, democrática, progressista, aí você faz o jogo contrário. Você não pode contraditar. Nós precisamos de um frente ampla, democrática, progressista para enfrentar esse regime golpista.

Então, a frente de esquerda, que reúne a esquerda, atua numa frente maior. Porque ela só não dá conta. Por isso que não é contraditória, é complementar. E tem mais. O que é viável numa hora como essa, eu pergunto para vocês? Como ir traduzindo isso? Nós temos que ir para uma repactuação política, senão a gente fica falando no abstrato. Que repactuação política, pessoal? Essa repactuação política, grosso modo, ela está centrada na prioridade que nós devemos dar à produção e ao trabalho. Eu não vejo como nós enfrentarmos uma situação dessa se nós não dermos prioridade à produção e ao trabalho.

Aí você diz, mas não tem, esse empresário hoje está tudo ligado a eles, etc, etc. Sim. Se a gente não cria também uma certa força para puxar os os empresários da chamada produção, que hoje está muito envolvida com a esfera financeira, a gente não descola essa gente de lá.

E eu quero saber para vocês qual é o projeto que pode ir à frente se nós nos colocamos contra e eles contra, todo empresário da produção contra nós. Nós não vamos adiante, pessoal. Não vamos adiante.

Aqui tem um problema de fundo, sobretudo no mundo capitalista contemporâneo,que é neoliberal. Neoliberalismo não é a excrescência do capitalismo. É o capitalismo atual! Por que a gente fala tanto em neoliberalismo?  Neoliberalismo é o capitalismo de hoje, pessoal.

Parece que tem uma contradição entre o capitalismo e o neoliberalismo. Isso é falso!  Aliás, eu me  esgoelo em dizer isso. Eu estou vendo aí artigos de pessoas da esquerda contrapondo o capitalismo ao neoliberalismo.  É o próprio capitalismo! É o capitalismo contemporâneo!

E aí, pessoal, a questão é que sem uma repactuação centrada nessa prioridade de trabalho e produção, nós não vamos adiante. Por isso que é preciso uma concertação mais ampla. E essa repactuação, camaradas, voltada exatamente para a defesa do estado democrático de direito, para a retomada do desenvolvimento e para barrar essas perdas de direito.

Então isso compõe, digamos assim, essa repactuação política. Agora, a base dela é trabalho e produção. Entra aí o quê? Os trabalhadores e os empresários da produção, pelo menos. Pelo menos.

Como definir isso? Tem que se definir a partir de um programa mínimo. Esse programa mínimo, pessoal, não é exatamente as reivindicações próprias de cada categoria, que deve continuar e se luta todo dia, pelos problemas de cada categoria. Mas esse programa mínimo político. Político! Não entram aí as questões próprias de cada categoria. Senão, que diabo de programa mínimo político é esse, pessoal?

E aqui, esse programa mínimo , ele não pode ser simplesmente um programa distributivo. O problema é distribuir a renda, é a inclusão. Tudo isso é muito importante. Mas, pessoal, isso não andamos nem um terço do caminho. Na realidade, o problema é mais fundo na proposta. O desafio, companheiros, é exatamente um programa mínimo baseado num novo projeto nacional de desenvolvimento com condução soberana. Sem isso não vamos a lugar nenhum. Nós vamos ficar rodando no mesmo lugar.

Esse negócio de mudar neoliberalismo. Mudar neoliberalismo é mudar o capitalismo, pessoal. Então você acha que a gente vai minorar o capitalismo reformando o neoliberalismo? Ficamos no mesmo lugar!

Então, a questão de fundo é um projeto nacional de desenvolvimento. Esse projeto nacional de desenvolvimento tem que ter condução própria. Tem que ter soberania. Tem que ver a realidade nacional, os interesses nacionais. A economia nacional. Senão, vai ficar no mesmo lugar, pessoal. Isso está no programa do PCdoB. É mais do que atual, com suas atualizações. Abrange também, esse novo projeto nacional de desenvolvimento, as reformas, que a gente já dizia. Está lá no programa! Principalmente essas reformas, companheiros, que seriam as reformas democráticas estruturais, principalmente  reforma política; a da mídia; tributária, que a gente deu pouca atenção, mas uma reforma tributária progressiva, que ela é muito regressiva, no caso brasileiro; e reforma, está no nosso programa também, do sistema financeiro. Eu quero ver como é que a gente se supera para construir um projeto de desenvolvimento nacional, ficar sob a dependência da esfera financeira, eles com direito de voto sobre nós. Nós vamos ficar no mesmo lugar!  Por isso que o problema da reforma do sistema financeiro é importante. Tudo isso compõe essa visão de um novo projeto nacional de desenvolvimento Sem isso não tem saída. Essa é a minha opinião. Sem  isso não tem saída, nós vamos ficar no mesmo lugar.

 

Para concluir, tudo isso precisa ter respaldo. Que respaldo? Crescente movimento político, organizado, de massas. Quando eu falo, aqui, o movimento é movimento político de massas

Tem muita diferença entre movimento reivindicatório de massas, simplesmente, de uma categoria ou de outra, e movimento político de massas, que congrega todas as categorias. Aí é diferente. Aí é um salto. É um salto que a gente dá.

E isso, companheiros, é feito com começo. Nada é feito você pensando já o fim. O começo, pessoal, no meu modo de entender, é que precisamos compreender que já existem movimentos mais organizados. O movimento social, o movimento de massas. Esses movimentos mais organizados são os primeiros a se levantar.

Foi assim na ditadura militar, em 1964. Eu participei disso. Eu era presidente da União dos Estudantes da Bahia, da UEB. Isso já em 1964, logo depois do golpe. Nós íamos para a rua, enfrentar a ditadura, os estudantes. E foi por isso também que eu tive de sair da Bahia, deixar o curso de medicina. Por que a gente fez uma grande manifestação, na manifestação, longe, os estudantes descobriram que passava Juracy  Magalhães, que era ministro, na época, do primeiro governo militar, foi para cima dele, botou eles para correr, quebrou a cara lá do oficial que estava com ele e eu fui procurado e tive que sair da Bahia.

Ou seja, pessoal, se levanta primeiro os estudantes, que têm esse papel, um termômetro, isso da história política brasileira. É um termômetro, os estudantes. É mais livre, menos peia. Começa a se levantar. É um termômetro de uma causa mais profunda, de uma febre, de uma infecção maior.

Os outros vêm depois. Mais agora começam a se levantar também as categorias mais organizadas – professores, petroleiros. E é assim. Com base nisso, você vai tendo que forças motrizes que vão se formando e, com isso, vai  influindo sobre camadas maiores de  trabalhadores e populares. Não tem outro caminho, pessoal, não vamos inventar outra história.

E sem isso, sem esse movimento que cresce e se amplia e se organiza. Não é movimento desorganizado, não. Se organiza . Isso é balela, esse negócio de movimento desorganizado. Isso é conversa fiada. Eu quero saber qual é o movimento que não tem organização ter força. Ele se espatifa. Isso é uma lei objetiva de todo período da história. Não vejo de outra maneira.

Numa situação dessa, portanto, pessoal, é que a gente deve compreender que esse movimento tem de ser um movimento amplo, político, organizado, de massas, e que vai respaldar tudo isso. Sem isso não tem também grande força. E o próprio movimento popular que cresça, ele pode ser um fator importante, jogando um novo papel, um novo papel, de contribuir para a eleição de lideranças populares, democráticas e de esquerda. Que antes esses movimentos praticamente não tinham uma ação ativa, organizada, ampla, no processo eleitoral.

Aliás, quem diz isso é muita gente aí da esquerda, gente ligada ao próprio PT, etc, que os movimentos sociais, na hora das eleições, subestimava tudo isso. Movimento sindical, movimentos sociais, etc. A direita é que aproveitava tudo isso. Não é tão simples assim, mas tem um fundo de verdade nessa questão. Então, à medida que você tem um movimento de massas, amplo, político, ele vai ter que ter uma outra função, uma nova função. Participar do embate eleitoral para eleger, tanto no Parlamento quanto nos governos, lideranças populares, lideranças de esquerda, democráticas, etc.

Então, são assim algumas questões, pessoal. Já me estendi, acredito que já estão aqui todos os componentes da primeira mesa e eu vou ficando por aqui. Apenas algumas questões que eu queria salientar, pessoal. Frisar. O problema é muito mais vasto. As questões, tem muita coisa ainda para ser enfrentada e ser resolvida. Mas eu quero, pouco a pouco, digamos assim, naquilo que eu puder ajudar, frisar alguns aspectos que seriam importantes para nossas considerações. Obrigado

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Mesa PEC 241 (55) e Antirreformas da Previdência e do Ensino Médio

 

ADILSON ARAÚJO, presidente da CTB

Quero saudar a todos e todas em nome da CTB, a Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil. Saudar o presidente da Fundação, Renato Rabelo, fez uma brilhante apresentação aqui, sobre a conjuntura; saudar nosso companheiro Adalberto, professor Demerval; a Carina Vitral.

Eu considero excelente a iniciativa e penso que alegra mais ainda a presença de todos que esforçaram, diante de tudo o que foi dito pelo Renato. Uma segunda-feira, ainda sob o sol em São Paulo, que brilhou no dia de hoje. A gente estar aqui discutindo política, mas eu penso que são ingredientes necessários para uma melhor  compreensão desse quadro bastante complexo e que estamos vivendo em todo mundo.

Eu queria primeiro fazer duas observações com relação ao resultado do Conselhão, no dia de hoje. O Temer, num esforço de justificar o injustificável, diz que faltou, por parte do governo Dilma, a verdade. Então, ele considera que houve um certo déficit de verdade. E, à luz desse déficit da verdade, que ele se apropria de um conjunto de expedientes para promover um conjunto de mentiras e inverdades.

O Temer finaliza a sua participação no conselho  pedindo a todos os seus conselheiros – e é verdade que esse governo, ele tem um lado. Ele serve aos interesses do grande capital, sobretudo rentismo –  tanto é assim que ele fez a opção de não contar com o voto descontente e optou pela exclusão da CUT, da CTB, da UNE, da CNBB, da participação nesse instituto  que cumpriu papel importante no governo Lula. E acho até que a gente tem que apontar que ficou devendo no governo Dilma. Era necessário que a gente tivesse dado continuidade àquilo.

O fato é que, da forma que ele se desenha hoje, ele está à serviço de uma causa. Então, quando ele diz assim que é necessário que os conselheiros divulguem aquilo que foi discutido no dia de hoje e é necessário que povo compreenda e, sobretudo, entenda que é necessário que essas coisas entrem na alma e no espírito do povo, eu diria que sobre esse conjunto de ameaças, certamente quando o povo dá conta, nem no inferno ele vai querer contribuir com esse estado de coisas.

Fiz um conjunto de anotações. Estou cheio de cola. Que eu falei, na CTB o nosso instituto é o INS – o Instituto Nivaldo Santana, nosso grande líder, nosso palestrante.

Meu negócio é porta de fábrica, é greve, o que eu sinto falta. Reconheço que nós devemos fazer mais e melhor. Mas eu penso que é oportuno essa conversa aqui hoje. O que é verdade. Nós estamos diante de um ambiente bastante confuso. Não sabemos ainda quais os caminhos.

Mas o fato é que nessa matéria, em particular. E acho que todo o debate, quando nós falamos das nossas reformas. As antirreformas também são as respostas necessárias para as reformas não feitas.

Então, advém de uma mudança de correlação de forças. Uma agenda extremamente regressiva. E é sobre o olhar desse quadro político que me parece que justifica ao debater essa questão, que o Renato faz uma análise geral, mas a gente vai discutir aqui particularidades. Os impactos da PEC 55, 241, a reforma do ensino médio e essa famigerada reforma da Previdência.

Então, eu queria dizer, é necessário descortinar o que se esconde por trás  do golpe. Eu não tenho dúvidas. É um golpe do capital contra o trabalho.

E evidentemente que, ao detentor do golpe, não lhe foge o desejo de aplicar essa receita ultraliberal.  Então, o mundo reclama as consequências de uma grave crise econômica mundial. Que, por consequência, o rebatimento disso é o drama que vivem milhares de trabalhadores de todo o mundo.  A sinalização da OIT é que o número de desempregados vai ampliar no mundo. Vários países na Europa, a juventude já ultrapassa 60% da mão-de-obra juvenil desempregada.

E a gente sabe que esse receituário, se a gente for levar em conta a década de 90, aquela coisa chamada consenso de Washington, e o receituário neoliberal, que prevaleceu em alguns países, advogava muito essas teses, que é o espelho do FMI. Onde tem crise, eles tem dinheiro para emprestar, desde que promovam os ajustes.

O ajuste proposto pela presidenta Dilma foi questionado pelo movimento social. Mas aquele ajuste que me parece que não foi combinado bem o jogo, pois o Levy entrou por uma porta e saiu por outra sem saber o que fazer. Mas o fato que aquele ajuste ainda era incipiente diante do fato de todo esse ajuste que se busca promover hoje, calçado numa agenda de austeridade profunda e diante de um mundo em retração. Porque esse problema do Brasil ele se agrava mais com o elemento crise política, de grandes proporções. Que se alimenta exatamente desse expediente para fazer o que bem observou um empresário da infraestrutura chamado Klaus Batorelli. É necessário fazer o mal agora, Maquiavel, para beneficiar poucos. Quem são os poucos? Os banqueiros, o grande negócio, o latifúndio. Então, essa matéria que eu me reporto, a reforma da Previdência, ela não é uma coisa nova.

Agora, a gente há de enxergar que, no calor da luta que nós travamos, diante de tudo o que foi possível construir, na Constituição de 1988, essa é uma matéria extremamente relevante. E não é à toa que todas as preocupações elas se voltam em torno desse objetivo. Ferir a previdência pública exatamente para beneficiar os grandes setores econômicos.

Nós tivemos o ano passado um encontro. Eu, o Nivaldo, com o diretor da Organização Internacional do Trabalho. Ele esteve aqui às vésperas da Conferência Mundial, querendo saber do quadro político e como que a gente ia tratar essa questão da Previdência Social, já que o governo tem anunciado que se consome 40% dos gastos do governo com a Previdência.

Conversamos com diretor da OIT ano passado. Ele queria saber como trataríamos questão da previdência, já que o governo tem anunciado que se consome 40% dos gastos do governo com a previdência. E a gente alertava: olhe, nós não podemos fazer um cálculo matemático a partir das nossas conveniências. O debate da Previdência remete a um tipo de discussão. Por que o governo destina 9% do que arrecada com superávit primário? Como é que se dá a relação juros/PIB? Por que o país vive patinando? Porque a entrou numa patinação sem perspectiva. E é verdade que a gente precisa recorrer também a um tempo político, digamos assim, sem perspectiva.  Para que a gente possa compreender, porque o que foi a análise do início Lula? A economia do governo Lula era a economia do voo da galinha. O Lula botou a galinha para voar e eles cortaram a asa da galinha. E a economia começa a ir para o fundo do poço, muito a partir dessa visão mercadológica, que também se soma a um esforço de compreensão da União Européia.

A União Européia convocou as centrais sindicais. Marcou uma reunião com a comissão da União Européia de dirigentes, para discutir lá com as centrais sindicais. Qual era a cartilha? Governo da presidenta Dilma, do presidente Lula, dificultou as relações comerciais. Nós estamos há mais de dez anos sem firmar nenhum acordo de cooperação com o Estado Brasileiro. E quais eram os elementos que estavam postos para discussão com as centrais sindicais, que foi abortado, decorrente da crise? Livre comércio, Tratado do Pacífico, livre negociação, modernização das relações de trabalho.

Ou seja, a chamada modernização das relações de trabalho nada mais é do que a supressão do direito laboral, da revogação por inteiro dos direitos sociais e trabalhistas. O fim da Previdência Social, da Seguridade Social. Porque a Previdência Social, ela também precisa ser discutida de forma universal. Qual é a parcela de contribuição dos militares? Qual é a parcela de contribuição do governo? O governo criou a sua forma de contribuição para sustentar esse fundo. Ocorre que já desde o governo Sarney que o Cofins e a CLSS  deixou de ser contribuída. Então, isso foi jogando água, foi jogando água.

Mas, ainda  assim, se vocês recorrerem à nossa cartilha, tem a primeira planilha – cadê, Joana, mostra aí a planilha, por favor. “Orçamento da Seguridade para 2015”. Vocês vão ver que somente em 2015… Por que a Previdência é deficitária? Porque o governo não faz o cálculo global. O governo ele deixa fora do cálculo global a sonegação praticada pelo governo. O governo foge à responsabilidade. E se não bastasse somente isso, se a gente já gritava, e o fato é que a gente sempre questionou o fato do uso de 20% das chamadas DRU, que é a Desvinculação das Receitas da União, o negócio que eles reclamaram e disseram “o governo está promovendo uma sangria”, o que eles fizeram? Botaram mais 10% e a DRU que era de 20% passou a ser 30%. E o governo continua metendo a mão.

Então, você vai ver aqui os dados da Anfip, que é uma entidade séria, faz estudos. Que defende a auditoria da dívida da Previdência. A receita bruta de R$ 675 bilhões; gastos de R$ 651 bilhões; superávit de R$ 23 bilhões. O seja, em escala, esse superávit é o menor resultado. Se vocês pegarem na cartilha da CPMU, vocês vão ver que os resultados anteriores são infinitamente superiores a esse dado.

Dados da seguridade aqui, de 2012 a 2015. São dados da Anfip, que estão aí também. O outro dado, é esse da participação da Previdência em estados e municípios. Companheiros e companheiras, quatro mil municípios nesse Brasil desigual, ainda, depende da seguridade. Mesmo a Rede Globo com recente matéria para falar da Previdência, falaram  o seguinte, que as cidades no interior são mortas e elas ressuscitam no dia do pagamento dos benefícios. e é exatamente o benefício da Previdência que aquece o mercado, que faz com que a farmácia sobreviva, o mercado, a caderneta de muita gente  do interior, desse Brasil afora, ainda compra com caderneta.

É com esse benefício que se soma e se soma e se fortalece, a partir de uma conquista, que é uma conquista extraordinária, e que eu diria uma das mais estratégicas, que foi o advento da Política Nacional de Valorização do Salário Mínimo. Que teve um aumento real da ordem de 77%, que foi a maior valorização dos últimos 70 anos. E eles querem desvincular o reajuste do salário mínimo do reajuste das aposentadorias.

Então, se a gente pega aqui e parafraseia Requião… Requião, quando do voto dele contra o impeachment no Senado Federal, chamou a atenção: “Renan, o meu partido editou um programa, uma ponte para o futuro , que parece mais o caminho para o inferno. Imagine você, Renan, que na sua cidade, um homem de Alagoas tem a média de vida de 67 anos, se for para (inaudível 19:05) – não é mais isso não Barroso. Fique tranquilo que o IBGE já jogou para cima. Mas um homem de Alagoas vai ter mais dois anos de vida. Até ele receber a Previdência, já vai estar com o pé na cova. Então é lamentável que essa visão seja meramente ao serviço dos interesses da banca rentista. E queria, assim, por também um aspecto relativo. Nós reivindicamos, no governo Lula, chegamos a ter um bom entendimento com Marco Maia, da necessidade de acabar com o Fator Previdenciário e ali criar um mecanismo. Sinalizamos para a tabela 85/95. Oitenta e cinco para as mulheres e noventa e cinco para os homens. Caminhamos bem, mas aquela coisa, ficamos patinando e não avançamos.

A Dilma, nesse calor dos acontecimentos da crise política aprovou. E não houve muita discussão. Mas o que era o debate da idade mínima e do tempo de contribuição foi resolvido. E foi resolvido de que forma? A tabela de 85/95, ela se estende e vai chegar, até 2028, em 95/105. Então, você já tem uma escala progressiva, que responde a uma necessidade de compreender a longevidade e o tempo de contribuição. Então, a reforma já foi feita. E foi feita sem que sequer a gente percebesse, sem que sequer a gente tomasse partido, porque foi uma matéria que passou.  E ninguém reclamou, ninguém falou nada. Não houve mobilização nacional, não houve grande clamor. Pelo contrário. Está resolvido, é isso que prevalece.

Então, a discussão das reformas, em particular a da Previdência, ela também chama a atenção por esse fato. É uma reforma que vai podar a possibilidade concreta, porque como esse exagero, até porque o princípio defendido pelo Michel Temer, é o da liberdade. Como é que você pode tratar diferente de forma igual?

Bom, vamos taxar logo o negócio. Vamos fazer a reforma tributária. Vamos fazer um Refis para cobrar os mais de 300 bilhões que se deve à Previdência. Vamos fazer uma auditoria da dívida. Vamos cobrar do mau empregador a dívida exorbitante, a dívida de informalidade e sonegação de FGTS, que soma mais de 200 bilhões. E que eles querem esvaziar, sobretudo o Ministério do Trabalho, que exerce um papel do fiscalizador, exatamente para não cobrar essa conta. Há uma operação abafa. Penso que nessa matéria, a gente deve se aprofundar. Eu queria me limitar  aqui, encerrando e dizendo o seguinte:eu acho assim, do ponto vista da PEC 55, e a Carina vai falar melhor, e o professor também. Acho  que o texto da professora aí, e tantas outras contribuições que tem sido publicadas no portal da CTB, pelos professores, de um modo geral, vem dando contribuições importantes nesse debate. O Eduardo Fanani, a professora Tânia Bacellar escreveu um artigo recente falando disso, né?  A PEC 55 nada mais é e ela expressou bem, e eu grafei isso. É uma máquina de produzir desigualdade.  De produzir desigualdade. Ela não sinaliza para a retomada do crescimento econômico.Que é uma coisa que nós precisamos retomar. A política econômica não ensaia nenhuma perspectiva de redução de juros. Houve um gesto político e isso é fruto desse ambiente. Eu não tenho dúvida que o Temer jogou para a platéia. Mas a gente sabe também que fundamentalmente aquela  posição não agrada. Porque é um prejuízo. O extrato do financeirização, vai fazer como ela comprar título do governo. É melhor ajudar a socorrer o governo do investir na produção e gerar emprego.

E sem contar ainda que a falência é total, porque o Moro sepultou. Se não bastasse punir o CPF, o Moro teve a tarefa de condenar o CNPJ. Isso só se fez no Brasil. A conveniência no mundo todo é: se investiga, vai lá e tal. Mas como o virou moda juiz de primeira instância poder mandar prender e condenar num rito sumário, né? Porque qualquer um cidadão brasileiro que comete um crime, até que se prove o contrário, né? Tem a presunção da inocência. Com Moro, não, é rito sumário, manda prender. Condena, linchamento público, né? E as empresas é isso, 50 mil demissões.

Na Odebrecht perspectiva de 10 mil demissões. Treze milhões de brasileiros desempregados. E não para no ar nenhuma perspectiva. Então eu diria assim, o caminho é a resistência. Eu não tenho dúvida de que nós vamos ter que fazer um grande movimento nessa linha. Movimento político de massa, nós temos que cumprir o papel conscientizador. E nós temos que nos voltar para o local de trabalho, para o chão da fábrica. Sem querer dizer, como falou o Guiomar, basista.   Não se trata de basismo. Mas que nós temos que dialogar com essa classe trabalhadora, temos.

Ao demonizar a política, não vai ser fácil. O Temer sabe que é matéria, sobretudo matéria reforma da Previdência. O que é verdade, a gente vai falar muita coisa da PEC 55. Mas o fato é que a sociedade não sabe o que é PEC 55. O Edvaldo Nogueira, que ganhou as eleições para prefeito de Aracaju, fez uma pesquisa, no segundo turno das eleições, e ele falava primeiro sobre a questão do governo Temer, e o fato é que o povo apoiou a mudança, né? Bem como o povo também identificou que não sabia que diabo era a PEC.

E não vai ser numa reunião, nem no whatsapp e nem no portal Vermelho que a gente a conseguir fazer esclarecer a esse povo que o diabo se esconde por trás dessa PEC. E a reforma da Previdência, que é uma coisa que o povo tende a assimilar melhor, e tanto tende a assimilar melhor, que quando o governo faz uma pesquisa e pergunta “você é a favor da mudança da Previdência?”, todo mundo é a favor. Aí quando o governo faz a segunda pergunta “você é a favor de aumentar a idade mínima e o tempo de contribuição?” Não. A pessoa começou trabalhar cedo, esse é o extrato social do Brasil.

Eu mesmo, pô, tava doido para me aposentar, mas veio essa mudança. Comecei com 16 anos. Já tenho 33 anos de contribuição. Em tese, faltariam dois, 2019. Só que, quando chega em 2019, não é mais 85, é 87. Aí eu já vou, né? Ter que esticar mais um pouco. Aí, vem o diabo do Temer, né? Porra, e nós estamos condenados. E eu falo isso porque, muitas vezes, o companheiro pensa que esse problema é com os idosos. Os idosos já estão resolvidos. O problema é para essa juventude. Sobretudo a que vai ingressar no mercado de trabalho. É para as gerações futuras. Ou a gente compra essa briga agora, resolve essa questão, liquida a fatura, ou nós estamos fadados ao fracasso.

Eu finalizo dizendo, portanto, o Eduardo Fanani escreveu, está escrito aqui, e disse o seguinte, ó, “até 2018 serão liquidadas as conquistas da Constituição de 88. E os prejuízos levarão um século”. Eu não tenho pretensão nenhuma de viver mais um século, por isso quero brigar para que a gente resolve esses problemas agora, para que eu possa desfrutar um pouquinho mais da nossa vida. Muito obrigado.

 

ESTHER DWEK

Obrigada pelo convite (…) Vou pegar um pouco a fala, que é até bem complementar à minha fala. Porque, na verdade, não sei quanto vocês já conhecem a PEC, imagino que muitos aqui já a conhecem bastante. Mas a ideia também é trazer alguns dados e algumas implicações graves. Mas, sem dúvida nenhuma, a maior implicação dessa PEC é a redução do estado brasileiro. Esse é o grande objetivo da PEC.

Eu trouxe um monte de dados. Não vai dar tempo de mostrar todos. Mas eu trouxe justamente para deixar aqui, caso vocês tenham interesse, para ver depois, com mais detalhes. Mas, no fundo, é assim. A gente tenta espremer, espremer, espremer. Mas a PEC não é uma solução para o problema fiscal. Ela não é uma solução para o nosso problema de crescimento econômico. Porque ela está justamente na contramão das coisas que resolveriam esses dois problemas.

A gente precisa resolver o crescimento econômico. A gente precisa até do crescimento econômico para resolver o problema da questão fiscal e a PEC não vai resolver nada disso. A não ser uma expectativa que não tem nenhuma base real. Todos os países que tentaram isso, isso não deu certo. Que é esperar que alguma expectativa por conta da aprovação de uma lei vai de fato fazer que os empresários, a partir de amanhã, começar a sair investindo  por aí.

Não tem nenhum experiência concreta de que o empresário invista porque o governo aprovou uma lei no Congresso. Principalmente uma lei que corta despesas, assim, então, realmente, ela não resolve nosso problema fiscal, e muito o de crescimento, que é o nosso maior problema nesse momento.

Eu queria começar um pouquinho falando, você pode passar (o slide), eu estava debatendo… Peguei um voo que era no limite do horário para participar de um debate e chegar a tempo aqui. Na verdade, estava participando de um debate sobre finanças públicas e a PEC.

Na verdade, uma das coisas que eu estava falando é que nossa Constituição definiu bem claramente que as matérias de finanças públicas deveriam ser geridas por uma lei complementar e depois, na seqüência, por leis anuais ou, no máximo, quadrienais, que é o caso do Plano Plurianual. Em nenhum momento se pensou, a Constituição nunca pensou em constitucionalizar essa matéria que estamos discutindo agora, que é você trazer para a Constituição uma discussão de política fiscal sem levar em consideração o que a política fiscal deve fazer.

Sempre que eu falo da PEC, é bom as pessoas lembrarem que a política fiscal, que inclui a parte da arrecadação e a parte da despesa, ela tem como uma parte importante uma discussão sobre solidez fiscal, mas nem é a mais importante. A mais importante é a distribuição de renda e, na sequência, a discussão da própria indução do crescimento econômico.

A política fiscal é a principal fonte de distribuição de renda em uma economia capitalista. Não tem jeito, a distribuição da economia capitalista, que é geradora de desigualdade, por definição, a única forma de se redistribuir renda é por meio da política fiscal. Então, pela maneira como se arrecada, de quem você retira uma parte da renda que foi gerada, e para quem você devolve.

A PEC vai intervir justamente na melhor parte que a gente tinha da política fiscal, que é o gasto público. A despesa primária, que é justamente a parte em que a PEC vai entrar, eu vou já, depois, falar um pouquinho mais sobre isso, é a melhor parte, do ponto de vista distributivo, do que a gente tinha.  Porque é onde você via todos os gastos sociais, todos os benefícios sociais. E, principalmente, os gastos com as políticas, que são do serviço público gratuito, como saúde e educação. E é exatamente nessas políticas que vão ser afetados pela PEC.

Ela não discute nada sobre a parte da arrecadação, que a nossa arrecadação é muito ruim, como já foi falado aqui. A gente arrecada muito mal. A nossa arrecadação acaba concentrando mais a renda. Porque a gente ainda  tributa muitos os bens e serviços. Então, quem recebe menos acaba pagando mais imposto. Na realidade, no Brasil quem paga mais impostos são os mais pobres. É uma ilusão. A classe média paga mais um pouco, porque é assalariada. Mas quem paga mais imposto em relação à renda são os mais pobres, mesmo, assim. Infelizmente, é a nossa estrutura de carga tributária. E, para piorar, os mais ricos são os que menos pagam imposto. Em termos absolutos podem pagar um pouco mais, mas, proporcionalmente à renda deles, são eles os que menos pagam impostos. Então, eles têm uma arrecadação péssima no Brasil. E contribui para nossa má distribuição de renda.

E se a gente conseguia fazer uma melhor distribuição de renda. E, principalmente, nos últimos anos foi muito forte. Por meio do gasto público. E a PEC, ela vai atacar justamente essa parte de despesa primária, que são as despesas com gastos sociais, benefícios, e a manutenção do Estado brasileiro. Ela vai nesse coração, que era onde a gente conseguia fazer a distribuição.

Então, o governo argumenta de várias formas. O governo diz que isso vai melhorar a confiança dos investidores, que isso vai fortalecer o planejamento, que isso é uma experiência internacional exitosa; reduz o pagamento de juros. Que sem a PEC a gente tem o caos. Todo o discurso do governo é um discurso, extremamente, de que a PEC é a grande salvação. Vai resolver todos os problemas do Brasil, como se realmente com uma lei conseguisse resolver todos os problemas que a gente tem. E que ela é a única solução. Esse é outro argumento mais forte, porque as pessoas, mesmo os poucos que entendem o que é a PEC, que já são poucas pessoas, mas aí, você vai conversar e eles falam  “não, não tem jeito, o Brasil está quebrado e essa é a única solução”. Vocês já devem ter ouvido isso. Quando você tenta argumentar, já falam “não, não tem jeito. O Brasil quebrou, infelizmente a gente vai ter que passar por isso aí mesmo. Que é o único jeito de a gente sair dessa situação.

Então, assim, a gente está terminando até uma cartilha que deve ficar pronta nesta semana. É justamente para contrapor todos esses argumentos aqui que eu não vou ter tempo de contrapor todos eles aqui. Mas depois (inaudível – 35:47) a gente pode entrar mais. Mas a gente vai demonstrar que nenhum desses argumentos são verdadeiros. Ou eles são meias verdades, e não contam toda a verdade, ou são errados e mentirosos, mesmo.

Por exemplo, que é uma experiência internacional exitosa, isso é uma mentira. Nenhum país fez o que a gente está fazendo. Nenhum. Pode procurar. Ou os países que adotaram algum teto de gastos, eles não falam porque a PEC, o que ela propõe? Vamos congelar os gastos em termos reais, o que significa crescer só com a inflação. Vou entrar mais na frente no que significa isso, na prática. Ou seja, mesmo que a economia cresça, mesmo que a arrecadação do governo cresça, os gastos não podem acompanhar esse crescimento. A gente tem que ficar parado onde a gente está hoje. O que significa uma queda muita forte nos gastos como a gente tem hoje. Vou demonstrar isso daqui a pouquinho.

Então, todo o argumento do governo… Nenhum país fez isso. E os que fizeram, fizeram por um ou dois anos, por um acordo político, para resolver uma questão que era momentânea naquele país. Ninguém propôs isso por 20 anos. E o único país que realmente cravou em termos reais foi o Japão, que tem uma população que não cresce e tem uma economia extremamente já igualitária. Ou seja, é um país que não precisa tanto assim do estado, embora já tenha o estado forte. É um país que não precisa tanto quanto o Brasil precisa, para fazer justamente esse mecanismo de redistribuição de renda e melhoria da vida das pessoas. Assim, o único país que fez isso parecido, e foi por pouco tempo, com acordo político, não por constitucional, e foi o Japão, que tem uma população que não cresce. Na verdade, uma população que está decrescendo. Ao contrário da nossa, que ainda está crescendo.

Eu vou começar pela economia política dessa proposta, assim, né? Como eu disse no início, a gente tenta entender qual é o argumento econômico dessa proposta, mas, no fundo,a gente percebe que ela não é… eles tem um argumento, aqueles argumentos todos ali, que não são exatamente verdadeiros, mas, por trás, tem uma discussão de economia política. De entrar no que a gente viu nos últimos anos, aquilo que a gente chama de conflito distributivo.  A gente tem na economia, ela é muito baseada na disputa entre salários, juros e lucro. Essa é a grande disputa na economia. Você teve, durante treze anos, por mais que a gente pode elencar “n” políticas que podem ter sido erradas, ou que poderiam ter sido melhores nos governos Lula e Dilma, você claramente tinha um lado no conflito distributivo. Em geral, se escolhia o lado dos trabalhadores.

E um pouco a PEC é justamente para impedir, que não importa que governo seja eleito nos próximos cinco mandatos, ele não possa ter essa escolha. Essa é a decisão. Não importa, ou seja, se a população vai querer de novo daqui a dois anos eleger alguém que represente a classe trabalhadora.   Não  importa. Ele não vai poder fazer a política fiscal porque ela vai ser determinada agora pelos próximos cinco mandatos. Que é um critério extremamente antidemocrático que tem nessa PEC.

Que é como eu estava falando. Os países que fizeram alguma limitação de gastos, fizeram por acordos políticos envolvendo oposição e situação, em geral. Porque achava-se, realmente que, naquele momento, para um ou dois, três anos era a melhor solução. Ninguém fez isso para travar a possibilidade de atuação política dos próximos governos eleitos. Que essa é realidade dessa PEC.

Mesmo nos dez anos quando, em tese, poderia se mexer na PEC, a única coisa que pode ser mexida é o que reajusta os gastos. Você não pode tirar coisas de dentro. Se a educação e a saúde permanecerem dentro da PEC, vai continuar, porque a única coisa que é autorizada pela PEC a ser mexida, depois de dez anos, depois de haver dois mandatos e meio, é você mexer no que reajusta o tamanho das despesas totais.

E uma coisa que como, hoje, até na audiência, que teve hoje de manhã no Senado, a Maria Lúcia Fattorelli falou uma coisa que eu gostei muito. Ela falou essa PEC, ela não é de controle de gastos. Isso é outra mentira. Que o governo (inaudível – 39:45) controlando gastos. Que, em princípio, a gente poderia até ver se tem algum gasto que está crescendo muito, que estaria sendo controlado, etc. Ela é uma PEC que simplesmente impõe um teto. E que se vire quem vier depois para cumprir. E se não cumprir, tem um monte de sanção. Dentre essas sanções, a proibição de aumento real do salário mínimo. Que, no fundo, é uma das principais coisas que decorrem da PEC como eu queria mostrar.

 

Esse aqui, é a participação dos salários no PIB, de 95 até 2013. O dado foi atualizado essa semana, faltou botar 2014, porque é um dado que o IBGE só divulga quando divulga as contas anuais. Ele está sempre dois anos defasado. Mas isso é o que eu estava falando para vocês. O que aconteceu? De 95 até 2004 a participação do salário no PIB só foi caindo. O que é a outra parte do PIB? São os lucros e juros. A gente tem a… o PIB pode ser dividido entre juros, lucros e salários. Ali o que não é salário é lucros e juros. Então, entre 96 e 2004, você teve esse comportamento que foi uma queda a cada ano da participação dos salários no PIB. E, a partir de 2004, a partir de 2005, se inverte essa conta e você começa a ter aumento do salário.

E isso foi permitido, entre outras coisas, uma das principais coisas, obviamente, foi o aumento real do salário mínimo e todo um aparato de política fiscal que permitiu, junto com outros fatores, obviamente, do cenário internacional, inclusive, um crescimento econômico que aumentou a formalização no mercado de trabalho. E você teve uma queda progressiva da taxa de desemprego, que aumenta o poder de barganha e você vai conseguindo ter, até para quem não ganha o salário mínimo, ganhos reais, praticamente todos esses anos, ganho real no crescimento de salário.

Então, com isso, você consegue inverter a curva, você consegue manter o crescimento real. O crescimento da participação do salário no PIB. E o Brasil ainda tem relativamente a outros países uma participação muito baixa do salário no PIB. Outros países têm uma participação muito mais alta. Países que são menos desiguais que o Brasil têm essa participação mais alta.

Isso gerou, em 2013, uma discussão, que vocês devem lembrar, que foi muito forte em 2013. Começaram a dizer, bom, o que está acontecendo com o Brasil é que você está tendo um desemprego muito baixo. Não sei quantos de vocês lembram dessa discussão. O desemprego está baixo demais, portanto eles inflação. E o culpado da inflação é o desemprego baixo.

Isso é uma loucura do ponto de vista econômico, inclusive. Todos os outros países resolveram esse problema inovando e aumentando produtividade das empresas. É um problema do empresário ele resolver o problema dele em conseguir aumentar a produtividade dele para poder poupar a mão de obra. Que foi assim que os outros países resolveram. E no Brasil, não. A culpa é de quem? A culpa é dos trabalhadores que estão ganhando demais.

Essa era a discussão de 2013, falavam “não, o salário está crescendo acima da produtividade”. No mundo inteiro, o salário cresce acima da produtividade. Isso é justamente para pressionar para que os empresários se virem para aumentar a produtividade deles. Só que a gente tem no Brasil uma classe empresarial que é extremamente preguiçosa. Não corre riscos. Ela prefere garantir, ela tenta conseguir de toda maneira o retorno dela sem correr risco. E a principal forma como ela faz isso é no mercado financeiro, por meio dos juros de maior, hoje em dia, a maior taxa básica de juros real do mundo, que é a melhor maneira de ganhar dinheiro sem fazer nada, que é você deixar o seu dinheiro aplicado lá e ele rende sem você precisar correr risco nenhum.

Então, essa discussão que teve no Brasil em 2013, foi a combinação das duas coisas, emprego estava baixo e a gente chegou ao menor patamar de taxa real de juros na história brasileira recente. Nesse momento, começou a pressão pelo conflito distributivo. Os juros estavam muito baixos e os salários muito altos. Isso pressiona a distribuição de renda, que a gente chama de distribuição funcional de salários, juros e lucro. Ali começa toda uma pressão para que isso não aconteça de novo. Que você não possa ter (inaudível – 44:07).

Tem um economista, que é o meu economista preferido, o Kalecki, um economista polonês. Ele escreveu muito próximo do Keynes, eles chegaram à mesma conclusão teórica, na época da crise de 29. Exatamente igual. Só que ele por ser…, ele tinha uma atuação política mais… Ele era mais atuante politicamente. Principalmente… O Keynes era um reformista, um capitalista. Ele estava defendendo o problema dos capitalistas. E ele estava defendendo os problemas dos trabalhadores.

E o ponto dele, ele fala, existe, todo mundo sabe como obter o  pleno emprego. A obtenção do pleno emprego pressupõe um estado que possa intervir no ciclo econômico, que possa atuar para que a economia não flutue tanto. Isso que garante você mantenha um desemprego relativamente baixo, consequentemente  aumente o poder de barganha dos trabalhadores e mantém essa pressão para ter o conflito distributivo mediado a favor dos trabalhadores.

E ele fala, por que não se garante o pleno emprego nas economias? Bom, isso é um problema político. Isso não tem nada a ver com um problema econômico. Economicamente se sabe como resolver isso. E o ponto dele era isso. Se o emprego depende… O objetivo dos empresários é que o emprego dependa apenas da decisão deles e não também da decisão do governo. Por quê? Para que você não possa fazer nada que interfira naquilo  que possa abalar a confiança dos empresários.

É exatamente o discurso que a gente está vendo hoje. A PEC tem que ser feita para retomar a confiança dos investidores, para que os investidores, seja lá que investidores sejam esses, porque, como eu tinha falado lá no início, nunca vi pessoa que investe realmente em produção, investir na sua produção, no seu investimento, porque aprovou um ajuste fiscal. Ao contrário, aliás, isso afeta quem está produzindo. Mas ele fala assim: importante é que você tire o Estado da capacidade de intervir na discussão do pleno emprego. A PEC é justamente para evitar isso. Porque você vai impor.  Você vai definir a política fiscal pelo lado do gasto para os próximos vinte anos. E não importa, de novo, quem ganha a eleição. A taxa de crescimento das despesas está dada. O governo pode querer aumentar a arrecadação, o governo pode querer fazer um déficit, como foi o caso da Austrália. O primeiro-ministro tentou, ó, vamos fazer déficit durante três anos porque a economia está mal e quero recuperar a economia. Isso não vai poder ser feito. Ou se para ser feito, só pelo lado da receita. Só desonerando e não aumentando os gastos. Assim, você está definindo a política fiscal para os próximos vinte anos para justamente retirar da eleição a possibilidade da definição da atuação do estado e da atuação justamente da discussão do conflito distributivo e da capacidade de intervir na economia.

Então, quais são as consequências… Isso, então, eu queria só fazer um adendo aqui, bom… Quando o governo mandou, ele mandou sem fazer… Só focava na discussão de que precisa botar um teto. Porque gastou-se demais. Então precisa botar um teto no crescimento das despesas por que senão a economia não vai sair do buraco, etc. É muito foco em cima disso. Ele nunca deu tanta ênfase para o que acontece se você não cumprir o teto. E mais do que isso, ele, durante a tramitação na Câmara, fez uma série de alterações no texto da PEC e botou coisas mais pesadas do que tinha originalmente, sem fazer nenhum alarde.

E uma das coisas que eu marquei foi justamente em vermelho, ali. Caso seja descumprida a PEC, uma das coisas que está dada agora é que não poderá ter aumento real do salário mínimo. Isso, inclusive, nesses anos que a gente ainda tem a lei aprovada, até 2019, que garante um aumento real de salário mínimo.

Claro que, nesses primeiros anos, as chances de ter aumento real são mínimas, porque a gente está tendo queda do PIB nos próximos anos. Mas isso é uma sinalização do que eles falam antes. Como é que eles incorporaram isso? É proibido aumento de despesas obrigatórias acima da inflação.  Como a gente tem quase 40%, 50% das despesas federais atreladas ao salário mínimo, para que a PEC funcione, eu consigo que o teto só cresça com a inflação, eu não posso ter aumento real do salário mínimo. Porque seu tiver aumento real do salário mínimo, metade das despesas públicas federais vão crescer mais que a inflação. Porque elas estão atreladas justamente ao salário mínimo. Seja uma parte grande da Previdência, seja benefício como o próprio abono do seguro desemprego. O abono é um salário mínimo, o seguro desemprego tem uma parte grande associada ao salário mínimo. O BPC é associado ao salário mínimo, que é a LOAS e o benefício de prestação continuada. Você tem uma série de despesas públicas que são associadas ao salário mínimo.

Então, para eu garantir que o teto vai ser cumprido, o ponto central é: não posso mais ter aumento do salário mínimo. Porque eu já garanti que 50% das despesas vão crescer só com a inflação. São essas que estão atreladas ao salário mínimo. Então, essa é uma coisa importantíssima que eles colocaram isso pelo relator, sem fazer nenhum alarde. Mas isso já estava implícito pela própria regra da PEC.

E agora já entrando num estado mais concreto da PEC. A primeira coisa, o Brasil não está quebrado. Essa é uma das principais falácias para as pessoas acreditaram que está quebrado. E começa a fazer aquelas comparações com as famílias. Igual “ah, a família não pode gastar mais”. Quando, na verdade, o governo deveria ser o oposto das famílias e dos empresários. O governo tem que justamente fazer, atuar de forma oposta.

O que acontece? Quando você está numa crise e numa recessão, como a gente está, eu diria que quase 90% dos economistas, 95%, concordam que só tem um agente que pode tirar a economia da crise. Isso, mesmo os mais liberais, numa recessão, como a gente está vivendo agora, dois anos consecutivos de queda, e com piora na sinalização para o ano que vem. A gente estava esperando que viesse 1,5, ou 1,7. Já está chegando a 1, podendo cair ainda mais. Imagina o terceiro ano de crescimento zero, ou negativo – eu espero que isso não aconteça.  Do ponto de vista social, isso é um caos. O desemprego vai acelerar cada vez mais. E você tem um único agente que pode mudar essa equação.

Porque não tem nenhuma família que vai sair gastando agora com o desemprego crescendo e a renda real caindo, que é o que está acontecendo. Os empresários estão com seus produtos estocados, com capacidade ociosa imensa. Eles não tem nenhum incentivo. Não adianta aprovar essa lei, que não vai fazer ninguém sair gastando no dia seguinte. Porque não tem nenhum incentivo para isso.

Exatamente por isso, o estado deveria atuar na contramão das famílias e dos empresários. Quando está todo mundo retraído, o estado, que tem capacidade de se endividar, tem capacidade de atuar de forma contracíclica, deveria entrar diretamente, como a gente fez, em 2009, 2010, que a gente rapidamente saiu da crise.

Então assim, ao invés disso, a proposta que está sendo feita é: congela  os gastos públicos em termos reais, para fazer com que o estado diminua a cada ano.

O que aconteceu recentemente? Teve  uma redução do resultado primário. Quando a gente olha os dados, essa redução foi exclusivamente, ou praticamente por queda da receita, e não por aumento da despesa. A gente teve menor crescimento da despesa nos últimos anos. Em especial no ano passado, que todo mundo aqui deve ter acompanhado o forte ajuste fiscal que foi feito. Aquele ajuste fiscal de 2015 fez com que o crescimento das despesas fosse muito baixo, muito menor do que nos últimos 20 anos. Mas, ainda assim, como a economia caiu tanto, ela cresceu um pouco mais que a economia. Mas isso não foi a despesa que cresceu descontrolada. O que foi, foi uma queda muito forte na arrecadação, justamente por essa desaceleração econômica.

E o outro dado que eles apontam muito, porque aí eles falam – o resultado primário é os 170 bi, né? Então “com 170 bi de déficit, o país está quebrado”. E o outro dado que se mostra muito é o aumento da dívida. O que fez aumentar a dúvida? O resultado primário, mesmo sendo em 20 bilhões, no ano passado, ele é perto de 10% a 15% do aumento da dívida. O grande problema do aumento da dívida foi uma explosão do pagamento de juros no ano passado. E a própria desaceleração econômica, que acaba afetando os dois, tanto o resultado primário, porque caia arrecadação, quanto a dívida sobre o PIB, porque a parte de baixo da relação dívida/ PIB está caindo. Então, aumenta essa relação.

Então, a PEC não trata da arrecadação que caiu, não trata do pagamento de juros, que subiu de forma explosiva no ano passado e continua alta neste ano. E muito menos é uma proposta de retomada do crescimento. Então, as três coisas que ajudariam a gente a resolver o nosso problema fiscal e econômico, não são tratados pela PEC. Ela vai tratar justamente tratar da despesa primária, que era o menor dos nossos problemas nos últimos anos.

Há uma série de dados que mostram isso. Qual foi a despesa, de fato a gente teve mesmo um aumento das despesas, estrutural, que a gente chama, desde a Constituição. Desde a Constituição, de fato, as despesas estruturais cresceram. Mas era justamente a implementação da própria Constituição e das garantias sociais. Então, o gasto que mais cresceu, em termos do PIB no nível federal foi justamente o gasto social, que teve um aumento de quase quatro pontos. Mas o que são esses gastos sociais? Uma parte grande é Previdência, saúde, educação, os benefícios sociais, como BPC – que é Benefício de Prestação Continuada, abonos e seguro desemprego. Basicamente, todos esses 15%, que a gente chegou ali, são basicamente essas despesas. São todas despesas, praticamente, ou de transferência direta de renda para as famílias, ou de transferência indireta, como é o caso de saúde e educação pública. Que, ao fornecer publicamente, você está dando para as famílias aquele serviço.

Mesmo aí entra a discussão do déficit da Previdência, que eu prefiro chamar não de déficit, prefiro chamar de diferença entre receita e despesa do regime próprio, que é o que o governo tem ressaltado muito. Ele ressalta muito que está explosivo, né? Cresceu muito. Mas olha o que aconteceu. Foi uma questão completamente conjuntural, pelo aumento do desemprego recente que diminuiu a arrecadação do regime geral da Previdência. Então, se a gente olha o dado aberto, de receita e despesa, a despesa não aumentou muito. Ela continua crescendo a mesma coisa que vinha crescendo nos últimos anos. Praticamente o nosso crescimento vegetativo.

Porque não adianta, eu posso envelhecer e a Previdência vai crescer, isso faz parte da equação. Só que aconteceu que fez crescer muito o que é chamado de déficit da Previdência por uma queda fortíssima da arrecadação por conta de uma situação conjuntural. Até 2013, 2014, na verdade, essa relação entre receita e despesa estava caindo. E você não tinha um grande problema aí. O que está sendo feito? Está se pegando esse momento conjuntural que a gente está vivendo, onde houve uma queda monstruosa da arrecadação, para dizer que a gente tem um problema gravíssimo, estrutural, na economia brasileira e propondo uma solução de 20 anos.

Então, está se usando uma coisa para amedrontar a população para propor, olha só, você está quebrado, não tem jeito. E o único remédio é esse aqui. É amargo. Só que o que é mais grave? Se ainda fosse um remédio certo, tudo bem. É como quimioterapia. É horrível, você vai passar mal, você vai sofrer, mas você pode ser curado.

Aqui é o pior dos mundos. É como se você estivesse dando um remédio que não tem nada a ver com a sua doença, que é exatamente o problema que a gente está vivendo. O problema é queda na arrecadação, pagamento de juros altos e crescimento do PIB baixo. Você dá um remédio para despesa primária? Não era o grande problema que a gente tinha. Então, assim, além de tudo, você está pegando a situação conjuntural, criando uma interpretação equivocada e para por um remédio que não vai resolver o problema, só vai travar ainda mais o problema.

Esses são os dados de dívida e essa explosão do pagamento de juros (sobre os slides apresentados). Aqui é só uma série que é importante as pessoas verem. O governo fala assim “olha, foi o maior crescimento da dívida de todos os tempos”. Bom isso aí, sinceramente, não sustenta um gráfico. Com um gráfico se mostra que é mentira isso. Não precisa mais que um gráfico.

O aumento da pontinha ali que a gente está vendo nesses últimos anos não se compara ao aumento que você teve, sistemático, de 95 até 2003. O que era esse aumento sistemático? Crescimento baixo do PIB com juros altos. Essa combinação de juros altos e crescimento baixo gera aumento da dívida. Não tem jeito. Isso é uma questão aritmética, não é uma questão teórica. É uma questão aritmética: a dívida está crescendo mais que o PIB. Se a dívida cresce mais… os juros, que é o crescimento da dívida, é maior que o crescimento do PIB, não tem jeito. A dívida vai crescer. E foi o que aconteceu agora, a gente teve uma desaceleração da economia, e os juros aumentaram muito, aumentou a dívida.

Isso não é um país quebrado. Isso é um país com problemas nas suas variáveis, mas não é um país quebrado. É a mesma coisa na dívida bruta, que tem se usado muito, mas é muito parecido o cenário.

E aí entra agora, só para encaminhar para a conclusão, eu queria só mostrar alguns efeitos da PEC. Pode passar (exibição de slides).  Esse aqui (risos). Aquele ali, eu montei aquele slide, vou até contar a história. Eu fui num debate com um professor de economia da UnB, eu falei, a despesa vai cair em relação ao PIB. Ele falou “não, você é quem está dizendo”. Eu falei “eu juro que não sou eu quem estou dizendo, é uma questão matemática”. Aí ele “não, que não é verdade”, e não sei o quê. E eu “ah, vou desenhar”. Aí, eu fiz a equação no quadro. Aí, ele ficou me olhando, assim… “ah, tá, bom”. E isso aí era um sim (risos).

É muito simples. O “g” é o gasto público (em relação à equação exibida no slide). A gente usa “q”. Os economistas daqui não estão acostumados. Quem não é não está muito acostumado. O gasto público vai crescer só pela inflação. Essa é a proposta, o gasto federal. Então é 1, mais a inflaçãozinha aí do IPCA. E o PIB, ele vai crescer 1, mais a inflação do PIB, que em geral é maior que o IPCA, porque o PIB é uma cesta mais completa de bens. O IPCA é só bens de consumo. E mais o crescimento real do PIB. Então, significa que, se a economia crescer, os gastos vão crescer menos que o PIB, não tem como. Isso aí, de novo, é matemática. Simples, até. Se bem que, um pouquinho mais complexa em relação à fração, etc.

Mas um ponto que eu estava querendo mostrar, é que não tem jeito, a proposta é uma queda das despesas em relação ao PIB. O que é isso traduzido: uma diminuição do estado brasileiro. Essa é a proposta da PEC. E a mesma coisa com saúde e educação.  Saúde e educação antes cresciam junto com a receita. O que tem hoje na Constituição garantido é que saúde e educação acompanham o crescimento da receita. A receita, em geral, cresce ou junto com o PIB, ou até mais do que o PIB. O que faria com que os gastos com saúde e educação crescessem mais do que o PIB. A proposta é que também saúde e educação, no mínimo, só cresçam com a inflação. Então, não tem jeito. Isso vai fazer com que saúde e educação caiam em relação ao PIB, caiam em relação às receitas da economia.

Porque essa é a grande equação. Por que isso? Porque o grande objetivo é fazer essa boca de jacaré ali (em relação ao slide exibido), a linha vermelha cair, que é a despesa, e a linha azul, que é a receita, continuar no seu ritmo, que o governo diz que ela cresce um pouquinho mais que o PIB. O grande objetivo é abrir essa grande boca, essa diferença entre receita e despesa, que a gente durante vários anos manteve uma distância relativamente próximo, que era o nosso superávit primário. Então a receita crescia acima, estava acima da despesa. A gente teve esse problema de conjuntura aí e a proposta é abrir essa boca. Abrir essa boca para quê? Que vai ser feito com diferença entre a linha azul e a linha vermelha? Pagar juros da dívida. Essa é o… para isso que serve abrir aquela boca. Então, você está fazendo uma proposta de, ao invés de pelo menos aumentar mais a arrecadação, cobrar de quem não paga imposto, você está fazendo todo o ajuste na despesa primária.

Esse aqui é o mesmo gráfico, feito pelo Bradesco. Que não me deixa mentir. Então, o Bradesco fez uma coisa idêntica e mostrou .. ali é sem a reforma da Previdência. Mas mesmo se eu faço uma reforma da Previdência, aquela vermelha,que é a Previdência não vai mudar muito (em relação ao gráfico exibido no slide). E não tem jeito. Você não vai… espero que não vá ter uma proposta de tirar de quem já tem e nem proibir que se aposentem realmente, com essa… Vai até…e é uma coisa gravíssima aqui. Para a reforma da Previdência ter impacto, ela tem que ter impacto nos próximos dez anos, que é o período de vigência da PEC.

Significa que, concordo 85/95 já é a maior reforma da Previdência que já foi feita, inclusive concordo com essa tese. Mas a ideia é que você vai ter que fazer alguma coisa que tenha impacto nos próximos dez anos na Previdência. O que significa isso? Que é justamente quem estava esperando se aposentar nos próximos dez anos é quem vai ser afetado. Não é uma reforma da Previdência a longo  prazo, uma questão demográfica.  A proposta para valer durante a vigência da PEC é uma proposta que pegue que ia se aposentar nos próximos dez anos, senão não afeta em nada a conta da Previdência.

Então, o mais grave é que, no fundo, a PEC vai ser uma seqüência de reformas. E aí, voltando ao que a Fattorelli falou, que eu gostei, ela é uma imposição de um teto sem controle de gastos. Controle de gastos vai ser feito posteriormente. Porque ninguém teve coragem agora de falar “vamos fazer uma reforma da Previdência”, porque quando fala reforma da Previdência, você rapidamente atinge as pessoas e elas já entendem, já reagem contrariamente, inclusive os deputados e senadores.

Os deputados e senadores que votaram a favor, todos eles fazem um discurso relativamente superficial. Falando “não, é importante, não tem jeito”. Nenhum entra nos impactos concretos, porque quando você fala só de teto de gasto parece que não impacto. Mas aí, na verdade, a gente vai ter que fazer uma sequência de reformas. Saúde e educação foi a primeira. Já está na própria PEC. Inclusive a única coisa que justifica ter uma emenda constitucional é mexer no mínimo constitucional de saúde e educação.

Todas as outras medidas que tem ali não precisariam nem de lei. E as que precisariam de lei poderia ser lei ordinária. No máximo uma lei complementar, não precisaria de… Constituição. A única medica constitucional que tem na PEC é rever os mínimos constitucionais de saúde e educação. Reduzi-los. Ela vai ter efeito sobre o aumento real do salário mínimo, como eu expliquei no início. É impossível você cumprir a PEC sem parar com aumentos reais de salário mínimo.

Depois, a reforma da Previdência, com impactos imediatos. Reforma do Benefício de Prestação Continuada, que são para idosos e deficientes físicos que têm menos de uma renda real um quarto de um salário mínimo, idosos que não contribuíram suficientemente para a Previdência. Provavelmente desvinculando o salário mínimo, aumentando idade mínima para acessar esse benefício. Depois, redução do número de famílias, contempladas pelo Bolsa Família. Você não reduz o benefício, simplesmente as famílias já saem naturalmente, só serão incorporadas já vai caindo o bolsa família. Você vai ter que mexer no abono do Seguro Desemprego, subsídios agrícolas e industriais. É uma sequência de medidas que vão ser afetadas para poder cumprir esse teto. Que é um teto que vai caindo a cada ano. Cai em termos de arrecadação, cai em termos do PIB, cai em termos de per capita.

E a gente vai ter isso aqui. Senão for feito não vai ser cumprido. E aí, o que vai acontecer? Ou crime de responsabilidade ou uma série de sanções que são draconianas quanto essas medidas aqui. Então, a gente vai ficar preso, depois que a PEC é aprovada, tem que aprovar uma série de coisas. Ou aprovar uma nova PEC.

E agora eu vou para a conclusão final. Qual é o maior risco disso? O próprio Temer falou “não, daqui a quatro anos muda”. Ele mesmo deu essa declaração, outro fala “dez anos é muito tempo, pode ser menor, etc”. Sim, mas qual é o risco da questão, e aí, mais democrática e política, aqui? Se for um governo considerado pelo mercado como aceitável, eles vão lá e até fazem propaganda de tem que realmente rever a PEC. Se for um governo que o mercado não aceita, ele vai dizer que não, que aquilo ali vai contribuir para o Brasil impedir que você consiga alterar  essa PEC.

Então, o mais grave vai ser usado depois politicamente para ajudar justamente definir quem pode ou não mexer na PEC. Eu preciso da maioria do Congresso. antes fosse só a maioria (risos). Eu preciso de ter um quórum extremamente alto no Congresso para poder mudar a PEC. E a gente vai estar preso. Vai ser muito mais fácil mudar se for alguém que tanto a mídia quanto o mercado apóia e fala “não, realmente, dá para mudar aqui, sem problema”. Agora, se for do outro lado, a gente viu o que aconteceu com uma coisa muito menor, que foi o não contingenciamento, ano passado, que aconteceu no governo. Então, assim, acho que é só uma coisa gravíssima que a gente vai estar numa camisa de força, muito mais forte do que a gente já teve em qualquer momento da história do Brasil e qualquer país do mundo. Isso talvez seja ainda mais grave.

  

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ADALBERTO MONTEIRO

Obrigado, professora Ester Dweck. O Renato Rabelo, na sua intervenção inicial, fez referência a novamente os estudantes desempenhando um papel relevante no cenário político nacional, ocupando as escolas, as universidades. Uma reação da juventude estudantil em relação tanto á PEC 55 quanto à questão da reforma do ensino. Então nos convidados um dos educadores mais respeitados desse país, que é o professor Demerval Saviani para discorrer sobre a reforma do ensino. Ou melhor, a antirreforma do ensino. Então, com a palavra, o professor Demerval

 

DERMEVAL SAVIANI

Eu queria inicialmente agradecer o convite  e dizer que, apesar das dificuldades de agenda, eu procurei conciliar porque considero que essa iniciativa é da maior relevância na conjuntura que nós estamos atravessando hoje, de debater, de tentar esclarecer um pouco mais questões que estamos enfrentando.

Para abordar essa questão da reforma do ensino médio, o primeiro ponto, a pergunta é: por que por medida provisória? Então, foi uma proposta de forma intempestiva, sem que se trate de caso de relevância e urgência, que é aquilo que a Constituição determina para a edição de medida provisória. Eu poderia discutir um pouco mais a questão da medida provisória que surge e seu parentesco com os decretos-lei, mas o tempo não permite, então faço esse registro. E num segundo ponto, na abordagem, seria o próprio caráter da reforma que está aí posta e que provocou uma forte reação contrária.

Aqui também eu não vou me deter, nos vários pontos porque, na verdade, o que o texto da Medida Provisória refaz é alterar vários artigos da LDB, especialmente aqueles que se referem ao ensino médio. E o principal ponto é o do artigo 36, quando se diz que o currículo do ensino médio será composto pela base nacional comum curricular e por itinerários formativos específicos a serem definidos pelo sistema de ensino, com ênfase nas seguintes áreas de conhecimento e de atuação profissional. Então, a redação já deixa a desejar, porque é composto pela base nacional e pelos itinerários. Na verdade, os itinerários se constroem sobre a base. Base que a própria medida provisória prevê como sendo, a partir dela que o currículo deve ser construído. E, no entanto, editam na medida provisória, que supostamente teria um caráter de relevância e de urgência, quando a base não está estabelecida ainda. A base ainda está em processo de elaboração. Deve sofrer discussões ainda até ser aprovada.

Aí então esse artigo estabelece cinco itinerários. Linguagens, matemática, ciências da natureza, ciências humanas. E a quinta é formação técnica e profissional. Bem, como atentei, essa proposta gerou fortes reações. E seria um outro ponto para ser abordado. Eu vou mencionar três, mas não vou também desenvolvê-las. A primeira reação forte foi do próprio Fórum Nacional de Educação, que lançou uma 45ª Nota Pública sobre essa medida provisória. E nessa nota, entre outras considerações, o Fórum afirma que o governo Temer erra no método e no processo, restritivos e impeditivos do debate e encaminhamento adequados sobre a matéria nas redes e sistemas de educação. E também erra no conteúdo e suas repercussões no país, o que gerará mais atrasos e retrocessos, em face da necessária formulação e implementação de medidas consistentes e bem fundamentadas para o ensino médio.

Então, após fazer essa avaliação geral, o Fórum lista 23 pontos negativos, contidos nessa Medida Provisória, essa suposta reforma, essa contrarreforma. Vinte e três, enunciados segundo a ordem do alfabeto. Começa pela letra “a” e se não fosse a reforma ortográfica, esses pontos esgotavam o alfabeto. Nós tínhamos 23 letras e, com a reforma, foram reabilitados o “k”, o “w” e o “y”, então, são 26 letras. Faltou apenas isso para que a análise do Fórum esgotasse assim. Eu destaque algumas delas, mas também não vou me deter para não me alongar.

Uma outra reação crítica foi um comunicado oficial do Conselho Estadual de Educação do Paraná. Eu acho importante esta menção, muito porque o Paraná é um dos estados em que o movimento dos estudantes, dos alunos, mais avançou, foi onde mais as escolas foram ocupadas. Mas o governo ali, também mais resistente e mais alinhado com essas medidas decorrentes do golpe político. O Conselho Estadual de Educação do Paraná, na sessão plenária de 21 de outubro, ele registrou oito pontos, sendo que os quatro últimos se referem diretamente à situação dramática de vivida pela rede pública do estado, com um grande número de escolas ocupadas pelos estudantes.

Então, eu não vou abordar esse ponto e vou destacar o de número quatro. Que diz o seguinte: ainda como evidência dessa incompreensível forma de encaminhar a discussão de políticas públicas, ressaltamos que sequer os sistemas estaduais de educação foram consultados ou mesmo informados previamente desta proposta. Alijando-se, assim, do debate aqueles que devem ser os reguladores e executores das medidas nela delineadas. O que, de fato, essa mexida no ensino médio afeta diretamente os estados, as redes públicas estaduais. Porque, pela própria LDB, a prioridade dos municípios é educação infantil e ensino fundamental junto com o estado; e a prioridade dos estados é o ensino fundamental, juntamente com os municípios e o ensino médio. Então, o ensino médio é responsabilidade básica dos estados. E a própria LDB também induz a isso, uma vez que determina que os municípios só poderão se dedicar à níveis de ensino ulteriores ao fundamental quando estiverem inteiramente atendidas as necessidades do fundamental. E mesmo assim, para além dos 25% que eles são obrigados a investir em educação, por determinação da Constituição.

Então, isso, de certa forma, exclui municípios de atuarem no ensino médio. Então, o ensino médio é atribuição dos estados. Mas com o ministro toma essa decisão, que o interino acata de uma medida provisória que mexe com toda o encaminhamento da estrutura do ensino médio, sem sequer informar aos estados que estavam tomando essa medida. 

Outra reação foi uma nota pública do Conselho Estadual de Educação da Bahia. Começou a nota com a seguinte afirmação: “O Conselho Estadual de Educação em sua missão de representante da sociedade na gestão democrática do sistema estadual de ensino vem, por meio da presente nota pública externar sua contrariedade à Medida Provisória que institui a reforma para o ensino médio. Nesse instante, a contrariedade do Conselho se concentra em duas premissas fundamentais que se relacionam muito além. A primeira, do método, a inadequação do método. E a segunda do conteúdo. Posicionando-se contra o empobrecimento curricular preconizado pela reforma.

Bem, então, feitas as observações preliminares. Vou fazer agora algumas considerações sobre o sentido dessa reforma, que eu vou fechar em quatro perguntas. A primeira pergunta é: flexibilidade ou determinação camuflada dos itinerários? O argumento principal que tem circulado em favor dessa reforma é que é a flexibilidade. Reforma do ensino médio mais flexível, propõe itinerários que eles podem escolher e deixam a liberdade dos estudantes de escolher o itinerário que melhor interessa ou que melhor lhe convém. Então a pergunta é flexibilidade ou  predeterminação camuflada dos itinerários.

E aqui, para efeito de a gente compreender melhor isto, eu me reporto à reforma efetuada no período militar. A reforma baixada pela lei 5692, de 11 de agosto de 1951, que reformulou os antigos ensinos  primário e médio que passaram a ser chamados de primeiro e segundo grau, essa reforma pretendeu tornar o ensino de segundo grau universalmente profissionalizante. A chamada profissionalização do ensino de segundo grau. E o argumento que foi apresentado para justificar essa reforma foi traduzida numa espécie de slogan, que Valnir Chagas, o principal ideólogo dessa reforma formulou que o slogan era o seguinte: “o ensino que vigorava antes era ensino geral para os nossos filhos e ensino profissional para os filhos dos outros”. Ele argumentava que as elites raciocinavam dessa maneira. Então, você dava para si o ensino geral. Agora, os outros, quer dizer, os trabalhadores, se contentarem com o ensino profissional. Então ele dizia, agora todos vão ter que ter um preparo para o trabalho. Um preparo para o ensino profissional no mercado de trabalho. Todos, independentemente de sua condição social, cultural, de classe e etc, né? Então, o ensino profissional para nossos filhos e desse ensino profissional para os filhos dos outros. Bem, só que, quando a reforma foi instituída, como é que ela foi proposta? Ela foi proposta nos seguintes termos: o ensino fundamental, chamado antes de primeiro grau, de oito anos, ele deveria conter, nas quatro últimas séries a sondagem de aptidões visando a encaminha à escolha profissional, que depois deveria ser objeto do ensino de segundo grau, com a profissionalização. Mas, com o princípio da flexibilidade que era também ali considerados um dos princípios chave da reforma do período da ditadura.

 

Então, pela flexibilidade, determinava-se que a terminalidade profissional era obrigatória. E a terminalidade ideal, ou legal, se dava ao final do ensino de segundo grau.   Portanto, na conclusão do terceiro ou quarto ano do ensino de segundo grau. Mas nas regiões em que isso não fosse possível, ou nos locais e municípios, ou nas escolas em que isso não fosse possível. Ou dentro de cada escola, aqueles, aquelas crianças que não podiam estudar até o 11º, 12º ano, até o final do ensino de segundo grau, então a terminalidade deveria ser antecipada. No 10º ano, no 8º ano, portanto do ensino fundamental. No 6º ano, naquelas regiões mais atrasadas, com mais dificuldades. Podia ser  no 6º ano, no 4º ano. Aí, estabeleceu-se, então, a discussão entre terminalidade ideal ou legal e terminalidade real. Então, aquele slogan “ensino geral para os nossos filhos e ensino profissional para os filhos dos outros”, foi metamorfoseado neste outro “terminalidade geral para os nossos filhos e terminalidade real para os filhos dos outros”. Então, a flexibilidade aí funcionou não para permitir que todos tivessem acesso ao máximo de formação possível, mas para justificar as desigualdades.

Então, é isso que se pode verificar também no caso dessa reforma. Porque são propostas de cinco itinerários, mas os quatro primeiros só serão viáveis para as elites. E há uma indução de que a maioria da população se encaixe no quinto itinerário, da formação profissional, sob o argumento de que, com essa formação profissional eles terão mais possibilidade de ocupar um posto no mercado de trabalho,  ou serão mais empregáveis. Embora não haja garantia de que você será empregado.

Isto vai nos levar, então, a uma segunda pergunta. Liberdade de escolha dos adolescentes ou descarte da responsabilidade dos adultos, dos professores? Como é que se justifica uma reforma que transfere para os adolescentes uma escolha de um itinerário profissional quando nós sabemos que os adolescentes não tem ainda condições de fazer essa opção. Pois nós constatamos que os jovens que entram para a universidade, já concluíram o ensino médio, e buscam ocupar uma vaga nas universidades, não têm clareza da carreira a ser escolhida. É muito frequente os jovens entrarem em um curso superior e ainda no primeiro ano desistirem e buscar um outro. Ou vão para o segundo, e de lá acabam desistindo, porque entenderam que fizeram a escolha errada. Agora vai antecipar isso para os adolescentes de 15 anos, que vão já ter a escolha do seu projeto de vida. Isto não tem cabimento. A responsabilidade aí é dos adultos, dos professores, de dar uma formação consistente para que os adolescentes possam ir tendo maior base, maior clareza sobre as condições em que a sociedade funciona para ele poder se situar e ir definindo o seu caminho.

A terceira questão é relativa à proposta que aparece também na Medida Provisória de ensino médio em período integral. E isso está até na ementa da Medida Provisória. Indica que o objeto dessa Medida Provisória é instituir um programa de ensino médio em período integral. E mudar artigos da LDB e da lei que instituiu o Fundeb. Bem, então a pergunta que eu formulo, é a seguinte: ensino em período integral para todos ou exclusão integral para todos os que trabalham? Porque se o ensino é em período integral, isso significa que aqueles que trabalham não vão poder fazer esse tipo de curso, porque eles vão dispor de apenas um período para estudar, e não os dois períodos que o ensino em período integral implica.

E isso também vai na contramão do que se tentou implementar a partir da redemocratização e a partir da Constituição Federal e das estaduais. Vocês vejam que a Constituição do Estado de São Paulo, em decorrência da Constituição Federal, num dos seus artigos estabeleceu um parágrafo determinando que as universidades públicas estaduais deverão manter cursos noturnos que, no conjunto de suas unidades correspondam a um terço, pelo menos, do total das vagas por elas oferecidas.

Então, vejam por uma norma constitucional você obrigava as universidades estaduais a abrir cursos noturnos, que não era a prática até então existente. As nossas universidades do Estado de São Paulo, as estaduais, elas funcionavam em período integral. Boa parte dos cursos eram, antigamente, em período integral, com aulas de manhã e de tarde. Não funcionavam à noite. E haviam cursos que funcionavam ou de manhã ou de tarde, com algumas disciplinas, às vezes, funcionando no período contraposto. Por conta de oferecer também aos que trabalhavam a oportunidade de ingressarem nas universidades públicas do estado, foi estabelecida essa norma, que deveriam oferecer pelo menos um terço de suas vagas no período noturno. Bem, e isso fez com que as nossas universidades abrissem para o funcionamento no período noturno, criando, inclusive a infraestrutura, com biblioteca aberta, inclusive aos sábados. Não abria de sábado, mas como é que os alunos do noturno, que têm pouco tempo para consultar a biblioteca vão poder fazer. Então, abertura também aos sábados.

Bom, mas uma coisa é ensino em tempo integral e outra coisa é educação integral. E aí, a outra pergunta que me cabe fazer é: educação integral para todos ou uma vitrine para efeitos de demonstração, reduzida a pequenos grupos elitizados? Porque, vejam bem, a Medida Provisória, quando ela propõe um programa de ensino em tempo integral, ela também justifica isso em termos da educação integral. Porque existe contradição com os itinerários. Porque se você escolhe um itinerário, significa que você está deixando de se formar naquelas outras áreas e, consequentemente, isso não é educação integral.

Agora, além disso, o governo federal estabelece que vai transferir recursos para viabilizar nos estados o funcionamento do ensino médio em período integral. Mas estabelece que isto será feito por quatro anos. Isso significa que as escolas irão funcionar em período integral por quatro anos, e depois? Os governos dos estados vão ter recursos para isso? Então, é uma contradição que o mesmo governo que encaminha por uma PEC, uma Proposta de Emenda à Constituição, congelando os gastos públicos por 20 anos, estabeleça por medida provisória e, portanto, com um grau de urgência, para serem implantados o quanto antes, uma reforma do ensino médio em período integral.

Claro que o período integral exige muito mais recursos. Você  precisa aumentar a infraestrutura para funcionar em período integral. Precisa aumentar as horas dos funcionários que trabalham, dos professores, dos funcionários de apoio, também dobrando o período. Portanto, no mínimo, uma escola em período integral, que passa de período parcial para o integral, teria que dobrar o investimento. Dobram as despesas, no mínimo. Seria mais porque há todo um investimento de infraestrutura que má estavam assegurados no período parcial e não está no integral. Então, teria que ser provido também.

Então, fica uma interrogação. Como justificar esse aumento na medida em que se está propondo que o estado não vai gasta mais por, pelo menos, 20 anos. Eu me referi a uma vitrine porque, embora não conste do texto da medida provisória, eu estive, no dia 5 de outubro participando de um evento, no Rio Grande do Sul. Era o 22º encontro de estudos da Asphe – Associação Sul-Riograndense de Pesquisadores História da Educação. E o tema central desse encontro era os 20 anos da LDB, porque a LDB completa, em 2016, 20 anos de vigência. E eu, então, fui convidado para essa mesa, que tratou desse tema. Como eu estava lançando a 13ª edição de meu livro sobre a LDB, no qual eu fiz uma atualização. Acrescentei um capítulo tratando das 39 leis que mudaram a LDB, de 1997 até 2015. E, na discussão.. Naquela mesa estava participando também a Maria Beatriz Luce, que é uma professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, que foi até reitora pro-tempore da Universidade Federal do Pampa, que pega toda a metade sul do Rio Grande do Sul, e que foi também secretária de educação básica do MEC. Então, lá, ela deu a seguinte informação, que o plano do MEC é apoiar abertura de escolas de tempo integral de ensino médio, mas cada estado deveria colocar no programa 30 escolas. Aí ela disse: só aqui no Rio Grande do Sul, nós temos 1.200 escolas de ensino médio. E, de fato, eu dei uma olhada no censo escolar e a média do país seria de umas 700 escolas por estado. Nós sabemos que há estados pequenos, com menos população, em que o número de escolas é bem menor. E há estados com número muito maior. Então, no caso dela, ela deu essa informação. Eles têm 1.200 escolas e 30 vão passar ao ter período integral. Então, é claro que esse tipo de ensino vai ficar limitado a pequenos grupos, a uma elite. É uma decisão de efeito demonstração, apenas uma vitrine que não tem impacto no conjunto de desenvolvimento do ensino médio

Mas, o que caberia observar – é excelente essa pergunta – como é que se propõe uma reforma no ensino médio que prevê o ensino integral quando se está disposto a congelar por 20 anos as verbas. Então, tudo indica, e isso tem respaldo hoje nos ocupantes do MEC e do próprio Conselho Nacional de Educação, que foi também modificada sua composição por medida autoritária, sem seguir o procedimento normal, que era a consulta a entidades, para indicar os representantes do Conselho Nacional de Educação. Então, foi mudada a composição do conselho e colocados lá os representantes, aqueles que estão atuando no mercado da educação. A educação privada, mercantilizada.

Então, tudo indica que o vetor dessa reforma é a privatização do ensino médio. Privatização que não vai ter esse caráter diretamente, mas vão ser acionadas s chamadas parcerias. Parcerias Público Privadas. A própria obrigatoriedade da língua inglesa, um dos pontos que o Fórum levantava, Fórum Nacional de Educação, é justamente essa. A obrigatoriedade da língua inglesa, forçando todas as escolas a colocarem no currículo, vai implicar convênios com as entidades que oferecem o curso de língua inglesa.

Então, só por esse caminho é que a gente pode entender que se possa propor uma reforma desse caráter no mesmo momento em que se está congelando os gastos públicos. Bom, claro que faltaria aqui, agora, dizer por onde que o ensino médio deveria ser reformado, mas o meu tempo se esgota antes disso. Eu queria, pelo menos, observar que essa ideia de que a profissionalização do ensino médio é o caminho já fracassou lá reforma do segundo grau do ensino no período militar. Porque a suposição de que a formação profissional remete diretamente ao mercado de trabalho, ela não tem base no modo como a economia funciona atualmente e, por isso, que ela fracassou lá. Para os próprios empresários isso não era interessante. É interessante um trabalhador que tivesse uma formação geral, maior capacidade de adaptação e de raciocínio, do que aquele que já vinha de um esquema prévio, quando cada empresa tem um esquema de organização. Que aquele que vem de um esquema diferente, só cria dificuldades, só atrapalha. Então, era mais adequado ter uma formação mais geral e lá ele se integrava no esquema da empresa mais rapidamente e de forma mais produtiva. Isso também… com o avanço das forças produtivas, com o desenvolvimento tecnológico, hoje, não se põe mais o problema de uma formação técnica específica de nível médio. Por isso que o caminho é sempre foi no sentido de que o ensino médio se tornasse universalizado, porque é o complemento da formação geral, que cabe ao ensino fundamental.

Um dado que ilustra bem isso também é o Sistema S. Isso veio da reforma da ditadura do Estado Novo. As chamadas reformas do ministro Capanema. Em 1942 foi baixado o decreto-lei que reformou o ensino secundário. E lá, o ensino secundário era definido como destinado às elites condutoras. Eram sete anos, com quatro do ensino ginasial e três do colegial. E era o único que dava acesso a todas as carreiras do ensino superior.

Mas, na mesma época foram organizadas as modalidades do ensino técnico. Em 42, o decreto-lei que instituiu o ensino técnico industrial. Também de sete anos, quatro de ginásio e três de colégio, mas voltado para a formação dos técnicos para trabalhar nas indústrias. Em 1943, o ensino comercial e, em 1946, o ensino agrícola. Agora, além disso, foram criados, em 42, o Senai; em 43, o Senac e, em 46, o Senar. Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial em um caso, Comercial em outro e Agrícola, no outro. O dos Transportes veio mais tarde.

E qual era o sentido? Por que era Serviço Nacional de Aprendizagem? Porque se tratava, nesse caso, sim, de dar a formação manual, dos trabalhadores manuais. E aí, então, não era exigida escolaridade prévia. Isso foi colocado sob a responsabilidade das empresas exatamente porque se tratava de dar esse elemento técnico. As empresas, de início, não queriam aceitar. E aí, Getúlio ameaçou de colocá-la para o sindicato dos trabalhadores. Então, as empresas pegara e até hoje estão mamando nessa teta do estado, público, do chamado Sistema S.

Bom, mas o que aconteceu com esses organismos. Hoje, nós temos Senai e Senac oferecendo cursos superiores. E até cursos de pós-graduação, quando esses organismos, sim, eram para formar o trabalhador manual. Aquele que iria exercer as tarefas mais simples e que não exigia escolaridade prévia. Agora, esses organismos perderam sua função de origem e se transformaram em instâncias de ensino superior e até de pós-graduação.

Então, o caminho da reforma seria outro. Seria aquilo que Gramsci propõe, de uma escola unitária, não profissionalizante, mas de formação geral, que possibilitasse aos jovens uma fundamentação consistente para eles circularem na vida social e na vida ocupacional. E é o que eu tenho traduzido também como um ensino médio unificado, cuja função seria para além do ensino fundamental, que já deve dar a fundamentação elementar nas várias áreas do conhecimento, como indica o currículo clássico da escola elementar, do ensino fundamental. Mas, no ensino médio isso deveria ser feito examinando-se como a ciência se converte em força produtiva no âmbito do processo de trabalho. Então, seria um ensino geral mas que iria além do domínio dos rudimentos científicos e teria tarefa de explicitar a forma como a ciência se converte em força produtiva.

E um dos elementos-chave disso agora é a questão das tecnologias eletrônicas, que hoje está disseminada, todo mundo hoje e quase ninguém sabe os fundamentos disso. Então, como o ensino com o conceito de definir o que deve prover os fundamentos científicos das múltiplas técnicas que caracterizam a produção moderna, hoje essas técnicas são predominantemente de caráter eletrônico. E o domínio desses conhecimentos se faz necessário para que nós não fetichizemos a tecnologia e também não  fiquemos na dependência do seu funcionamento e tratando-as como se fossem pessoas. Hoje os jovens relacionam-se com as máquinas como se fossem pessoas e não têm clareza do que tornou possível isso, que são as ciências matemáticas. Então, por aí é que faria sentido a reforma do ensino médio. Muito obrigado.