Filme Joaquim investiga resistência à colonização do Brasil
Embora seja centrado na figura de Joaquim José da Silva Xavier (1746-1792), o filme “Joaquim” é uma investigação sobre as circunstâncias em que ocorreu a tomada de consciência política do alferes, portanto desinteressado da formação mítica do rebelde mineiro Tiradentes. Outras visões cinematográficas como “Inconfidência mineira” (1948, dirigido por Carmen Santos), “Os inconfidentes” (1972, por Joaquim Pedro de Andrade), e “Tiradentes, o mártir da Independência” (1977, por Geraldo Vietri), investem mais no personagem que nos eventos históricos, mostrando o soldado do Império que se transformou no líder da Inconfidência Mineira.
Marcelo Gomes assistiu aos três longas sobre Tiradentes e gosta especialmente do filme dirigido por Joaquim Pedro de Andrade, Os Inconfidentes (1972). Todos, porém, abordam a Inconfidência Mineira e fortalecem o mito por trás do homem. “Esse homem que foi construído à semelhança de Cristo e mitificado pela República e a ditadura militar não me interessa. Quero a contradição dele, suas fraquezas e sua consciência política”, explica.
“A ideia era retornar ao Brasil colonial e aos cruéis processos de colonização, para falar das fraturas sociais que se produziram no país e que persistem até hoje. É um filme sobre o momento de conscientização política de um homem comum”, explica Gomes, em entrevista a O Globo. – Acho Berlim o festival ideal para a estreia de “Joaquim” porque, para além de sua vocação política, é um evento aberto ao público. Fico feliz em exibir o filme lá porque ele trata de um tema pertinente neste momento, porque a Europa teve participação decisiva nesses processos de colonização, que se estenderam por toda a América Latina, África e Ásia.
“Joaquim” teve origem em um convite feito quase dez anos atrás pela produtora espanhola Wanda Films, que desenvolvia uma série de filmes sobre heróis latino-americanos. Com a crise econômica de 2008, o projeto perdeu força entre os parceiros europeus, mas a ideia de fazer um longa-metragem a partir do personagem histórico permaneceu na cabeça do realizador.
“Quero tratar do homem e não do mito. O filme vai se ater sobre um período especifico da vida dele, quando constitui sua consciência política. O filme vai ser um crônica e não uma novela”, dizia o diretor ao Estadão, ainda antes da realização do filme. Assim, foi se confirmando a abordagem de um período da vida de Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, em que ele toma consciência dos problemas sociais ao seu redor e da exploração da Coroa Portuguesa. Isso acontece dez anos antes da Conjuração Mineira. “É nesse momento que o País está sendo forjado. Estamos falando de uma região que vivia o ciclo do ouro e de uma elite local que queria o poder político. Vou tratar das relações sociais estabelecidas naquele momento entre escravos, portugueses e brasileiros”, afirmava.
O diretor recorda-se de estar empolgado com as leituras sobre o processo colonial, livros de História, as biografias de Tiradentes, que resolveu continuar o projeto por conta própria, junto com seu produtor. Ele estava cada vez mais encantado pela figura do Joaquim, o homem comum, e pelo contexto em que ele viveu. “Eu me perguntava: O que motivou a transformação do Joaquim em Tiradentes? Queria imaginar como aquele soldado da Coroa portuguesa tinha virado um revolucionário, um inimigo de Portugal”.
O filme pode ser resumido como “uma ficção inspirada em fatos históricos”, que teve como norte o livro “Desclassificados do ouro: a pobreza mineira no século XVIII”, da pesquisadora Laura de Mello e Souza, que acabou se tornando consultora histórica da produção. “Joaquim” é uma coprodução com Portugal (minoritária) e conta com atores brasileiros e portugueses, filhos de africanos que conhecem os dialetos da África.
Gomes elogia o trabalho de Laura pelo que reúne no filme do caldo social em que as Minas Gerais estavam sendo construídas na época. “A partir do livro dela e das minhas pesquisas, construí uma ficção sobre as relações sociais em que o Joaquim viveu naquele Brasil colonial. Como ele conversava e se relacionava com as pessoas, como amava e vivia o cotidiano dele. Tento chegar a um personagem cheio de contradições, de desejos, de perguntas sobre o que ele estava sentindo e vivendo, e a partir daí falar do nascimento do Brasil que conhecemos, da nação que estava surgindo”. “Faço cinema para entender o que me foge a compreensão. Gosto de dividir com o espectador essa minha incompreensão a respeito do mundo, das pessoas e das coisas”.
Produzido com recursos do BNDES, da Petrobras e do Funcultura, o programa de fomento do audiovisual pernambucano, “Joaquim” está orçado em R$ 2,6 milhões e foi rodado nos arredores de Diamantina e não em Ouro Preto ou Tiradentes, tradicionais cenários das cinebiografias do inconfidente. “Aquela região tem a uma geografia dramática ideal para nosso filme, porque buscávamos uma paisagem que desse ideia da rudeza, da aspereza e das dificuldades do passado colonial. Diamantina tinha todos esses elementos. Tem lugares com muitas pedras, é uma região de garimpo, tudo o que precisávamos para construir o nosso personagem, porque ele faz uma grande viagem dentro do filme”.
O filme deve ser lançado no Brasil em 21 de abril, Dia de Tiradentes.