A formação intelectual e científica híbrida do jovem Henry Agard Wallace

A vida e a obra de Henry Agard Wallace (1888 – 1965) são propositalmente pouco referenciadas (e reverenciada) pela grande mídia e pela própria historiografia oficial estadunidense. Talvez o motivo seja justamente sua envergadura política pacifista e anti-imperialista. Um gigante da ação política e científica de sua época que marcou toda uma geração de lutadores que aspirava outro caminho trilhado pelos EUA, sobretudo após a Segunda Grande Guerra.

Wallace nasceu em 1888 no estado de Iowa. Era filho de uma família presbiteriana com forte ligação à agricultura e às ciências. Seu avô, Henry Wallace, ou simplesmente “Tio Henry”, foi um grande fazendeiro e entusiasta da modernização da agricultura, além de defensor da chamada “agricultura científica”. Em torno desse ideal, Tio Henry sempre militou em organizações extensionistas ligadas à agricultura e aos agricultores, impulsionando-os no intento de difundir, popularizar e implementar técnicas agrícolas mais apropriadas às condições locais.

O pai de Wallace, ao contrário da maioria dos fazendeiros da região, era literalmente um crente da aplicação dos princípios científicos à agricultura. Henry Cantwell Wallace foi reverendo, professor universitário, fazendeiro e editor de revista agrícola. Sua sólida formação acadêmica na área das ciências agrárias e a prática no setor agropecuário o credenciaram a assumir a Secretaria de Agricultura dos EUA durante os mandatos de dois presidentes da República: Warren G. Harding (1921-23) e Calvin Coolidge (1923–29).

Sua mãe, Carrie May Brodhead Wallace, era uma das poucas mulheres da época a ter frequentado a universidade, tendo se habilitado em música e arte. May Brodhead era também uma curiosa sobre botânica e pode-se dizer que foi ela quem introduziu seu filho primogênito aos estudos de botânica e genética. Como toda a família, também era muito religiosa.

Em “American Dreamer: The Life and Times of Henry A. Wallace”, biografia escrita por John C. Culver e John Ride, é relatado que tão normal quanto o milho ser debulhado ou o amanhecer de cada dia era o modo de se nascer em Iowa naquele tempo: sem médico ou parteira. Até mesmo a certidão de nascimento de H. A. Wallace só foi conseguida quando ele ocupava altos cargos públicos.

Ainda nessa obra, é realçado o fato de que embora em sua casa não dispusesse dos confortos da cidade grande, tais como banheiro, eletricidade, telefone ou mesmo água corrente, a residência da família Wallace era repleta de livros e ainda abrigava um velho piano que contribuíram na formação e inspiração das ideias progressistas que caracterizariam toda sua vida pública. Foi nesse ambiente familiar que se forjou o jovem Wallace.

Uma insólita e produtiva amizade

Envolto à vida no campo, morando na fazenda de seus pais e iniciado aos estudos de botânica por sua mãe – que desde cedo o ensinou a realizar cruzamentos entre várias espécies de plantas – Wallace conhece outro grande nome da história norte-americana que marcaria para sempre sua vida: George Washington Carver.

Foto: George Washington Carver em um laboratório na universidade de Tuskegee, Alabama, em 1938.

George Washington era filho de escravos e nasceu na escravidão. Sua mãe, irmã e ele próprio foram sequestrados por traficantes de escravos quando tinha apenas uma semana de vida. Somente ele foi resgatado e, a partir da abolição da escravidão, adotado pela família Carver.

Às duras penas, George conseguiu ser matriculado em uma escola pública, mas de tempos em tempos era obrigado a se mudar em busca de novas instituições que aceitassem negros naquela época. Mais tarde, chegou a ser aprovado na Highland University, no Kansas, mas foi impedido de se matricular pelo fato de ser negro.

Após trabalhar na lavoura, arando manualmente a terra e cultivando arroz e milho, Carver conseguiu economizar certa quantia em dinheiro para investir em sua educação, sendo admitido na carreira de botânica da Universidade de Iowa. Seu trabalho de conclusão de curso foi defendido em 1894 sob o título de “Plantas modificadas pelo ser humano”.

George continuou seus estudos em botânica no mestrado e se tornou o primeiro professor negro a ensinar na prestigiada universidade de Iowa, conduzindo pesquisas que lhe renderam reconhecimento em nível nacional.

Nesse período, George conheceu o pai de Wallace que havia sido seu colega e depois seu professor na universidade. Em razão de sua maneira gentil, enorme dedicação aos estudos e, sobretudo, sua devoção religiosa, a família Wallace tornou-se amiga de George que era convidado regularmente a frequentar a fazenda onde ele conheceu o jovem Henry que, desde então, já manifestava seu grande interesse pelas plantas e brincava em fazer cruzamento entre elas.

A amizade entre George Washington Carver e o jovem Henry Agard Wallace foi como um daqueles choques híbridos típicos de uma heterose em que os alelos positivos são evidenciados. Tamanha diversidade cultural em uma época marcada pela segregação racial ajudou na formação da personalidade de Wallace que cresceu e se desenvolveu nesse ambiente de respeito e tolerância ao próximo.

Ao mesmo tempo, essa amizade fecundou a vontade em Wallace de aprofundar seus estudos em botânica. Em seus passeios pelas pradarias de Iowa com seu novo amigo, aprendeu a identificar as estruturas botânicas das flores silvestres. E já aos dez anos, Wallace estava cultivando plantas em parcelas experimentais, demonstrando interesse pelos métodos estatísticos usados no melhoramento de plantas ensinados por Carver.

Aos quinze anos, Wallace já conduzia vários experimentos para demonstrar que o método convencional de melhoramento de milho da época, em selecionar indivíduos baseando-se apenas nos caracteres morfológicos desfocados da produtividade e do vigor, era incompleto. Dessa forma, os experimentos de Wallace corroboraram com a tese de não haver relação entre o rendimento com a “estética” da planta e introduziu o conceito de vigor híbrido típico do cruzamento entre linhagens distintas.

Wallace se graduou em 1910 com o título de bacharel em pecuária pela Iowa State College em Ames, Iowa. Durante seu tempo no estado de Iowa, Wallace trabalhou na equipe editorial do jornal de seu pai entre 1910 e 1924 e assumiu o papel de editor-chefe de 1924 a 1929. Pode-se dizer, também, que foi Wallace, mais do que qualquer outro indivíduo, que introduziu a econometria, uma forma de análise estatística utilizada por economistas, para o campo da agricultura.

Mais tarde, ocupando o cargo de Secretário de Agricultura no governo de Franklin Delano Roosevelt, Wallace lembrou carinhosamente de seu amigo Carver que nesta altura já era mundialmente famoso como o pesquisador que desenvolvera centenas de novas variedades de amendoim e batata doce: Ele “gostava de mim e me levou em suas expedições de estudos práticos de botânica, mostrando-me as flores e as partes delas. Eu me lembro dele dizendo a meu pai que eu o tinha surpreendido muito ao reconhecer o pistilo e os estames de uma gramínea. Também me lembro um pouco do seu entusiasmo ao ver que eu reconhecia essas partes. Mas de qualquer forma, seus elogios me incitaram a aprender mais”.

No início da Segunda Guerra Mundial, para contestar as hipóteses difundidas pelos nazistas de hierarquia racial, Wallace lembrou do velho amigo dizendo: “George Carver, nascido na escravidão, atualmente químico da Universidade de Tuskegee, especializado em botânica, introduziu-me aos mistérios da fertilização vegetal. Passei muitos anos melhorando milho geneticamente, pois esse cientista aprofundou minha compreensão de plantas de uma maneira que eu jamais vou esquecer. A capacidade superior não é exclusividade de uma raça ou de uma classe, desde que sejam dadas as oportunidades corretas aos homens”. 

Um novo produto para os agricultores

Em 1915 Wallace já produzia sementes de milho híbrido de alto rendimento. É a partir daí que desenvolve suas habilidades em estatística e escreve importante artigo em conjunto com George W. Snedecor, professor da universidade do Estado de Iowa, sobre correlações e regressões, publicando esses estudos estatísticos nas páginas do semanário agrícola da família.

Após assumir o cargo de editor desta publicação – que havia sido fundada por seu avô -, Wallace escreve intensamente sobre as virtudes de se usar sementes híbridas. Na época, a maioria dos agricultores não entendia absolutamente nada sobre o que Wallace escrevia a esse respeito.

Por isso, Wallace percebe a necessidade do trabalho de extensão e promove aquilo que podemos chamar na atualidade de “dias de campo”, ou seja, demonstrações práticas sobre a performance do desenvolvimento das variedades. Era preciso que o agricultor visse com seus próprios olhos e comparasse a produtividade entre as variedades e os híbridos da época.

Mais que isso, era necessário oferecer esse novo produto aos agricultores que desejavam adquirir essa inovação. Importante ressaltar que não foi Wallace quem “inventou” a semente de milho híbrido, mas certamente foi o maior entusiasta e divulgador dessa novidade.

Assim, como não havia lugares para os agricultores comprarem as sementes de milho híbrido, Wallace cria, em 1926, aquela que anos mais tarde se tornaria a maior gigante mundial na comercialização de sementes de milho do mundo: a Pioneer Hi-Bred Corn Company.

Inicialmente a empresa se chamava Hi-Bred Corn Company e se tornou a primeira e maior empresa de sementes híbridas do mundo. As pesquisas de Wallace foram uma das mais importantes contribuições genéticas de plantas de 1920 a 1940.

Para se ter uma ideia da aceitação do milho híbrido pelos produtores e do sucesso da empresa, em apenas dez anos, ou seja, entre 1933 e 1943, as plantações de milho no estado de Iowa saltaram de 1% para quase 100% da área semeadas com sementes híbridas.

Por uma dessas conhecidas ironias do destino, sua empresa foi comprada pela empresa da família da qual Wallace mais se indispusera politicamente, tanto na época em que era Secretário de Agricultura como quando era Vice-Presidente da República: os irmãos DuPont. Wallace os acusavam de, juntamente com outros oligarcas anti-Roosevelt, de se locupletarem imensamente com a guerra em conluio com os nazistas.

Ainda bem que não vivera para ver essa transação efetivada. A aquisição completada da Pioneer Hi-Bred International pela tradicional empresa da área química E. I. DuPont de Nemours & Company, com sede em Wilmington, Delaware, foi concretizada em 15 de março de 1999.

Foto: Wallace examinando espigas de milho, Des Moines, 1920.

O DNA político de Wallace

Wallace teve papel de enorme destaque atuando politicamente na superação da Grande Depressão de 1929. Ele ajudou a formular e administrar o New Deal – nome dado a uma série de ações implementadas no governo do presidente Franklin Delano Roosevelt, com o objetivo de recuperar e reformar a economia norte-americana. Como Secretário da Agricultura, desenvolveu programas de subsídios agrícolas e conservação dos solos, o que beneficiou todo o setor por décadas.

Oliver Stone e Peter Kuznick enfatizam em seu livro “A história não contada dos Estados Unidos” que “Roosevelt pediu para Wallace tomar as iniciativas que fossem necessárias para reparar o devastado setor rural do país”. Suas soluções foram polêmicas: “para interromper o excesso de produção, ele pagou aos fazendeiros para destruírem 25% das plantações de algodão. Também ordenou o abate de seis milhões de leitões. Embora garantisse a distribuição pelo Departamento de Agricultura da carne, da banha e do sabão resultante dos leitões mortos para os norte-americanos carentes, fazendeiros furiosos o atacaram. Wallace usou o rádio para defender seu programa, chamando-o de ‘uma declaração de interdependência’”.

Wallace explicava seu plano lembrando que “o impulso descontrolado de individualismo talvez tivesse justificativa econômica nos dias em que tínhamos todo o oeste para crescer e conquistar, mas agora o país se encheu e desenvolveu (…). Devemos indicar novos caminhos na direção de uma economia controlada do bom senso e da decência social”.

Stone e Kuznick destacam que “O plano de Wallace funcionou de maneira brilhante. O preço do algodão dobrou. A renda agrícola cresceu 65% de 1932 a 1936. Os preços do milho, do trigo e do porco se estabilizaram. E os agricultores se tornaram apoiadores ferrenhos de Wallace”.

Para um homem que passou anos aperfeiçoando uma classe de milho e que acreditava que uma oferta abundante de alimentos era fundamental para um mundo de paz, Wallace ficou horrorizado com a mensagem infeliz que essas políticas enviaram: “A destruição de quatro milhões de hectares de plantações de algodão e o abate de seis milhões de leitões em setembro de 1933 não foram atos de idealismo, em nenhuma sociedade saudável. Foram atos emergenciais, necessários por causa de uma falta quase insana de estadistas durante o período de 1920 a 1932.”

Durante seu primeiro ano em Washington, Wallace imprimiu um ritmo de trabalho intenso, para muitos, sem precedente. Nesse curto intervalo de tempo ele visitou todos os estados, fez 88 discursos sobre problemas agrícolas, comércio exterior e religião, além de ter escrito 22 artigos e três livros.

O povo estava entusiasmado com o governo Roosevelt que se opunha abertamente a Wall Street e culpava os grandes empresários pela depressão econômica que jogara milhões de americanos na miséria. Havia uma grande esperança em torno da recuperação econômica que já estava se iniciando e Wallace era um nome forte no governo, sendo considerado como um socialista por muitos.

Não era para menos. Como lembram mais uma vez Stone e Kuznick, Henry Wallace era símbolo do novo “capitalismo afetuoso” do New Deal. Além do mais, “declarou-se publicamente admirador dos programas sociais soviéticos que ofereciam sistema de saúde universal, educação pública e gratuita e moradia subsidiada para os cidadãos”. Para os pobres das cidades, Wallace fornecera auxílio-alimentação e merenda escolar. Instituiu programas para o planejamento do uso da terra e para a conservação do solo.

Os adversários de Roosevelt, sobretudo os republicanos e demais conservadores e anti-comunistas, ficaram ainda mais horrorizados quando a revista Time o estampou na capa como o sucessor natural de Roosevelt. A aceitação popular pelo nome de Wallace era enorme e, também por isso, tornou-se vice-presidente de Franklin Roosevelt ao seu terceiro mandato, em 1940.

Mas a indicação de seu nome não foi nada fácil. Pelo contrário, os líderes do Partido Democrata temiam as posições progressistas de Wallace. Havia uma forte pressão da ala conservadora do partido para rejeitar o seu nome que só cedeu após um contundente pronunciamento de Roosevelt por meio de uma carta direcionada aos delegados. Num dos trechos Roosevelt ressalta: “O Partido Democrata fracassou quando ficou sob controle daqueles que pensam em termos de dólares, em vez de valores humanos. Se o Partido Democrata não se livrar de todas as algemas do controle postas nele pelas forças do conservadorismo, da reação e da conciliação, não continuará sua marcha para a vitória. O Partido Democrata não pode encarar as duas direções ao mesmo tempo. Portanto, declino da honra da indicação de candidato à presidência.”

Como vice-presidente Henry A. Wallace assumiu muitas novas funções e tarefas, entre elas a de presidente do Supply Priorities and Allocations Board e do Board of Economic Warfare. A partir daí assume efetivamente o comando da economia nacional, para o desespero de Wall Street.

Foto: Cartaz de campanha de Wallace para vice-presidente dos EUA.

Wallace e o “Século do Homem Comum”

Ao contrário de alguns vices “decorativos”, aqui e acolá, Wallace teve enorme protagonismo no segundo governo Roosevelt. Era, muito provavelmente, o segundo homem mais popular dos Estados dos Estados Unidos nessa época.

No auge de sua popularidade, em 1942, Wallace profere talvez seu mais importante discurso, intitulado “Century of the Common Man” (Século do Homem Comum), em contraposição à ideia imperialista do “Século Americano”, defendida, por Wall Street e pelo magnata da mídia, Henry Luce, em referência à sanha intervencionista e militarista global norte-americana.

Nesse discurso, Wallace disse: “Alguns falaram do Século Americano. Afirmo que o século que estamos adentrando, o século em que sairemos dessa guerra, pode ser e deve ser o Século do Homem Comum… Nem as forças armadas nem o imperialismo econômico devem existir. A marcha da liberdade dos últimos 150 anos foi uma grande revolução do povo. Houve a Revolução Americana… A Revolução Francesa… as revoluções latino-americanas… A Revolução Russa… Todas falaram em nome do homem comum. Algumas se excederam, mas as pessoas forçaram seu caminho para a luz.”

Essa verdadeira conclamação para uma revolução pacífica mundial e pelo fim do colonialismo despertou preocupação em vários líderes da época, entre eles Winston Churchill, que encarregou seus agentes secretos nos EUA de espionarem Wallace, conforme nos revela Stone e Kuznik.

Ainda de acordo com esses autores, “era evidente que Wallace detestava o Império Britânico”. E em um de seus encontros com Churchill, Wallace relata: “Sem meias palavras, afirmei que achava que a ideia da superioridade anglo-saxã, inerente na postura de Churchill, era ofensiva para muita gente… Churchill, que havia bebido muito uísque, disse que não deveríamos nos desculpar pela superioridade anglo-saxã, afirmou que éramos superiores, que tínhamos a herança comum que dera certo ao longo dos séculos na Inglaterra e que fora aperfeiçoada pela nossa constituição”.

Em “A história não contada dos Estados Unidos”, é relatado que em março de 1943, Roosevelt enviou Wallace para uma missão diplomática na América Latina, como uma espécie de embaixador da boa vontade, encarregando-o de arregimentar países na luta contra o Eixo. “Na Costa Rica, 65 mil pessoas o saudaram, ou seja, 15% da população. Mais de um milhão de pessoas o aplaudiram durante seu deslocamento pelas ruas de Santiago, no Chile. O vice-presidente voltou do giro latino-americano com doze países declarando guerra contra a Alemanha. Era mais do que qualquer um imaginava possível.”

Em uma pesquisa realizada nos Estados Unidos para se saber a preferência dos eleitores democratas para a sucessão de Roosevelt, 57% escolheram Henry A. Wallace. Essa grande popularidade manifestada nas vésperas da convenção do Partido mobilizou toda a oposição de direita no país.

Foto: Wallace e Roosevelt. Parceiros de longa data, Roosevelt não pode evitar a vitória de Truman para ser seu vice em 1944.

A velha e conhecida “seleção natural” do imperialismo estadunidense

Meses antes da convenção eleitoral do Partido Democrata em 1944, que selaria a indicação do adoentado Roosevelt para o seu quarto e último mandato, houve um encontro importante entre os dois. Esse era o momento em que Wallace temia. No entanto, a reação foi positiva: “Pelo visto, o afeto do presidente por mim se manteve inalterado, pois me lembro de Roosevelt me puxando para perto de si e dizendo ao pé do meu ouvido: ‘Henry, espero que sejamos o mesmo e antigo time’”.

Certamente essa era a vontade de Roosevelt. Mas sua saúde debilitada não lhe permitiria grandes desgastes em lutar por seu desejo. No início da convenção, Roosevelt estava em San Diego. Impossibilitado de estar presente, enviou uma carta que dizia: “Se eu fosse delegado dessa convenção, votaria em Henry Wallace.”

Mas esse apoio soou fraco. Principalmente vindo de um presidente que na convenção anterior havia condicionado sua candidatura à escolha de Wallace como vice. Assim mesmo, Wallace continuava favorito.

Em uma pesquisa de opinião no dia de abertura da convenção revelou que nada menos que 65% dos convencionais apoiavam Wallace como vice-presidente, seguido de Jimmy Byrnes com apenas 3% dos votos e Harry Truman (que seria o escolhido no final da convenção) em oitavo lugar.

Wallace manifestou seu apoio à indicação de Roosevelt a concorrer a seu quarto mandato e, ousadamente discursou: “O futuro deve trazer salários iguais para trabalhos iguais, independentemente de sexo ou raça”. Era constantemente interrompido por aplausos e gritos de apoio. Talvez aí tenha assinado sua sentença de morte na política.

O humor político nos EUA havia mudado. Não se vivia mais o encanto do New Deal e a campanha do ódio aumentara exponencialmente entre os conservadores. Aquilo tudo se manifestara intolerável e, furioso, Ed Pauley, um cacique do Partido, ameaçou cortar o som de Wallace.

O senador Claude Pepper, como nos revela também Stone e Kuznik, “percebeu que se colocasse o nome de Wallace em votação naquela noite a vitória dele seria certa (…). Foi escandaloso. A confusão tomou conta do salão. Pepper alcançara o primeiro degrau do palco, ficando a apenas um metro e meio do microfone, antes que os caciques forçassem o adiamento contra a vontade dos delegados. Se ele tivesse indicado Wallace naquele momento, não há dúvida de que Henry Wallace teria sido escolhido vice-presidente de forma esmagadora.”

A partir daí há uma recomposição das forças que resultaria na escolha de Truman. Para isso, acordos foram desfeitos, cargos negociados e subornos de todos os tipos realizados. “Wallace começou a segunda votação firmemente na liderança, mas aos poucos perdeu terreno para Truman, quando os candidatos de Bob Hannegan (que lançara 16 candidatos de última hora para tirar votos de Wallace), cederam seus votos para Truman, um por um.” Com a saúde de Roosevelt seriamente debilitada, todos sabiam que era altíssima a probabilidade de o vice assumir o mandato. E foi justamente isso o que aconteceu.

Foto: Cartaz de Wallace para a presidência dos EUA em 1948. Com os EUA já inseridos no clima de guerra e ódio aos comunistas, palavras como paz e democracia já não mais seduziam o eleitor.

A chance perdida

No dia 6 de agosto de 1945 ocorreu um dos maiores crimes de guerra cometidos contra uma população civil de toda a história da humanidade. Diante de um Japão praticamente rendido, um bombardeiro B-29, apelidado de Enola Gay, lançou sobre a cidade de Hiroshima, uma bomba atômica, matando centenas de milhares de vítimas inocentes. Três dias depois foi a vez de outra cidade: Nagasaki. O secretário da Guerra de então, Henry Stinson, disse ao presidente que “não queria que os Estados Unidos ganhassem a reputação de superar Hitler em atrocidades”. Mas já era tarde. O presidente dos EUA já não era mais Roosevelt.

Roosevelt morreu poucos meses após assumir o cargo, vindo a falecer no dia 12 de abril de 1945. Poucas semanas antes, em um grande esforço, ainda se reunira com Stálin e Churchill em Ialta para selar importantes acordos entre os países aliados, despertando o otimismo em todo o mundo. A partir de Truman, uma nova era se iniciaria.

Seis dos sete oficiais norte-americanos de cinco estrelas que receberam a última estrela na Segunda Guerra Mundial – os generais MacArthur, Eisenhover e Arnold e os almirantes Leahy, King e Nimitz – consideraram as bombas atômicas “moralmente censurável, militarmente desnecessária, ou ambas as coisas”. Um dia após a destruição de Nagasaki, Wallace vaticinou: “É óbvio que a atitude Truman, Byrnes (Secretário de Estado) e dos departamentos de guerra e da marinha tendem a resultar em guerra mais adiante”. Esse era apenas o começo da chamada “Doutrina Truman” e seu rastro de sangue por todo o mundo.

O sonho do “Século do Homem Comum” defendido por Wallace havia morrido. Em seu lugar, dava início a uma escalada nunca antes vista na ideologia de supremacia dos valores norte-americanos. No dia 12 de março de 1947, Truman proferiu diante do Congresso Nacional um beligerante discurso, afirmando que os países capitalistas deveriam se defender da ameaça socialista. E essa “defesa” era o ataque. A partir daí surge a Guerra Fria e todos os males que dela se originaram com o anti-comunismo doentio dos EUA.

Muito oportuno, uma vez mais, é o apontamento de Stone e Kuznick, ao lembrar que “o homem que fez o melhor que pode para terminar o monopólio norte-americano da bomba atômica passou muito despercebido pela história”.

Wallace ainda concorreu à presidência dos EUA em 1948, mas seu legado e mensagem de paz em um país que já estava imerso no discurso da guerra e do ódio fez com que obtivesse menos de 3% dos votos.

Roosevelt, certa vez, dissera que “Nenhum homem era mais do solo americano que Wallace”. Após se retirar da política, Wallace voltou a se dedicar a agricultura e a cultivar o solo da pátria a quem tanto dedicou, trabalhando em sua fazenda experimental, desenvolvendo novos cultivares de plantas, incluindo milho, morangos e gladíolos, vindo a falecer em 1965. ]

 

REFERÊNCIAS:

Culver, J. C. e Hyde J. American Dreamer. The Life and Times of Henry A. Wallace. 608 pp. New York: W. W. Norton & Company, 2000.

Hyde, John. “Wallace, Henry Agard” The Biographical Dictionary of Iowa. University of Iowa Press, 2009. Consultado em: 15 de Janeiro de 2017.

Stone, O. e Kuznick. A história não contada dos Estados Unidos. 356 pp. São Paulo: Faro Editorial, 2015.

 

Luciano Rezende Moreira

Diretor de Temas Ecológicos e Ambientais da Fundação Maurício Grabois.