É bem sabido que o grande Vladimir Lênin foi estudioso de Carl Clausewitz, um formidável discípulo moderno de Napoleão Bonaparte.

Especialmente no deflagrar da súbita Revolução russa de 1905, os famosos escritos militares do general prussiano sofreram sistemático olhar de Lênin, influenciando-o fortemente na elaboração de seu pensamento tático e estratégico. Seu célebre estudo “Duas táticas da socialdemocracia na revolução democrática” datado desse ano, preconiza a participação ativa dos trabalhadores e seu partido na revolução burguesa que se processava, para aprofundá-la do ponto de vista dos interesses do proletariado e das massas populares. Segundo Henri Lefebvre (“O pensamento de Lênin”, Moraes, 1975), esta teoria pode ser designada como “leninista”, embora esboços já se encontrem em Marx e Engels.

Tomando-se Clausewitz, creio que não é reducionismo sintetizá-lo, no universo em foco, em duas ideias centrais: 1) a tática é o manejo da utilização das forças militares em combate; 2) a estratégia é o uso dos combates para os objetivos da guerra. Noutras palavras, a tática implica em tomada de posição imediata das forças em determinada ação; a estratégia desdobra as ações para o rumo geral do(s) alvo(s) perseguido(s) às grandes rupturas.

Pensador dialético, Clausewitz apreendeu que as “leis” da estratégia e da tática eram mutáveis, onde a história não era um livro de exemplos onde bastava os soldados a conheceram. Assim como a teoria militar, para ele a história estava marcada por uma diversidade constante; seu curso ampliava a compreensão e fortalecimento da capacidade crítica de julgar. Escreveu que era melhor – muito melhor – estudar uma campanha militar determinada em seus mínimos detalhes, do que buscar conhecer uma dúzia de guerras.

Elementos da tática leninista

Em Lênin, o conceito de tática também se estende às medidas que se referem a uma tarefa determinada, específica, pontual; ou a uma única esfera da luta de classes. A tática pode envolver o parlamento, a luta sindical etc. Um exemplo importante: após a derrota da Revolução de 1905, a aliança czarista e liberal-burguesa dissolveu o parlamento (a Duma), em 1907. A nova lei ampliava em muito a representação de latifundiários, e de burgueses industriais, restringindo radicalmente a exígua representação operária e camponesa. Já tendo defendido o “boicote” à participação do Partido, no passado, na Duma do Império russo, Lênin desta feita escreveu o artigo “Contra o boicote”. Nele, afirmou: “Estamos atravessando um período de pausa da revolução, no qual, a toda uma série de apelos, as massas sistematicamente deixaram de responder”, sendo então necessário mesmo sob uma lei reacionária, participar daquela Assembleia para retirar dela o que fosse possível. [1]

Ora, Lênin sempre se baseou na ideia de Marx e Engels que a teoria desenvolvida por eles “não é um dogma, mas um guia para a ação”. Eles criticavam acerbamente a simples memorização e repetição de ‘fórmulas’, de clichês em nome de sua doutrina. Mais ainda: para Lênin, além de ciência, e um guia para ação, o desenvolvimento da política marxista deve elevar-se à categoria de uma arte – marcadamente no sentido cognitivo, do aprendizado que emana da correlação entre teoria e prática. E prossegue, duramente, em sua “Primeira Carta. Análise da situação atual”, imediatamente após a Revolução de Fevereiro de 1917:

“(…) as coisas são mais originais, mais peculiares, mais variadas do que se podia ter esperado. Ignorar ou subestimar este fato significaria parecermo-nos com esses velhos bolcheviques que por mais de uma vez já desempenharam tão lamentavelmente um papel na história de nosso Partido ao repetirem disparatadamente fórmulas aprendidas de cor, em vez de estudarem as características específicas da nova e viva realidade” (“Cartas sobre a táctica”, Estampa, 1978).

Acertadamente, Losurdo [2] chama a atenção que, na atividade de Lênin, existe um aspecto muito pouco estudado, mas que apresenta uma dimensão ao mesmo tempo teórica e pedagógica: a luta contra a “frase revolucionária, altissonante e oca”. Que, escoimar e lutar persistentemente contra tal fraseologia é dever de todo movimento revolucionário consequente que não se deixa embalar “nas declamações e nas exclamações”, nomeadamente diante de grandes mudanças no quadro político (Lênin).

A força de Lênin estava em rechaçar esquemas teóricos rígidos que colidiam com os novos desenvolvimentos da realidade, particularmente nos momentos de viragens. Abstrações teóricas se afastam das condicionalidades concretas que emanam de uma realidade dada e seus novos fenômenos e acontecimentos. De outra parte, a complexidade da confluência de múltiplos fatores reclama o rigor na interpretação das “frestas” que se abrem – ou podem se abrir – no interior da muralha dos principais adversários de classe.

Em Lênin, não é possível levar adiante – e às últimas consequências – a relação entre tática e estratégia, sem que se procure compreender as leis de desenvolvimento histórico. Porque são nos anos e momentos de derrotas, de deserções e isolamento que os revolucionários devem aplacar a vacilação com os compromissos programáticos, tanto do ponto de vista do exame teórico profundo e experiente das batalhas políticas, como torna-se imperativo manter a firmeza ideológica.

E, todavia, não se deve esquecer que – escreve Lênin, em “Esquerdismo, doença infantil do comunismo” – cada grande derrota dá aos partidos revolucionários e à classe revolucionária uma verdadeira lição extremamente proveitosa: “uma lição de dialética histórica, de compreensão, de destreza e arte na direção da luta política. Os amigos se manifestam na desgraça. Os exércitos derrotados passam por uma boa escola”.

Mais uma vez enfático, ali Lênin se refere explicitamente ao problema do combate no terreno vantajoso para o inimigo principal, e não para os comunistas: para evitar o combate sabidamente de resultado desfavorável, a tática revolucionária dos comunistas deve “manobrar”, concertar “acordos e compromissos”, “não servindo para nada os políticos da classe revolucionária” que se recusam a assim agir. 

NOTAS

[1] Em: “O pensamento de Lênin”, Luciano Gruppi, Graal, 1979, p. 73-74.

[2]  Ver: “A luta contra a frase revolucionária e a Refundação marxista e Comunista”, D. Losurdo, Crítica marxista, v.1, n. 12, 2001, p. 118-132.