Velório de Papai Montero
Tu queimaste a madrugada
com o fogo de teu violão:
sumo de cana na cuia
de tua carne preta e viva,
sob a lua morta e branca.
o son te saiu redondo
e mulato, como a nêspera.
Bebedor de gole longo,
goela de folha de lata,
no mar do rum barco sôlto,
oh! ginete da festança:
que vais fazer com a noite,
se já não podes pegá-la,
e que veia te dará
o sangue que te faz falta,
se te fugiu pelo cano
negro de uma punhalada?
Agora sim, te acertaram,
Papai Monteiro!
No barraco te esperavam,
porém te trouxeram morto;
foi ruidosa a bebedeira,
porém te trouxeram morto;
dizem que êle era do peito;
porém te trouxeram morto;
faca não apareceu,
porém te trouxeram morto.
Tudo acabou, Baldomeiro:
zomba, canalha e rumbeiro!
Apenas há duas velas
queimando um pouco de sombra;
pra tua morte pequena
duas velas dão de sobra.
Mais que velas, te iluminam
a camisa colorada
que aluminou tuas canções,
o negro sal de teus sones,
e a carapina engomada!
Agora sim, te acertaram,
Papai Monteiro!
Hoje a lua amanheceu
no pátio de minha casa;
de ponta caiu na terra,
e lá se quedou cravada.
Os rapazes a colheram,
pra te lavarem a cara,
mas eu a trouxe esta noite
pra te servir de almofada.
Livro: Antologia Poética
Autor: Nicolás Guillén
Seleção e Adaptação: Ary de Andrade
Editora: Leitura