Peça 1 – Pedro Parente e as lições esquecidas

Em entrevista recente, o presidente da Petrobras Pedro Parente não viu diferenças entre empresas nacionais e estrangeiras. Deu como exemplo a indústria automobilística

Parente foi um dos grandes quadros gerados no serviço público. Depois, saiu para o setor privado, presidiu multinacionais do setor agrícola e se tornou um quadro da internacionalização. Deixou de ser um homem público. E, por tal, não se entenda apenas o brasileiro que trabalha no setor público. O Brasil já deu diversas vocações esplêndidas de empresários e executivos que, mesmo trabalhando apenas no setor privado, não perderam a dimensão de país: continuaram grandes brasileiros.

Não é o caso de Parente. Depois de uma carreira brilhante no setor público, inclusive como peça central para corrigir os estragos do “apagão”, foi para o setor privado, passou pela RBS, tornou-se presidente da Cargill e perdeu a dimensão de Brasil.

No blitzkrieg do mercado, logo após o golpe parlamentar, coube a ele o desafio mais relevante: o de assumir a presidência da Petrobrás e desmontar as missões que recebeu de ser a ponta de lança de uma nova política industrial. 

Para cumprir adequadamente sua missão, Parente combinou a venda de ativos em um mercado recessivo com o uso do caixa para quitação antecipada de financiamentos. Jamais aplicaria essa dupla combinação na Cargill, por ir contra todos os princípios de gestão financeira responsável.

Como técnico preparado, Parente sabe bem as diferenças fundamentais entre empresas de capital nacional e estrangeiro. Sabe que, no caso da indústria automobilística, a globalização das cadeias produtivas liquidou com os fornecedores nacionais de autopeças.

Como integrante da geração dos técnicos que beberam os ensinamentos de Michael Porter, sabe que a produção nacional é fundamental para o desenvolvimento tecnológico do país, para assegurar o crescimento, a geração de empregos de qualidade, as políticas de inovação, para permitir às pequenas empresas inovadoras serem a semente para os futuros grupos dinâmicos nacionais.

Mesmo com eventuais exageros, a política de conteúdo nacional da cadeia do petróleo e gás estava permitindo não apenas o fortalecimento de grandes fornecedores nacionais, mas o surgimento de um sem-número de pequenas empresas inovadoras, através do Prominp e de parcerias com o Sebrae. Além disso, promoveu parcerias tecnológicas entre fornecedores globais e empresas brasileiras, tendo como moeda de troca o poder de compra da Petrobras.

Se Parente não sabia, com um ano à frente da Petrobras, certamente já sabe.

Sabe – por ser bem informado – que estava sendo criada uma tecnologia nacional de ponta para prospecção em águas profundas, inclusive com a transferência, para o Brasil, de laboratórios de grandes multinacionais para trabalhos conjuntos com institutos de pesquisas e fornecedores internos.

Parente sabe, também, que sem desenvolvimento autônomo, o máximo que as empresas brasileiras aspirarão será o fornecimento de produtos de menor valor agregado, sem relevância tecnológica, com empregos de baixa qualidade.

No caso da licitação apenas com empreiteiras internacionais, nem isso. Terminado o trabalho, a empreiteira se retira do país não deixando nenhum legado.

Se não sabia, certamente já conhece o relatório do Banco Mundial, que realizou um mapeamento completo das experiências de Conteúdo Local (CL) em diversos países.

Foram analisadas as experiências da Noruega, Inglaterra e Austrália, África, Ásia e América Latina em diferentes períodos da história recente.

Os estudos do BM constataram as seguintes vantagens:

(1) aumenta o valor adicionado na economia;

(2) corrige eventuais falhas de mercado;

(3) auxilia na geração de empregos e outros objetivos sociais.

É exemplar a experiência da Noruega que desenvolveu empresas de classe mundial do setor e hoje exporta serviços de alto conteúdo tecnológico para todo o mundo. Descobriu sua vocação em um mundo globalizado.

No entanto, mesmo sabendo – ou tendo por obrigação saber – preferiu aliar-se ao ínclito Eliseu Padilha (ou seria o contrário) em uma posição que em nenhum momento leva em conta o chamado interesse nacional.

Vamos entender o que está em jogo na discussão sobre o CL (conteúdo local).

Peça 2 – a política de conteúdo nacional

Quem define a política de conteúdo nacional é o CNPE (Conselho Nacional de Petróleo e Energia).

Debaixo dele existe o Pedefor (Programa de Estímulo à Competitividade da Cadeia Produtiva, ao Desenvolvimento e ao Aprimoramento de Fornecedores do Setor de Petróleo e Gás Natural) e o Comitê Técnico Operativo.

Segundo o site do Pedefor, “os Comitês são formados por representantes da Casa Civil, Ministério da Fazenda, Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, Ministério das Minas e Energia, Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, ANP, BNDES e FINEP. A Secretaria-Executiva do Comitê Diretivo está a cargo do MDIC, sendo que essas instituições acompanharão e avaliarão permanentemente as políticas, trazendo novos elementos focados no estímulo do setor”.

No âmbito dos Comitês e do CNPE (nível de ministros), há dois posicionamentos: 

1.     O grupo de Eliseu Padilha – com Fazenda e Minas e Energia – defende um “Modelo Global de Conteúdo Local – CL”. Nele, se pretende um percentual de 10% de conteúdo nacional na fase de exploração e 23% na de desenvolvimento e produção, sem definição de áreas estratégicas. Esses números já são atendidos pela indústria nacional, sem necessidade de políticas públicas.

A proposta do MDIC é de um índice maior de CL definido por áreas:  (1) Exploração, (2) Construção de Poço, (3) Coleta e Escoamento da Produção e (4) Planta de Processo. Os índices variam de acordo com o ambiente operacional (terra, até 100 m de lâmina d´água e acima de 100 metros de lâmina d´água).

 

Os números nasceram a partir de estudos técnicos em cima de uma base de dados com informações fornecidas pela indústria operadora, indústria fornecedora, certificadoras (empresas contratadas que certificam se uma empresa atingiu ou não o índice de CL para um determinado produto); relatórios de investimentos das operadoras; e ofertas das operadoras com pesos e índices de conteúdo local nas 11a e 13a rodadas de licitações de blocos exploratórios. Depois, houve duas audiências públicas com associações do setor.

Já as propostas negociadas por Padilha não vieram acompanhadas de nenhum estudo técnico.

No caso brasileiro, o CL levou em conta critérios de competitividade em custo, prazo de entrega e qualidade. Os operadores levaram em conta parâmetros técnicos internacionais, a tecnologia existente, prazo de entrega, capacidade de oferta da cadeia de fornecedores.

Peça 3 – os problemas do setor

Os problemas que ocorreram nos últimos anos – explorados com estardalhaço pela mídia – foram muito mais decorrentes da conjuntura internacional e de problemas internos da Petrobras do que do CL.

No período 2000 a 2014, com o boom do petróleo, houve um aumento inédito do investimento, com alta utilização da capacidade da indústria e atrasos frequentes na entrega de bens e serviços globalmente. A consequência foi uma inflação de preços e, em 2014,  o maior faturamento global da cadeia de fornecedores da história.

Brasil, mais especificamente nos três últimos anos, os problemas de gestão da Petrobras na sua relação com fornecedores chaves impactaram a construção offshore nacional, envolvendo inclusive a suspensão de pagamentos e interrupção de contratos.

De um lado, devido à compressão das tarifas. De outro, devido ao atabalhoamento de Graça Foster que, assumindo a presidência da empresa, cheirou a corrupção que se instalara, mas sem experiência para identifica-la, acabou concentrando em seu gabinete a liberação de todos os pagamentos, provocando um congestionamento inédito no fluxo de pagamentos da empresa.

Mesmo assim, os operadores sempre tiveram à mão o instrumento do “waiver”, a possibilidade de não seguir o CL em casos justificados.

Nada disso tem relação com a política de conteúdo local. Os atrasos nas entregas e preços excessivos foram um fenômeno global.

Peça 4 – as propostas racionais

O fim do CL vai afetar segmentos relevantes da indústria nacional, que não terão sequer condições de honrar seus passivos. Haverá o sucateamento do setor com grande impacto sobre a inadimplência bancária, e enorme desperdício dos recursos públicos já empregados na reconstrução do setor. O desmonte da indústria naval está queimando empregos altamente qualificados por todo o país, destruindo regiões que tinham renascido. Dia desses, o Miguel Nicolelis me dizia que, em uma viagem à Coreia, o renascimento da indústria naval brasileira, competitiva, era fonte de preocupação geral (a Coreia ocupou o lugar do Brasil quando a indústria naval brasileira foi destruída nos anos 80).

Um pacto sério de aprimoramento do CL contemplaria os princípios abaixo, já apresentados nas reuniões técnicas:

 (1) compromisso com o aumento da competitividade geral da indústria e dos setores priorizados;  

(2) formas transparentes de medição do desempenho (produtividade e/ou exportação, por exemplo);

(3) cláusulas bastante claras da duração do apoio governamental;

(4) um conjunto de intervenções adicionais entregue pelo governo ao setor privado (como infraestrutura, regulação e educação), e;

(5) uso de estratégias ativas de atração de investimento com vistas a atualização tecnológica em certos setores em parceria com empresas estrangeiras.

No entanto, o Brasil entrou em uma era de trevas, na qual Parente e a Lava Jato ajudam a destruir setores inteiros da economia. Depois, celebram o retorno à Petrobras, de sobras da corrupção, que não chegam a um milésimo do que o país está perdendo com a destruição de riqueza.