O ministro da Cultura, Roberto Freire (PPS-SP) provocou um bate-boca na entrega do Prêmio Camões, na manhã desta 6ª feira em São Paulo. Premiado, o escritor Raduan Nassar, 87, leu discurso com críticas ao governo de Michel Temer e ao ministro licenciado da Justiça, Alexandre de Moraes.

O escritor Raduan Nassar fez um discurso explosivo e antigoverno ao receber a premiação. Após atacar o agraciado pelo prêmio, o ministro reagiu a gritos de ‘Fora Temer’ vindos do público e discutiu com pessoas que se manifestaram.

Em nota, o Ministério da Cultura culpou o PT pelo fato.

Assista ao vídeo postado no twitter pela jornalista Carol Pires, colaboradora da versão em espanhol do New York Times:

 

“Vivemos tempos sombrios, muito sombrios”, afirmou o escritor. Em seu discurso, Nassar afirmou que há um golpe “consumado” no Brasil após impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.

Sobre Moraes, o escritor disse: “Com currículo mais amplo de truculência, Moraes propiciou também, por omissão, as tragédias nos presídios de Manaus e Roraima”.

Freire discursou em seguida. Irritado, o ministro sugeriu que Nassar abrisse mão do prêmio de 100 mil euros. “Quem dá prêmio a adversário político não é a ditadura”, disse.

“Que os jovens façam isso [chamar o governo Temer de golpista] já seria preocupante, mas não traria esta perplexidade de confundirmos, e vocês aqui presentes evidentemente são testemunhas de que não há nenhuma confusão, o momento democrático que vive o Brasil.”

Roberto Freire se disse “perplexo” ao ver o discurso de “pessoas com idade em que viveram um efetivo golpe nos anos 1960”, com “forças armadas reprimindo, torturando, fazendo desaparecer, criando exílio para muitos dos nossos patriotas”, fazerem uma “confusão” da Ditadura Militar com o momento atual. “Vocês aqui presentes evidentemente são testemunhas de que não há nenhuma confusão do momento democrático que vive o Brasil”, disse o ministro.

Neste momento, o público começou a interromper a fala com risos e vaias. “Quem dá prêmio a um adversário político não é a ditadura, a ditadura não reconhece”, rebateu Roberto Freire. Ao dizer que o prêmio é “dado pelo governo democrático brasileiro”, outras pessoas começaram a aplaudir o ministro, enquanto gritos negativos também continuavam.

“É fácil fazer manifestação em um governo como esse, como o atual, que permite momento de reconhecimento, porque aqui não vale a política ou o reconhecimento político, mas o valor do literário, o escritor”, disse Roberto Freire, enquanto pessoas interrompem e discutem entre si.

“Nós respeitamos que o agraciado dissesse o que quisesse e imaginasse, e isso é próprio da democracia”, disse o ministro. Um dos presentes protestou: “Hoje é dia do Raduan, não é seu”. Roberto Freire rebateu: “Uma das coisas de parlamento que se preze é que as pessoas respeitem o orador na tribuna. E isso é próprio da democracia.”

“Vocês estão aqui dando testemunho da democracia que vivemos. É um adversário político político do governo recebendo um prêmio do governo que considera ilegítimo, mas não é ilegítimo para o prêmio que ele recebeu”. Raduan Nassar permaneceu em silêncio, sentado ao lado do ministro. Roberto Freire também disse que “a narrativa do golpe é de quem não conhece as Constituições brasileiras desde a Primeira República.”

O público passou a gritar “viva Raduan”, e Roberto Freire disse: “Ele desrespeitou a todos nós”. Após um coro de presentes que discordavam da frase, o ministro continuou: “Por isso mesmo o ministro da Cultura do governo veio trazer o prêmio e ele aceitou, e vocês estão aqui querendo impedir que nós falemos. Esse histrionismo oposicionista evidentemente tem seus dias contados. Até porque não vai haver volta Dilma”, disse o ministro.

“O Raduan, pela sua obra, não merecia isso de vocês. Merecia, sim, o prêmio que o governo brasileiro está dando junto com o governo português”, finalizou Roberto Freire, antes de sair sob aplausos e vaias.

LEIA ABAIXO A INTEGRA DO DISCURSO DE NASSAR E A RESPOSTA DO MINISTÉRIO DA CULTURA:

“Excelentíssimo Senhor Embaixador de Portugal, Dr. Jorge Cabral.

Senhor Dr. Roberto Freire, Ministro da Cultura do governo em exercício.
Senhora Helena Severo, Presidente da Fundação Biblioteca Nacional.
Professor Jorge Schwartz, Diretor do Museu Lasar Segall.
Saudações a todos os convidados.
Tive dificuldade para entender o Prêmio Camões, ainda que concedido pelo voto unânime do júri. De todo modo, uma honraria a um brasileiro ter sido contemplado no berço de nossa língua.
Estive em Portugal em 1976, fascinado pelo país, resplandecente desde a Revolução dos Cravos no ano anterior. Além de amigos portugueses, fui sempre carinhosamente acolhido pela imprensa, escritores e meios acadêmicos lusitanos.
Portanto, Sr.Embaixador, muito obrigado a Portugal.
Infelizmente, nada é tão azul no nosso Brasil.
Vivemos tempos sombrios, muito sombrios: invasão na sede do Partido dos Trabalhadores em São Paulo; invasão na Escola Nacional Florestan Fernandes; invasão nas escolas de ensino médio em muitos estados; a prisão de Guilherme Boulos, membro da Coordenação do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto; violência contra a oposição democrática ao manifestar-se na rua. Episódios todos perpetrados por Alexandre de Moraes.
Com curriculum mais amplo de truculência, Moraes propiciou também, por omissão, as tragédias nos presídios de Manaus e Roraima. Prima inclusive por uma incontinência verbal assustadora, de um partidarismo exacerbado, há vídeo, atestando a virulência da sua fala. E é esta figura exótica a indicada agora para o Supremo Tribunal Federal.
Os fatos mencionados configuram por extensão todo um governo repressor: contra o trabalhador, contra aposentadorias criteriosas, contra universidades federais de ensino gratuito, contra a diplomacia ativa e altiva de Celso Amorim. Governo atrelado por sinal ao neoliberalismo com sua escandalosa concentração da riqueza, o que vem desgraçando os pobres do mundo inteiro.
Mesmo de exceção, o governo que está aí foi posto, e continua amparado pelo Ministério Público e, de resto, pelo Supremo Tribunal Federal.
Prova da sustentação do governo em exercício aconteceu há três dias, quando o ministro Celso de Mello, com suas intervenções enfadonhas, acolheu o pleito de Moreira Franco. Citado 34 vezes numa única delação, o ministro Celso de Mello garantiu, com foro privilegiado, a blindagem ao alcunhado “Angorá”. E acrescentou um elogio superlativo a um de seus pares, o ministro Gilmar Mendes, por ter barrado Lula para a Casa Civil, no governo Dilma. Dois pesos e duas medidas
É esse o Supremo que temos, ressalvadas poucas exceções. Coerente com seu passado à época do regime militar, o mesmo Supremo propiciou a reversão da nossa democracia: não impediu que Eduardo Cunha, então presidente da Câmara dos Deputados e réu na Corte, instaurasse o processo de impeachment de Dilma Rousseff. Íntegra, eleita pelo voto popular, Dilma foi afastada definitivamente no Senado.
O golpe estava consumado!
Não há como ficar calado.
Obrigado”

MINC RESPONDE

O Ministério da Cultura (MinC) lamenta, mais uma vez, a prática do Partido dos Trabalhadores em aparelhar órgãos públicos e organizar ataques para tentar desestabilizar o processo democrático. Durante a cerimônia de entrega do Prêmio Camões de Literatura, em São Paulo, o ministro da Cultura, Roberto Freire, teve sua fala interrompida por manifestantes partidários, sinal de desrespeito à premiação oficial dos governos de Brasil e Portugal.

Considerada a mais importante distinção da Língua Portuguesa, o prêmio concedeu 100 mil euros (sendo 50 mil euros arcados pelo MinC) ao escritor brasileiro Raduan Nassar.

O agraciado foi respeitado por todos durante sua fala, ao contrário do que ocorreu com o ministro da Cultura, interrompido de forma agressiva. Apesar de ser um adversário político do governo, Raduan recebeu o prêmio, legitimando sua importância. Uma premiação literária com essa dimensão não merecia esse comportamento intolerante de alguns, que tentaram partidarizar o evento.