Debate sobre Reforma da Previdência expõe contradições do governo
Os dois especialistas analisaram o quadro em que se coloca a proposta de reforma, expondo contradições na iniciativa do governo. Destacaram que, ao contrário do discurso oficial, a Previdência não está quebrada. A reforma, como foi colocada, penaliza os trabalhadores ao estipular idade mínima de aposentadoria de 65 anos, para homens e mulheres, e 49 anos de contribuição. Além disso, revoga as regras de transição para aqueles que, pelo regime atual, estão próximos à aposentadoria. A intenção real seria a de destruir a Previdência pública para entregá-la à iniciativa privada, concluem.
Ofensiva neoliberal desde o fim do muro
O professor Sérgio Pardal argumentou que a Previdência pública vem sofrendo ataques a partir do recrudescimento da onda neoliberal no mundo, ocorrida principalmente após queda do Muro de Berlim, em 1989. No Brasil, as iniciativas contra o sistema de seguridade social, definido na Constituição de 1988, ocorreram em três momentos distintos: durante os governos Collor e FHC e agora, na gestão Temer.
“Eles acabam com todos os benefícios de caráter voluntário. A aposentadoria por tempo de serviço, que mudou para tempo de contribuição some, não existe mais. Sobra só a lei. E não estou nem falando da aposentadoria especial. Essa eles estão querendo bater há muito tempo. Lembrem-se sempre, a aposentadoria especial é aquela devida aos trabalhadores em condições insalubres, periculosas ou penosas”, pontuou Pardal.
“Sobra somente a aposentadoria por idade, que passaria a ser 65 anos para todo mundo. Na cabeça dele, homem e mulher é tudo a mesma coisa, trabalhador urbano ou rural. É tudo igualzinho, igualzinho. E ainda por cima tendo como carência, ao invés dos 15 anos que a lei determina hoje, seriam 25 anos para ter direito ao benefício”, complementou o professor.
Na avaliação do especialista, a proposta de reforma previdenciária traz embutido um “saco de maldades”, pois obriga a contribuição por 49 anos mas, na verdade, nem isso garantiria a aposentadoria pelo último salário. “A base de cálculo não é o salário, é a média contributiva. E aí vem a loucura toda. Eu briguei com muita gente por causa disso. Colocaram a porcaria da média dos maiores salários, que representa 80% de todos. Na época, eu dizia assim, pior que isso não vai existir nunca. Eu estava equivocado. Esse cara consegue fazer pior ainda. Ele está trabalhando para que a média se faça por todas as contribuições do trabalhador brasileiro”, argumenta.
“A média é a totalidade dos salários e vai se calcular em 51% dessa média mais 1% para cada ano de contribuição. Por isso que só aos 49 anos o sujeito teria direito. Mas vamos radicalizar. Esta fórmula de cálculo também vai valer para aposentadoria por invalidez. Então vocês imaginem, a pessoa trabalhou dez anos. Teve um acidente que não é do trabalho, ficou totalmente incapacitado. Ele se aposenta com 61% da média. O saco de maldades é enorme”, destaca Pardal.
As regras de transição no serviço público mereceram destaque na avaliação do professor da Universidade Santa Cecília. Ele ressalta que os servidores que estão no sistema, mas ainda não completaram as exigências para se aposentar, têm direito a uma transição, pois têm uma “expectativa de direito”.
“Se eu tenho expectativa de direito, na mudança da regra eu tenho uma regra de transição, eu não posso mudá-la depois. Mas é isso que ele está fazendo. É onde o governo golpista pretende efetivamente economizar, nas regras de transição dos servidores públicos. Os servidores públicos que tiveram na Emenda 41 e na Emenda 47, obra e graça do governo Lula, um avanço muito grande nas regras de transição, ainda mantendo o direito de se aposentar pelo último salário como paridade de reajuste, é aí que o cara quer pegar. É aí que ele quer faturar financeiramente na sua redução”, pontua.
Jabuticaba que surgiu da luta
Para Carlos Gabas, não existe como emendar a PEC 287, da reforma previdenciária, pois ela acumula equívocos tanto na forma – por não ter sido discutida amplamente – quanto no conteúdo. “A única forma de fazer justiça é negar o projeto”, assevera Gabas. O ex-ministro da Previdência enfatizou a ideia de que qualquer modificação em uma política tão fundamental não pode ser implementada sem que haja discussão com a sociedade.
“O grau de proteção que o nosso sistema tem no país é enorme. Não dá para comparar. Não existe país no mundo que tenha a dimensão do Brasil, a quantidade de população e o tamanho da desigualdade regional, social, econômica. Nós somos um país de muita desigualdade. E as políticas de previdência social do Brasil não têm igual. Costumo dizer que é uma jabuticaba. Por que elas foram construídas ao longo da luta dos trabalhadores. Não foi um negócio pronto e acabado. Ela vem se aperfeiçoando e, na Constituição de 1988 se consolidou o conceito de seguridade, previdência, assistência e saúde”, assinalou.
Gabas fez uma explanação sobre o histórico da Previdência brasileira, que teve um salto qualitativo a partir da Constituição de 1988, quando se consolidou o conceito de seguridade, previdência, assistência e saúde.
“Depois do conceito de universalização do SUS, e consolidado também na Constituição o conceito de seguridade universal, abrangente, igualitária, aí mudou a situação. Então, hoje, há o conceito de seguridade. Hoje, não, desde a Constituição, que prevê saúde universal não contributiva; assistência social universal, não contributiva; Previdência Social contributiva, com cálculo atuarial, com projeção, com sustentabilidade. Então, por que eles estão dizendo que a Previdência está quebrada?”, questionou.
O ex-ministro destacou que o governo divulga informação falsa para veicular um déficit inexistente. Ao expor o orçamento da Previdência, a gestão Temer não contabiliza a parte que deveria ser arcada pelo Tesouro. Com isso, ignora-se o artigo 195 da Constituição, que define a origem do financiamento da Previdência como decorrente de um esforço da sociedade, envolvendo recursos dos municípios, estados, União, além das contribuições dos trabalhadores e das empresas.
” Nós vínhamos com superávit no modelo urbano, e é importante diferenciar do rural, ambos são previdenciários, mas a estrutura de financiamento é outra. O urbano é folha de salários. O rural não tem folha de salário. Não dá para misturar as coisas. Eles somam tudo e misturam. Rural é contribuição sobre a produção, 2,1%. O constituinte já sabia que isso não era suficiente e criou o Cofins e a CSL, que nunca vieram para a conta da Previdência. Claro que vai faltar dinheiro para o rural. Aí misturam tudo e falam ‘tá quebrado’. Não está quebrado. O urbano acumulou superávit sucessivo durante sete anos, em média, 30 bilhões/ano. Como é que esse sistema está quebrado? “, argumentou Carlos Gabas.
Gabas ressaltou a importância da Previdência como política pública voltada à diminuição da pobreza, que gera distribuição de renda e melhoria na qualidade de vida da população. Destacou ainda que o aumento da expectativa de vida da população, aliado à redução da natalidade, não devem ser vistos como um problema, que onera a Previdência. Esses fatores, ressaltou, são conquistas da sociedade. Caberia aos governos buscar formas de financiar essa situação e não reduzir direitos.
” Para nós o objetivo central é a proteção da sociedade. O modelo nosso é adequado. Precisa ser aperfeiçoado e consolidado. O meio para isso é buscar recursos. Os países que migraram conseguiram colocar parte, inclusive, dos seus recursos naturais para financiar a proteção social. Esse é o nosso caminho”, concluiu o ex-ministro.