Um alerta ao clima antipartidos da Operação Lava Jato
“Não podemos prescindir dos políticos e dos partidos. Não existem alternativas reais a não ser que abdiquemos de fazer democracia”, disse Reis à Folha. A seguir, trechos da entrevista.
Folha – Qual é o impacto das aberturas de inquéritos para o sistema político brasileiro?
Fabio Wanderley Reis – O impacto imediato é muito negativo, porque instaurou um clima amplamente antipolítico no país. A Operação Lava Jato vem sendo conduzida de uma maneira que coloca em suspeição a vida política.
Existe a perspectiva de um ganho mais profundo ao apurar crimes contra gente que normalmente tende a ficar impune. Mas ainda não está claro se vamos chegar a esse saldo positivo.
O sr. diz que a Lava Jato coloca em suspeição a atividade política, mas as investigações efetivamente demonstram uma corrupção disseminada.
O problema é que não podemos prescindir dos políticos e dos partidos. Não existem alternativas reais a menos que abdiquemos de fazer democracia e comecemos a acreditar, a exemplo do que certos extremistas sustentam, que devemos passar o comando para os militares.
Não sou contra punir a corrupção. O desejável seria que pudéssemos separar o joio do trigo, punindo os corruptos, mas reconhecendo os partidos como algo indispensável.
Em nome de preservar a soberania popular, não podemos deixar cada um por si só. O indivíduo isolado não pode ser o protagonista da política.
Qual o principal problema gerado pelo clima antipolítico?
O principal problema é a incerteza. Criar instituições que funcionem estavelmente de maneira democrática já é um grande desafio. Torna-se ainda mais difícil se colocarmos em suspeição a atividade política, sem a qual não vamos poder administrar o país. Você destrói tudo sem colocar nada no lugar.
Qual é a alternativa real? Não é liquidando os partidos e desmoralizando a própria ideia da existência de partidos que vamos resolver a situação. Parte do problema vem desse enfrentamento odiento entre PT e PSDB que já ocorre há tempos, principalmente na disputa pela Presidência, mas que agora ganhou proporções inéditas.
Nunca tivemos algo parecido com o ódio que vivemos neste momento. Nem mesmo na mobilização anticomunista que culminou no golpe de 1964. A relação desse ódio com a Lava Jato é inequívoca.
Existe hoje o risco de uma ruptura institucional tão forte quanto quanto a que ocorreu em 1964?
É difícil dizer. Não há sinais de que vamos transitar nessa direção num futuro próximo. Até onde sabemos, as Forças Armadas não têm se manifestado nesse sentido.
Mas, com o nível de incerteza que se criou, não dá para deixar de considerar essa possibilidade. As coisas estão suficientemente mal paradas para que isso emerja como possibilidade real.
Como isso vai acabar? Nós vamos ficar esperando a Lava Jato e seus numerosos desdobramentos? Como vai ser o processo eleitoral que teremos daqui para frente?
Como vamos construir partidos consistentes com essa caça desabrida a corruptos em que se transformou a política nacional? É desalentador.
Esse clima de descrença na política pode impulsionar candidaturas de salvadores da pátria em 2018? Pode favorecer, por exemplo, o deputado Jair Bolsonaro?
Acho que sim. Já tem ocorrido um apoio surpreendente para essas figuras. Isso surge com um subproduto da psicologia odienta que estamos vivendo e do clima exageradamente purista em relação à política. Acabamos compondo um caldo de cultura com vários aspectos negativos.
Como reconstruir os partidos sem dar um aval implícito à corrupção?
A maior dificuldade é que você não faz partido sem um processo sociologicamente complicado e viscoso. Veja o exemplo do PT, que foi a grande novidade entre os partidos políticos brasileiros.
Prometia ser consistente, com uma retórica ideológica, com compromissos sociais, que teve uma atuação significativa, com impactos de distribuição de renda.
Tinha a vantagem de misturar esse acervo de consistência com o fato de ser atraente de um ponto de vista até populista por conta da atração popular exercida pela figura do Lula.
Mas o PT foi atingido porque repetiu práticas corruptas que ele mesmo atacava.
É bom recordar que, quando o PT tinha um discurso radical e não estava com o carimbo de corrupção na testa, o que se demandava é que o partido fosse realista.
A sociedade pedia ao PT que mitigasse o discurso radical e tratasse de compor com o jogo da política. Então, o PT para administrar se compôs com o PMDB, como o PSDB também fez.
O problema é que, quando cobramos realismo, fica difícil estabelecer limites. Vamos comprar apoio de deputados para aprovar projetos? Onde é que para? E isso ocorreu com todos os partidos.
Que tipo de reforma política o Brasil deveria buscar para resolver essa situação?
Precisamos tentar ter um financiamento público de campanha combinado com o privado, expurgando aspectos complicados desse último.
Ficou patente que o financiamento privado sem limites leva empresas a comprar por atacado sucessivos governos, influenciando na aprovação de medidas provisórias.
Logo, precisamos do financiamento privado de maneira adequada, por exemplo, feito pelos cidadãos individuais e autorizando limites fixados em termos absolutos.
Também é preciso aliar essas medidas ao fortalecimento da Justiça Eleitoral, para o qual o voto em lista seria muito importante. Em vez de controlar o voto em cada candidato, a Justiça teria que supervisionar o voto num partido.
O senhor é favorável ao voto em lista? Existe clima para isso hoje no Brasil?
O voto em lista é adotado em vários países e é muito importante para a consolidação dos partidos. É claro que isso pode ser criticado se cair nas oligarquias partidárias. Mas você pode criar legislações que democratizem a atividade partidária como, por exemplo, obrigando a realizar convenções para escolher os candidatos.
A grande dificuldade dessa alternativa é que ela está desacreditada, porque a imprensa em peso e pessoas respeitáveis entendem de maneira equivocada a atividade política e a atividade partidária em particular. No momento, a situação é muito complicada. Reconheço que é difícil vender esse peixe.
Alguns especialistas já propuseram a criação de uma constituinte para a reforma política. Qual é a sua opinião?
Não sei se dá para começar do zero nesse clima. A própria criação da constituinte já envolveria um golpe de forças. Não temos respaldo legal para isso no momento.
O que a Constituição prevê se o governo Temer for caçado é eleição indireta no Congresso. Vamos cancelar isso e convocar uma constituinte? Quem tem autoridade para isso? O STF não tem competência para isso.
Publicado em Folha de S. Paulo