As mentiras do general e a curva do “S” de Temer e Jatene
Sim, general, eram trabalhadores rurais os chacinados em Pau D´arco, sul do Pará. Não eram quadrilheiros, bando de malfeitores ou criminosos de índole vil, como corrupiões zangados. Era gente, general.
No corolário da tragédia anunciada desta Amazônia tão espoliada e ultrajada, cometes, caro Jeannot Jansen, mais um tosco crime contra a consciência social de nosso povo: o da mentira. E a mentira não têm só pernas curtas, ela, sobretudo, alimenta a impunidade.
A primeira mentira é a do confronto, de que os ocupantes da fazenda Santa Lúcia teriam recebido agentes de segurança do estado à bala. Um escarcéu vergonhoso tentou ser montado com a apresentação de armas de caça, numa região onde todo camponês tem sua vinte. O que não for espingarda de caça sugere mais um “plantio” das carabinas, conhecemos bem essa prática.
A segunda mentira, histórica, é de que os trabalhadores são “invasores”. No alvorecer pérfido das explicações governamentais uma profunda ignorância – será? – sobre as últimas cinco décadas na Amazônia e todo processo que a penetração do capital ensejou na maior – e mais abandonada – região do país. Aqui, a grilagem corre solta com o apoio da polícia, cartórios, judiciário, governos e políticos picaretas. O Pará, segundo os registros cartorários, têm quadro vezes o seu tamanho.
A família Babinski, supostos proprietários da fazenda Santa Lúcia, são denunciados em transformar terra pública – que deveria servir para assentar pequenos agricultores – em pasto privado, com direito à jagunços, decisão judicial, proteção do generalíssimo e meganhas de dedos mais que quentes.
A terceira mentira é a própria descaracterização do perímetro da chacina. Como, em sã consciência, policiais experientes devassam o local e só apresentam os mortos em Redenção? Essa turma não assiste CSI?
Um engodo macabro vai se enredando e a mentira dança com as botas do satanás. Nessas horas sinto saudades do Ariano Suassuna.
Todos sabemos – ou devíamos saber – que o Pará é um reino de grileiros, latifundiários, pistoleiros e gatos do trabalho escravo. Há décadas que ostentamos os mais infames números e continuamos no topo do ranking da violência no campo.
Muitos acadêmicos e jornalistas já escreveram sobre isso e os movimentos sociais, por décadas, têm denunciado que a disputa de terras – sempre violenta contra os empobrecidos do campo – é a expressão cruenta da fronteira amazônica.
Mas não interessa se trabalhadores viram defuntos, apenas neste mês de maio 17 foram mortos em solo paraense. Não é mesmo? Hoje, exatamente hoje, um dia após a chacina, 35 trabalhadores rurais foram presos em Canaã do Carajás (PA) sob acusação de esbulho e formação de quadrilha.
Em meio à crise política no país, marcado pelo golpe midiático e desmonte dos direitos sociais e trabalhistas, o episódio em Pau D´arco confere ao ilegítimo Temer e ao tucano Jatene – a cada um – uma curva do “S”. Tal curva foi onde 19 trabalhadores foram mortos em 1996, em Eldorado dos Carajás, numa ação da PM paraense.
O impostor que ocupa o Palácio do Planalto têm sob seus ombros a responsabilidade de ter extinto a Ouvidoria Agrária Nacional e, com isso, sedimentou o caminho de retorno aos violentos conflitos no campo brasileiro, como são os casos de Colniza (MT) e Pau D´arco (PA).
A Ouvidoria, criada no governo de Fernando Henrique Cardoso, era um espaço de observatório, denúncia e apuração de situações de violência no âmbito rural. Liderada pelo corajoso e incansável Dr. Gersino José da Silva Filho era, sobretudo, um instrumento para a redução e pacificação das contendas fundiárias.
Temer é no mínimo um irresponsável, leviano. Isso sem falar na extinção, também, do Ministério do Desenvolvimento Agrário, voltado à agricultura familiar e aos pequenos lavradores do país, além da aliança de alcova com o velho latifúndio, hoje travestido de agronegócio.
Mas, para o crime ser perfeito, tem que ter o dedo do Simão.
Há muitos anos que a Comissão Pastoral da Terra (CPT) ousa colocar a questão das terras do Pará em pratos limpos. Aqui, o governo tucano celebrou acordos para vender terras públicas – à preço de banana – para poderosos grupos econômicos, como é o caso do banqueiro Daniel Dantas. Essas denúncias são de 2012.
O que verdadeiramente depõe contra o Tucanistão do Norte e seus dirigentes é a umbilical relação com os poderosos do campo, dentre elas a Federação da Agricultura do Estado do Pará (Faepa), conhecida organização dos grandes proprietários rurais no estado. Tal entidade nos lembra a União Democrática Ruralista (UDR) na década de 1980.
Nós, que sabemos o que é a viuvez e a orfandade não podemos permitir que mais essa chacina – e as mentiras envoltas em discurso oficial – possa seguir impune, como centenas de casos de trabalhadores rurais mortos no campo paraense nas últimas décadas.
Justiça!
Paulo Fonteles Filho é presidente do Instituto Paulo Fonteles de Direitos Humanos e militante do Partido Comunista do Brasil.
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