A desvalorização da negociação coletiva
A liberdade sindical é um dos principais instrumentos colocados à disposição dos trabalhadores para se organizarem coletivamente e terem meios de construírem uma contraposição eficaz ao poder econômico patronal. Trata-se do direito de criação de sindicatos, da impossibilidade da interferência externa em suas atividades, da necessidade de estabelecer diretrizes democráticas na gestão sindical, da livre escolha das funções que as entidades irão desempenhar e da liberdade de filiação aos sindicatos.
O exercício da liberdade sindical somente ocorre se existir um sistema de garantias que proteja os trabalhadores. Quando lidamos com esse tema, o principal mecanismo que oferece segurança aos trabalhadores é o combate às práticas antissindicais, como os atos de discriminação (o lesado é o trabalhador individualmente considerado), os atos de ingerência (os alvos são as entidades sindicais) e as práticas desleais (há recusa em reconhecer direitos sindicais).
A conduta antissindical é toda e qualquer prática que crie obstáculos ou embaraço aos trabalhadores no exercício da atividade ou da liberdade sindical, assim como os atos que extrapolem os limites estabelecidos por lei nos conflitos coletivos entre empregados e empregadores.
O Brasil possui uma legislação insuficiente em relação ao combate às condutas antissindicais. Embora tenha ratificado a Convenção 98 da OIT, que trata da matéria, a CLT não prevê formas de inibir essas práticas realizadas pelas empresas e pelo Estado. O resultado é a existência de um cenário no qual os trabalhadores têm de enfrentar grandes desafios para exercer a liberdade sindical sem contar com um respaldo jurídico adequado.
A omissão do Brasil em relação ao combate às práticas antissindicais ressoa internacionalmente. Em fevereiro de 2017, o Comitê de Peritos em Aplicação de Normas da OIT analisou o estado da arte da efetivação da Convenção 98 em nosso país. Chama a atenção o grau de reincidência do Brasil no tocante ao tema. Em seus comentários, o Comitê afirma que já foram examinados diversos casos sobre violação da Convenção 98 e que não se identificam medidas concretas na direção da construção de uma lei para reprimir atos que violem a liberdade sindical. Nas conclusões, o Comitê destaca que:
Mais uma vez requer que o Governo tome as medidas necessárias para assegurar que a legislação explicitamente preveja mecanismos e sanções suficientemente dissuasivas contra atos antissindicais.
O acompanhamento do dia a dia dos conflitos coletivos de trabalho no Brasil demonstra as sérias dificuldades vivenciadas pelos trabalhadores: o ajuizamento de interditos proibitórios com o objetivo de inviabilizar a greve; a recusa patronal em negociar com as entidades de trabalhadores; ameaça e coação de empregados em greve; veiculação de propagandas e de reportagens em jornais e TVs com o intuito de macular a imagem de entidades sindicais, dentre outros.
Recentemente, durante as movimentações da greve geral do dia 28 de abril, tivemos exemplos preocupantes de atos antissindicais praticados tanto pelo Estado (como no caso da Prefeitura de São Paulo, que estimulou trabalhadores em determinadas Subprefeituras a dormirem em seus locais de trabalho para não terem dificuldade no deslocamento no dia da greve), como por empregadores (como os diversos casos relatados país afora, em que se “recomendou” o comparecimento ao trabalho no dia 28 de abril).
É comum vermos as empresas reivindicarem a “melhoria do ambiente de negócios” no país, para que possam desenvolver suas atividades a contento. Em relação à negociação coletiva, percebe-se claramente que o tal “ambiente de negócios” está longe de ser apropriado. Medidas legislativas que realmente tenham o compromisso de valorizar a negociação coletiva teriam de prever o combate às práticas antissindicais. Propostas que sequer tratem do assunto não passam de emplastros para ludibriar os trabalhadores.
Renan Bernardi Kalil é Procurador do Trabalho e vice-coordenador nacional de Promoção da Liberdade Sindical (CONALIS) do MPT.