Renato Rabelo no 3o Salão do Livro Político: Que fazer? Socialismo ou Barbárie?
Acabou nesta quinta-feira (8), o III Salão do Livro Político, após quatro dias de intensos debates e muito movimento nos estandes de editoras que apresentaram seus lançamentos!
Confira a gravação do debate de encerramento, com Ciro Gomes, Marcio Pochmann, Juliano Medeiros, Renato Rabelo e Rosane Borges (mediação), refletindo sobre os impasses e os horizontes da esquerda diante da atual crise política.
RENATO RABELO foi presidente do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) por mais de 13 anos e é o atual presidente da Fundação Maurício Grabois, desde abril de 2016. Sua militância teve início no movimento estudantil, quando ingressou na Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia. Neste período, integrou a Juventude Universitária Católica (JUC), e, logo após, a Ação Popular (AP). Em 1966, foi eleito vice-presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE). Participou ativamente da luta de oposição à ditadura militar, tendo ingressado no Partido Comunista do Brasil (PCdoB), em 1972. No exílio, viveu em Paris. No final de 1979, com a Anistia, retorna ao Brasil e realiza intenso e ininterrupto trabalho na construção orgânica e ideológica do Partido, como membro de seu Secretariado. No 10o Congresso do PCdoB, em 2001, por indicação de João Amazonas, líder histórico dos comunistas, Rabelo foi eleito presidente da legenda. Participou das coordenações das cinco campanhas de Lula, desde 1989, e também das campanhas da presidenta Dilma Rousseff. No segundo mandato do presidente Lula, passou a integrar o Conselho Político do Governo da República. Na gestão de Renato Rabelo à frente do PCdoB se destacam, entre outras realizações, o Programa Socialista, que representou uma importante atualização do pensamento programático dos comunistas brasileiros. Já com o documento “PCdoB 90 anos”, o Partido fez uma nova síntese de sua própria trajetória histórica, corrigindo abordagens parciais, até então existentes.
MARCIO POCHMANN é professor do Instituto de Economia da Unicamp. Seu livro “Nova classe média?”, publicado pela Boitempo em 2012 foi finalista do prêmio Jabuti 2013. No período de 2001 a 2004, em São Paulo, Pochmann dirigiu a Secretaria Municipal do Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade durante o governo da prefeita Marta Suplicy. Foi presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) entre 2007 e 2011. Nas eleições 2012, Marcio Pochmann foi o candidato do PT à Prefeitura de Campinas. Seu livro mais recente é O mito da grande classe média, publicado pela Boitempo em 2014.
JULIANO MEDEIROS é presidente da Fundação Lauro Campos, doutorando em ciência política pela Universidade de Brasília e organizador da coletânea de ensaios “Cinco mil dias: O Brasil na era do lulismo” (Boitempo), co-organizada com Gilberto Maringoni.
CIRO GOMES é advogado e professor universitário. Foi deputado estadual e federal pelo Ceará, prefeito de Fortaleza, governador do Ceará, Ministro da Fazenda (1994-1995) e Ministro da Integração Nacional (2003-2006). Desde 2015 trabalha na Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). É vice-presidente do Partido Democrático Trabalhista (PDT) e um dos autores do livro de intervenção “Por que gritamos Golpe? Para entender o impeachment e a crise política no Brasil”, publicado pela Boitempo em 2016.
Debate sobre os rumos da esquerda:
A necessidade de reconstrução de um projeto nacional protagonizado pela esquerda brasileira como única alternativa viável para superar a atual crise foi consenso entre os debatedores, além da luta essencial para a derrubada do governo Temer e da realização de eleições diretas.
De acordo com Juliano Medeiros, os processos de mudança mantiveram a concentração do poder econômico, e o golpe ocorrido em 2016 confirma o fim de um ciclo e da agenda política da esquerda que perdurou até ali. “Quando se iniciou com a Constituição de 1988, houve ampliação dos direitos sociais, mas prevaleceram a economia monopolista, financeirizada e subalterna do ponto de vista internacional. Com o fim do ciclo, a classe dominante criou uma frágil aliança e passou a implantar uma agenda de retrocessos, com as reformas”, avaliou. Para ele, o que está em jogo é a reestruturação da natureza do Estado brasileiro e a localização do Brasil na divisão internacional do trabalho.
“Os desafios da esquerda são a produção de um balanço de sua experiência à frente do governo federal e de um programa que contemple uma agenda política estratégica”. Medeiros sugere que as esquerdas têm de fazer um balanço critico dos anos de governo de esquerda, e construir um programa a partir dos limites e dos avanços, uma agenda política estratégica, e não simplesmente um programa partidário. “O último programa de desenvolvimento criado pela esquerda foi o Programa Democrático e Popular do PT, que já tem 30 anos. Precisamos atualiza-lo e incorporar a nova agenda política, superando racismo, machismo, por exemplo, que ainda identificamos na esquerda”.
Pochmann abordou em sua exposição o processo histórico brasileiro que resultou em uma sociedade extremamente desigual e lembrou que não necessariamente o caos que vivemos hoje significa ausência de horizonte. “A aceleração da mudança no Brasil foi produto do progresso técnico com base na expansão da riqueza, e a partir do conflito se originou o desenvolvimento social. A crise propicia mudanças históricas”, disse. E citou como exemplos duas grandes mudanças ocorridas no país: a dos anos 1880, que resultou no fim da monarquia e da escravidão, e a de 1930, que decretou o fim da sociedade agrária.
Marcio Pochmann enxerga a crise brasileira inserida na crise global do capitalismo deflagrada em 2008, que vem derrubando dramaticamente tanto os ativos financeiros quanto o comércio internacional. Internamente criou-se um caos que sinaliza o fim de um ciclo de desenvolvimento comparável ao que resultou no projeto de desenvolvimento de Getúlio Vargas, que fez o país dar um salto formidável, porém sem desbancar o poder agrário, apesar da imensa e rápida concentração urbana produzida no período. O que fazer? “A América Latina pode se transformar numa espécie de Oriente Médio. Ou seguir a perspectiva de globalização inclusiva, como fez a China. A saída não será uma saída tradicional”.
Renato Rabelo falou sobre a importância da luta pelo socialismo no mundo atual e sobre a atualidade da teoria marxista. “Vivemos uma grande crise, pois a classe dominante sabotou o governo Dilma e assaltou o poder por meio de um golpe parlamentar. Passou a negar a Constituinte de 1988, e a destruir direitos. Segundo ele a greve geral ocorrida em abril foi política, supera as questões corporativas, e deve ser ainda mais forte no dia 30 de junho. “Nossa luta por eleição direta é para garantir 2018”, pontuou.
Renato Rabelo enxerga no golpe parlamentar o realinhamento do país pelos golpistas ao capitalismo internacional, que demandam a derrubada da Constituição Cidadã de 1988. Ele ressalta que a transição na base material de produção em todo o mundo, diante da crise econõmica, não será entendida se não considerarmos a penetração do seu impacto em todos os âmbitos, inclusive na práxis partidária. O rebaixamento na consciência de classe é também parte dessa transição em que revoluções industriais transformam as relações de trabalho.
“O debate de um novo projeto de país é fundamental e tem de considerar a luta tanto contra o neoliberalismo quanto contra o colonialismo. Daí pode emergir até um novo modelo de sociedade, inclusive um modelo socialista”. Rabelo considera o capitalismo superado, por aprofundar a desigualdade numa base material gigantesca que poderia estar a serviço da humanidade. O capitalismo só se mantém ideologicamente forçando sua persistência nas mentalidades, embora na base material não se sustente mais.
Como parte dos governos progressistas que estiveram no centro do poder, o PCdoB considera importante um balanço em que se entenda as ilusões que levaram a esquerda a não entender a composição do estado brasileiro. “Mas já vou dizendo que não é fácil fazer síntese para um balanço!” Criticou o fato do desenvolvimento brasileiro estar baseado em exportação de commodities. A primarização e a base de serviços sem uma indústria à altura é considerado por Rabelo um atraso.
O dirigente comunista observa que o debate sobre o programa nacional para o país só se dá durante as eleições presidenciais. Portanto, 2018 será muito importante para a esquerda mostrar seu programa em oposição ao que vem sendo implementado pelo golpe. Defende a bandeira das “Eleições Diretas, Já”, ou em 2018, mesmo acreditando que as perspectivas diante do golpismo não são animadoras.
Ciro Gomes considera que é preciso “recelebrar” a ideia de projeto nacional de desenvolvimento, mas pontua que isso fará emergir conflitos e antagonismos, já que é urgente enfrentar a pobreza , entre outras questões prementes, pois só se consegue redistribuir renda tirando de quem tem mais. Ele, por isso, reflete sobre o crescimento econômico, que relativiza essa tensão, reduzindo a pressão por retirada de direitos ( custos para o capital). Mas, para ele, o antigo modelo de produzir desenvolvimento com distribuição de renda morreu. “Vejo fecundidade nesse caos. Mas as coisas podem piorar muito se continuarmos a adiar eternamente a reflexão. Precisamos por um ponto final na apologia da ignorância. O mundo acadêmico precisa estar em linha, dar suporte a esse processo”.
Ciro Gomes afirmou que Brasil precisa assumir como objetivo nacional permanente a superação da miséria e sua sequelas. “O que faz um país se afirmar é empreender, trabalhar, produzir, ganhar renda, salário, educar os filhos, fortalecer a base sanitária da sociedade e andar sem medo nas ruas. Mas isso é o oposto do que está ocorrendo no Brasil”.
“Crescendo, essas tensões podem ser atenuadas, podemos até impor fissuras no grande pacto conservador do país dado o tamanho da tragédia. Uma delas é a gravíssima desindustrialização”.