Presidentes e empresários. Amigos e inimigos da globalização
I
O triunfo de Trump muda o cenário global. Os “amigos” da globalização e de suas demandas observaram como a chegada do candidato republicano perturbou suas previsões, tanto no que diz respeito a Hillary Clinton, como no concernente ao futuro econômico e político da região. Contra todo o prognóstico, as pesquisas – que não calibraram bem a volatilidade do eleitorado e suas preferências flutuantes – deixaram de acertar. Assim aconteceu com Macri na Argentina, ganhando em segundo turno quando especialistas apontavam que Scioli se consagraria presidente em primeira instância; as eleições no Peru no ano passado deram um inesperado triunfo a Pedro Pablo Kuczynski, apesar de todas as pesquisas terem anunciado a vitória certa de Keiko Fujimori; na Colômbia prevaleceu o NO ao acordo com as FARC, contradizendo os prognósticos alentadores. Trump, outro inesperado vencedor, situa-se nestas previsões desacertadas. Sua irrupção no cenário estadunidense está inserida em uma tendência, sobretudo europeia, de crítica à globalização. Espaços progressistas e de direita do Velho Continente têm distanciado-se das propostas globais, atendendo aos efeitos locais ou internos que dinamitam as legitimidades políticas. Trump se soma às impugnações que estabeleceram, desde marcos distintos, Marine Le Pen, Beppe Grillo, Pablo Iglesias, etc.
II
O enfoque no nacional – reatualizando propostas xenófobas e racistas, como também protecionistas – levou Trump a interpretar as correntes de opinião que atravessam o cidadão norte-americano comum. Há certo gesto soberanista/protecionista que logrou interpelar grandes setores de desempregados, que perceberam a piora em seus salários e projeções para o futuro. No entanto, é difícil afirmar se a classe política e seus atores limitarão a concretização das propostas de campanha de Trump ou se este terá suporte para realizá-las, mas marca um rumo discursivo e semântico novo. Nestes dias, sua proposta de sair do Acordo Transpacífico de Cooperação Econômica (TPP), assim como sua iniciativa de reinstalar as empresas norte-americanas que operam fora dos Estados Unidos com baixo custo tributário, visam fortalecer o mercado interno e satisfazer a demanda de seus votantes.
III
Ao mesmo tempo que uma porção importante de governos neoconservadores latino-americanos auspicia a globalização, os Estados Unidos buscam “proteger” suas fronteiras econômicas e geográficas. Sua proposta consiste em “proteger” o emprego nacional, e ressuscitar o sonho americano controlando as importações e a fuga de inversões para favorecer a indústria local. O discurso “Façamos que os Estados Unidos sejam uma Grande Nação novamente” reintroduz o termo nação para apelar a um eleitorado com ânsias de revanche social, que busca o retorno a um velho sistema que garanta seus privilégios em termos de classe, etnia e inclusive de gênero.
IV
Enquanto isso, as propostas do governo Macri ou de PPK objetivam e consolidam uma desmensurada abertura das importações, impactando empresas que organizam sua produção em torno do mercado local. A globalização das megacidades imprimiu uma dinâmica cultural e dominante sobre a ideia de consumo e abertura econômica. A globalização se legitimou na prática cotidiana dos cidadãos e cidadãs, e isto não é simples de desconstruir. No entanto, as fronteiras que se desvanecem para as mercadorias são cada vez mais solidificadas para as pessoas. A migração não tem sido apenas um dos principais eixos da campanha de Trump, mas também um dos temas mais intensos na União Europeia. Por sua vez, o governo de Macri projeta prisões para migrantes e muros na fronteira norte, jogando por terra a política inclusiva do governo anterior.
A construção de muros – legais ou de concreto – é quase uma ironia em um mundo globalizado, uma resistência da direita contra o apogeu de sua própria cultura política.
V
O certo é que os presidentes-empresários (Macri, Cartes, Piñera, PPK) estão em alta, um novo modelo que não necessariamente conta com uma extensa trajetória política e nem com êxitos plenos (não devemos esquecer o governo opaco de Roberto Martinelli no Panamá). O cenário regional ou a cultura de cada país possibilitam traduzir seu ‘êxito empresarial’ em capital político, logrando assim apelar para a política como um ofício que pode prescindir de dramas e tensões.
Sua condição empresarial não vai mantê-los no poder, ou tampouco sua aliança com as forças globais. Desde uma perspectiva econômica, eles enfrentam a pressão daqueles que buscam proteger o mercado interno e algumas instituições do Estado de Direito, bem como a seus próprios aliados, que pugnam por ampliar as demandas da globalização. A cultura global e pós-moderna, talvez, não baste para garantir a governabilidade em termos eleitorais. Produz-se então uma contradição política, na qual o âmbito local cobra protagonismo quando a disputa por cargos legislativos e executivos torna-se inevitável.
As direitas que apostam na globalização são contrapostas pelo local em diversas intensidades. Este território adquire uma dimensão central para lograr governabilidade. E é um território complexo, porque mesmo que muitas demandas sejam globais (por exemplo as vinculadas ao consumo), as mesmas devem ser garantidas pelo Estado nacional e seu governo central. Além disso, alguns dos empresários que apoiam ou legitimam um governo neoconservador obteriam mais e melhores rendimentos em um mercado interno com certa capacidade de aquisição.
A globalização parece estar sendo questionada ou exige ser reformulada pelos grandes jogadores do tabuleiro geopolítico. Não apenas compreendem as direitas anti-União Europeia continentais, mas também as da Grã-Bretanha, e agora Trump. Isso abre questões para os governos neoconservadores da região e descalibra qualquer GPS imaginável para persistir em um mundo econômico global. Portanto, o rumo destes governos introduz a ruptura, abrindo as portas de um laboratório geopolítico incerto.
Artigo publicado originalmente no site da CELAG. Tradução livre por Lys Ribeiro.