Mais de 11 mil pessoas participaram da 69ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que terminou neste sábado (22), em Belo Horizonte (MG). Deste total, se inscreveram 6.439 participantes, provenientes de 501 municípios distribuídos dos 26 estados e do Distrito Federal. A inscrição só era obrigatória para apresentação de pôsteres e matrícula em mini-cursos.

A Reunião Anual da SBPC tem como objetivo debater políticas públicas e difundir os avanços da ciência nas diversas áreas do conhecimento. Trata-se do maior evento científico do Hemisfério sul.

Esta edição teve como tema Inovação – Diversidade – Transformações e sua programação ocorreu ao longo de toda a semana no campus da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em Belo Horizonte. Na programação, 69 conferências, 82 mesas-redondas e 55 minicursos, além de assembleias, reuniões de trabalhos, apresentação de pôsteres científicos e outras atividades.

Ao longo do evento, o físico Ildeu de Castro Moreira assumiu a presidência da SBPC em substituição à bióloga Helena Nader, que estava a frente da entidade desde 2011. Ildeu faz uma avaliação positiva da reunião. “Tivemos uma participação intensa e discussões muito interessantes sobre ciência, educação e cultura. E também assuntos específicos como a nanotecnologia e a saúde. E também muita discussão sobre quais os rumos que o Brasil deve adotar num momento de gravidade na economia e na política.”

A SBPC aprovou moções a favor da convocação de eleições diretas e da reposição orçamentária do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC). A entidade também se posicionou em defesa da revogação da Emenda Constitucional 95, que fixou no ano passado um teto para os gastos públicos no país pelos próximos 20 anos.

 

Na entrada da UFMG foi fixado um “tesourômetro”, equipamento criado pela SBPC que pretende medir as perdas financeiras para ciência desde 2015, considerando os cortes nos orçamentos do MCTIC, das universidades federais e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Segundo os idealizadores da medida, a pesquisa brasileira vem tendo uma perda média de R$ 500 mil por hora em recursos federais com a crise financeira. Desde o início do ano, o governo federal contingenciou recursos de várias áreas por causa do ajuste fiscal.

De acordo com Ildeu Moreira, os efeitos devem ser mais sentidos a longo prazo. “Nós estamos tendo evasão de cérebros do país. O risco é termos projetos descontinuados e de pesquisadores irem para o exterior e não retornarem mais. Alguns já foram”, afirma. No entanto, ele diz que sai da reunião com otimismo. “Toda esta movimentação dos cientistas nos dá esperança. Agora vamos dar continuidade às nossas ações no Congresso e ampliar as mobilizações para convencer os deputados a reverem algumas medidas. Esse diálogo com o Parlamento é importante, para chegarmos na próxima edição deste evento com um quadro mais favorável”. A 70º Reunião Anual da SBPC, que ocorrerá no ano que vem, será realizada na Universidade Federal de Alagoas (UFAL), em Maceió.

Pós-graduação

A presidenta da Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG), Tamara Naíz, também fez um balanço positivo do evento. Dentro da programação da Reunião Anual da SBPC, foi realizado o 5º Salão Nacional de Divulgação Científica, debateu o impacto da ciência na sociedade. “Nós defendemos que a ciência que não esteja encastelada apenas nas prateleiras das bibliotecas, mas que seja capaz de intervir na realidade e se traduza em transformações e em bem-estar social. Tanto a reunião da SBPC quanto o nosso salão apontaram nessa direção”, disse.

Doutoranda em história econômica da Universidade Federal de Goiás (UFG), Tamara também manifestou preocupação com o atual cenário. Segundo ela, o Brasil está investindo na ciência menos que países mais pobres. “Isso leva a uma desconstrução do futuro. Na ciência não tem tempo parado. Se cortarmos recursos hoje, mesmo que exista investimento no ano que vem as coisas não se mantêm. Como dizem os chineses, é preciso transformar a crise em oportunidades. É o momento de pensar saídas. E não faz sentido responder a uma crise cortando as nossas possibilidades de futuro”, avalia.

“Não destruam a ciência como este governo está fazendo”

 

O passado, o presente e o futuro da ciência foram contados pelo presidente de honra da SBPC, Sérgio Mascarenhas, em conferência especial da 69ª Reunião Anual da SBPC, na quarta-feira (19). Aos 89 anos de idade, e 70 deles dedicados à atividade científica, a história do físico e químico Sérgio Mascarenhas é amalgamada com a história da ciência brasileira. E em sua conferência na manhã desta quarta-feira, 19, na 69ª Reunião Anual da SBPC, o pesquisador, convidado para levar a plateia em uma viagem pela história dos grandes cientistas do mundo, não poderia deixar de fazer seu apelo nesse momento tão grave: “não destruam a ciência como este governo está fazendo”.

Presidente de honra da SBPC, Mascarenhas foi protagonista no desenvolvimento da ciência do País. Ele foi um dos fundadores da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e do Centro Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento de Instrumentação Agropecuária da Embrapa (Embrapa Instrumentação). Também criou o Instituto de Física e Química da USP de São Carlos e o primeiro curso de Engenharia de Materiais da América Latina, na UFSCar. Foi professor convidado das mais prestigiosas universidades do mundo, como Harvard, Princeton e o MIT. E a lista de prêmios que já recebeu é imensa: de Comendador da Ordem Nacional do Mérito Científico, Prêmio de Mérito Científico, na classe de Grã Cruz, a Prêmio Conrado Wessel de Ciência e Cultura 2006, entre tantos outros.

Uma história incrível de um intelectual que sempre com muita lucidez está a olhar para o futuro, como Junus, o deus de duas faces romano, que representa a dualidade, os começos e as passagens, ponto inicial da conferência intitulada De Leibniz à Era Digital do Século XXI. “Em sua imagem, a face do homem olha para o passado e a face da mulher olha para o futuro. E é olhando para o passado que a gente constrói o futuro”, disse ele, sugerindo, todo tempo, a leitura de grandes clássicos – porém, em suas versões digitais. “Hoje em dia, quem não lê livro digital está por fora. Eu posso carregar uma centena de livros comigo em meu tablet”.

A história dos grandes cientistas e das grandes revoluções científicas foi se construindo ao longo de séculos de muito estudo, muitas dúvidas e muita incompletude. Mascarenhas passa por Galileu Galilei, o gênio que revolucionou a ciência e a forma como hoje vemos o mundo. Morreu no mesmo ano em que nasceu Isaac Newton, em 1642. “Uma generosidade do universo”. O criador da teoria da gravitação sabia que não compreendia sua criação por completo, mas resolveu o problema de explicar a movimentação da lua. “Newton introduziu na ciência uma coisa muito ruim, que foi o determinismo absoluto”. Mas Karl Popper, séculos depois, contestou o princípio da verificabilidade, e trouxe para ciência a ideia da falseabilidade.

Retornando à época de Newton, passamos pela história de Gottfried Wilhem Leibniz, matemático, político, historiador, filósofo que descreveu o primeiro sistema binário de numeração. Os estudos de Leibniz, segundo o físico brasileiro, preparam o caminho para a criação do computador, séculos mais tarde. Ele também ficou conhecido por sua teoria das mônadas – outro conceito científico extremamente complexo que ainda não é totalmente compreendido. “A cabeça dele era um vulcão em atividade”, comenta.

Mascarenhas perpassa ainda Faraday, Darwin, Freud, Bertrand Russel, Godel e Ludwig Boltzmann, físico austríaco que desenvolveu o conceito de entropia e explicou a direção do tempo: “Foi com ele que aprendemos que o tempo é irreversível”.

E, décadas mais tarde, todo esse conhecimento edificado por séculos desemboca na revolução da informática que vivemos hoje. A invenção do transistor, em 1947, no Bell Labs, no Vale do Silício, nos Estados Unidos, foi a pedra fundamental de todos os produtos digitais que conhecemos hoje. “Isso foi mais importante que a bomba atômica”, considera.

Consciente de que o tempo só nos faz caminhar para frente, Mascarenhas conta que vislumbra um futuro para a ciência como o que foi desenhado por Charles Percy Snow, cientista e autor do livro “Duas Culturas e a Revolução Científica”. Nesse tempo, não muito distante, está a criação de uma chamada “terceira cultura”, fruto da união entre a ciência e o humanismo. “Isso é o que realmente precisamos: de uma ciência e arte, ciência e empreendedorismo”.

Essa seria a união que vai ser capaz de solucionar os problemas do futuro. E, como concluiu o vice-presidente da SBPC, Ildeu de Castro Moreira, que assume hoje a presidência da instituição, Sérgio Mascarenhas é um exemplo dessa convergência entre humanismo e ciência. E é este o conselho final do sábio cientista: “O futuro da ciência brasileira está nas crianças da favela, na solução da desigualdade. O futuro da ciência está na compaixão”.

 

(Foto: Helena Nader na conferência que criticou os cortes de investimento em CT&I)