“Se a esquerda não falar da Nação, o povo ouvirá de outras bocas”
O professor titular de Relações Internacionais da UFRGS, Paulo Fagundes Vizentini, discutiu o tema da Questão Nacional no V Seminário Nacional de Estudos Avançados do PCdoB, aberto no dia 28 de julho, em São Paulo, a partir da pontuação agradável e apaixonada de inúmeros países, desde as Ilhas Seychelles, passando por Angola e Vietnã, que construíram uma história épica e surpreendente de nação. A partir de sua vasta bibliografia sobre geopolítica, relações internacionais e história, ele aponta singularidades que revelam a força e universalidade do pensamento marxista sobre a questão nacional e a luta antiimperialista.
Aparentemente contando “causos” e exemplificando, mais que teorizando, o estudioso mostrou como a Questão Nacional surge com o capitalismo, tornando-se parte da dialética desse sistema econômico, na medida em que povos se emancipam de sua dependência constituindo-se em estados nacionais ou passam a servir ao imperialismo capitalista a partir do separatismo nacionalista. Contradições entre movimentos históricos progressistas e reacionários estão na base do nacionalismo que emerge dos interesses capitalistas.
A depender das “bocas” que falam da Nação, defende o professor, esse movimento dialético segue em direção opostas. Daí a importância da esquerda assumir o discurso em defesa do desenvolvimento nacional, em tempos de forte defensiva da globalização, para que oportunistas da direita mais retrógrada não ganhem o coração do povo com um discurso nacionalista fácil, que só reforça ainda mais os valores nefastos do neoliberalismo.
A olhar marxista para a questão nacional
Apresentando-se após a reflexão teórica sobre a questão nacional, a partir dos escritos de Antonio Gramsci, feita pelo historiador Júlio Vellozo, Vizentini destacou a importância de estudiosos como o italiano que puderam pensar a realidade em meio as turbulências do início do século, conseguindo elaborar um pensamento que persiste, mesmo em circunstâncias tão diferentes, décadas depois. “Eu creio que , infelizmente, nos não vamos ter tempo de parar para estudar, porque a coisa não está nada bem. Vamos ter que estudar e fazer ao mesmo tempo. Vamos precisar ter aquele instinto de buscar na ciência aqueles elementos que são úteis, como aqueles que fizeram a história, porque souberam pegar das teorias aquilo que fazia sentido para a sua realidade naquele momento”, disse o professor gaúcho.
Vizentini disse que algumas das experiências que ele mencionou, são resultado dos escritos de tantos marxistas ilustres, no entanto, quando se observa mais atentamente, vê-se que “escreveram muito pouco”. “Mas pegaram a essência da ideia, muitas vezes lendo embaixo de uma árvore na África, escondido numa caverna na Coreia do Norte, ou intocado num recanto da China, e puderam pegar desse ensinamento universal aquilo que era factível para o seu povo naquele momento”.
Ele enfatiza que, embora não vivamos o “fim da história”, testemunhas uma “aceleração brutal” dos eventos. “Quem, há um ano atrás, diria que os EUA seriam governados pelo Trump e com essa linha que estamos vendo. ‘Não é impossível. O status quo tem o controle da situação. Se a CNN bate nele, ele vai cair’. Ouvimos tudo isso e, no entanto, ele está lá. E coisas que estão acontecendo e que nós não imaginávamos que fossem acontecer”.
Vizentini enfatiza que Marx e Engels são homens do seu tempo, e que faziam do seu tempo o combate às teorias vigentes da sua época, que desprezavam as bases sociais e econômicos do fazer histórico. “Eles concentraram muito de sua análise nisso, e menos nas questões políticas. Inclusive a Nação foi um tema pouco explorado”.
O próprio socialismo, lembra ele, ocupa um espaço pequeno na obra de Marx e Engels, que na verdade se preocuparam muito em estudar o funcionamento do capitalismo e, então, deduzir algumas fórmulas desse sistema para sua ruptura e a construção de uma outra sociedade. Mas o professor salienta que eles nos deixaram uma ferramenta muito importante que é o materialismo histórico e dialético. “Temos um instrumento importante: a formação econômico-social, relevantes para estudar este tema”, diz ele.
A partir desse paradigma marxista, Vizentini acredita que é preciso estudar a nação em seu contexto. A questão nacional, como conhecemos hoje, é algo que vem com o capitalismo. “À formação desses estados modernos precedeu a construção das nações, que eram estados dinásticos no século XV e XVI, as monarquias europeias que se formaram”, disse ele, citando o romeno Silviu Brucan, que assumiu a tarefa, ainda no período socialista, de tentar precisamente enfocar a questão nacional, em seu “A dissolução do poder”.
A URSS, por sua vez, é desconhecida da história contemporânea, “pois há muita ideologia e pouco conhecimento”. A construção nacional daquela união de repúblicas é ignorada pelos estudiosos, ignorando que Stalin, o governante soviético, teria definido nação, como “uma comunidade estável, permanente, com território próprio, com linguagem comum, com coesão econômica e caráter coletivo”. “Este é um modelo, ou seja, o que seria uma nação se atingisse um determinado nível de realização perfeita. Não vai existir em nenhuma nação do mundo uma que contemple todos esses requisitos do modelo”, disse ele, citando os exemplos da Suíça e da França com suas diferenças internas que negam os pressupostos da determinante stalinista.
Expansionismo predatório
Giovanni Arrighi discorre sobre a formação do capitalismo e a dialética que explica o porque do sucesso da Europa em conquistar o mundo e impor uma ocidentalização. O porque do capitalismo se expandir sempre, mesmo que sua expansão seja destruir uma parte do que foi feito e reconstruir em cima, como ocorreu na Segunda Guerra Mundial. “O capitalismo é uma bicicleta que precisa se expandir permanentemente, pois se parar, cai”, compara.
Arrighi mostra o jogo dialético dessa expansão do capital que se desloca de um local para outro entre os territórios dos estados nacionais. “Isso é importante para entender porque o capitalismo não criou um único país no mundo. A resistência dos povos pode até fazer parte dessa explicação, mas, para o capitalismo, é fundamental que existam essas divisões, porque ele pode se mover em cada época em busca de locais mais rentáveis”, explica.
Ele delimita que, aqueles que governam um estado nação têm um poder político sobre o território e a capacidade de repressão de uma eventual revolta da população. “Mas um estrago ecológico gigantesco, provocado por uma dessas multinacionais, será julgado em Nova York, na sede da empresa, e geralmente, os estados nacionais nada poderão fazer a respeito. Esses estados nações são, portanto, como compartimentos, que explicam como depois de sucessivas crises, o capitalismo dá uma volta e reaparece sob outra forma e com o centro em outro lugar. Pela existência disso!”
É claro que esses estados nacionais precisam seguir certas regras, de acordo com Vizentini, pra fazer parte do jogo, integrando-se numa economia internacional. Longe de ser uma contradição, esta é uma oposição dialética. Ele cita Ellen Wood, que resgata o lado ortodoxo do marxismo ao dizer que há uma aparente separação entre política e economia no capitalismo.
Revoluções e formação de nações na periferia
A Revolução Francesa e a Revolução Industrial lançaram as bases do que seria a nação. É a primeira vez que essa palavra aparece, diz ele. O professor exemplifica, então, como as bandeiras dos estados feudais e as bandeiras dinásticas eram coloridas, com animais, flores, símbolos da família que governava esses lugares. Com as revoluções burguesas, veem as bandeiras tricolores que representavam seus ideais nacionais. Os países socialistas, por sua vez, sempre vão trazer símbolos do trabalho.
A nação passa a ser o povo inteiro daquele lugar, ainda que hierarquizados em classes econômicas. Assim, os processos históricos lançaram as bases dos estados nacionais que favoreçam a expansão do capitalismo: um só tributo, uma só unidade de pesos e medidas, um só mercado, uma só legislação, uma só forma de repressão sobre aquele território.
Pontuando cronologicamente, Vizentini observa que o capitalismo precisa se construir nacionalmente, inicialmente. Na Europa oriental, ao contrário, mais atrasada, havia impérios multinacionais (Rússia, Turquia, Austro-Húngaro). Depois, o imperialismo do fim do século XIX e a descolonização levaram para a periferia as bases da construção nacional. As colônias passaram do clã à nação.
“Eu não me filio aqueles que acreditam que as revoluções que aconteceram no século XX negaram as teses de Marx. Acontece que, quando Marx escreveu, as contradições mais agudas do capitalismo se encontravam no centro do sistema. É preciso se pegar no espírito da obra”, salientou ele, referindo-se ao fato das revoluções terem ocorrido em países atrasados do capitalismo.
O historiador explica que, quando esse processo de imperialismo vai para a periferia, desenraiza populações que são tiradas de seu modo de vida de subsistência, para trabalhar em grandes plantações para atender ao mercado internacional e à exportação. “Com isso, cria-se um proletariado rural tão despossuído como aquele que havia nas indústrias da Inglaterra”.
“É, ali, na periferia, que os elos fracos aconteceram e, portanto, aconteceram as revoluções. A própria Rússia era um império, mas não capitalista, tendo, inclusive um status ‘semicolonial’”, explica ele.
O apagamento ideológico da URSS
Outra marca do capitalismo que torna a questão nacional relevante é o chamado desenvolvimento desigual e combinado. O capitalismo se expande, mas não faz isso em todo lugar do mesmo modo. “Tem país que ele entra de sola e faz as coisas ‘guela abaixo’. Outros, ele entra e vai transformando. Em outro, ele não se interessa e, portanto, vai se fazendo as conexões mínimas daquele país com o cenário internacional, até que se descubra alguma riqueza naquele território”, menciona.
De acordo com o professor, a revolução é um processo internacional, mas ocorre por etapas. É impossível convencer outros povos, que estejam em outro estágio, que é hora de operar a revolução feita por um outro povo. “Trata-se de um processo longo, demorado, cheio de estancamentos, retrocessos, desvios e retomadas. Como foi a história do capitalismo. O próprio capitalismo sofreu derrotas em alguns países”.
Ao mencionar a obra de Stalin sobre a questão nacional, Vizentini critica o silêncio da esquerda intelectual no estudo da construção do socialismo na União Soviética, deixando a tarefa a cargo de intelectuais conservadores muito bem financiados e críticos à experiência que, com milhares de estudos, consolidaram uma opinião pública mundial sobre o assunto. “Desta forma, o tema se torna maldito, enquanto a matança napoleônica, com seu código em defesa do capital e da propriedade, ‘foi cantado em verso e trova’”.
A revolução inglesa de Cromwell também é lembrada como um desses eventos celebrados, apesar da matança não apenas de inimigos, mas também de aliados. “Aliás, um dos maiores gulags que já existiram foi a Austrália, onde todas as pessoas indesejadas na Grã-Bretanha eram mandadas em grande quantidade. Foi por mais de 150 anos uma colônia penal. Quem pensaria isso da Austrália, dos cangurus, dos estudantes de intercâmbio e dos surfistas. Do Brasil se diz que foi criado por degredados vindos de Portugal…”
A ideia por trás do socialismo em um só país, foi mostrada por setores da esquerda como uma renúncia do desenvolvimento da revolução. Defendia-se a importância da existência de um território que se industrializasse e auxiliasse as lutas de libertação nacional em outros lugares do mundo. “Mas, atenção, havia a guerra fria e a corrida armamentista, e a tentativa de colocar essa nação contra a parede para que ela não se casasse com essas revoluções da periferia. Então, ela fazia isso, na medida do possível, sem arriscar a sua própria existência, que significaria um retrocesso de cem anos”, disse ele, sobre a política externa da URSS.
A nação varguista
A questão nacional vai adquirindo, depois da 2a. Guerra Mundial, uma dimensão mais ampla, com os movimentos de descolonização, que não é apenas a luta de libertação nacional ou a expulsão dos colonizadores. “Tivemos também o nacional-desenvolvimentismo”, acrescenta ele.
No Brasil, os cafeicultores liberais no discurso, mas oligárquicos na prática, perderam a revolução de 1930 e tentaram reverter em 1932, sem ter força para isso. “Portanto, começaram a trabalhar no campo das ideias. A criação da USP é muito claramente isto. Daí, vem Fernando Henrique Cardoso e os conceitos de populismo. Rotular o que é popular de populismo. Isso se enraizou e, nesse período, vemos inclusive Getúlio Vargas com olhos que não eram seus”.
Dentro de suas limitações históricas, Vargas tentou criar a nação. Chamou os intelectuais e artistas a participarem disso. “O artista que não esteja ligado a algo concreto, se perde e fica se drogando na decadência daquela sociedade em que vive. Esses artistas estavam em Paris se embriagando com modismos, ‘como escrever de trás pra diante’, e passaram a olhar para o povo brasileiro. Então passamos a ter Portinari, a Cidade Maravilhosa, o carnaval que deixa de ser perseguido pela polícia da oligarquia e passa a ser uma festa popular”.
Vizentini cita Francisco Luiz Corsi em “Estado Novo: política externa e projeto nacional”, em que ele aponta o papel progressista e desenvolvimentista daquela ditadura, polemizando com as visões de esquerda que reduzem-no a um governo fascista.
Ele citou o embaixador Samuel Pinheiro Guimaraes, quando diz que o país da periferia tem condições históricas e materiais de tentar construir o desenvolvimento. Mas para construir o desenvolvimento a partir de uma perspectiva própria, vai enfrentar oposições internacionais e de classes “compradoras”. “No Brasil, as elites dominam e destroem o país, e quando a criminalidade se torna insuportável, dizem que vão pra Miami. Esta vai ser uma batalha em que vai emergir a nação. Pensem na criação da Petrobras como um símbolo da ideia de nação”, disse ele, fazendo uma conexão com o momento atual de golpismo e desmonte do estado nacional.
Alguns grupos preferem ser elite num país mais pobre, analisa ele, do que ser cidadão num país com igualdade social. “As políticas do Governo Lula não deixaram os ricos menos ricos, mas deixaram os pobres menos pobres. Isso provoca uma sensação de perda de controle. O simples fato de que alguém já não te olha da mesma forma amedrontada como antes, já deixa essa elite extremamente inquieta”. Essa postura irracional das elites brasileiras faz com que ela prefira manter a pirâmide social do que construir uma nação.
A inclusão subordinada
Vizentini defende que a voracidade dos bombardeios que subjugaram Alemanha e Japão não tinham qualquer relação com o mal que o nazismo representava, mas tinham o único objetivo de mostrar que “com cowboy não se brinca”. A situação em que a Europa se encontra hoje, na avaliação de Vizentini, é porque sua elite não consegue tomar uma posição clara no sentido da autonomia e relação interessante comercialmente com a Rússia, preferindo continuar com a aliança ideológica e militar com os EUA, que não oferecem nada prático. “Ninguém grampeou Obama, mas todos que podem concorrer com os EUA foram grampeados”.
Há esses estados nação que não conseguem se libertar disso. “Depois de apanharem eles foram resgatados pela mão para serem sócios do clube dos ricos, mas sem direito a voto”. Esta é, pra Vizentini, a estratégia fundamental do capitalismo imperialista: conectar a periferia ao centro, de forma subordinada.
Ele menciona Friedrich Liszt, que explicava a política econômica de Otto Bismarck: embora gostasse do liberalismo, só prometia aplicá-lo depois de ter construído uma economia forte, industrializada e competitiva na Alemanha. “Essa política levaria à guerra, pois o capitalismo anglo-saxônico mundial não permitiria que se construísse um caminho nacional próprio. Hoje, isso é ainda mais forte com a crise econômica mundial”, aponta ele, sugerindo os rumos que o imperialismo espera de países em convulsão como o Brasil.
O legado soviético
O historiador aponta para o legado da Revolução, ainda que haja uma sensação de fracasso após o desmonte do socialismo europeu. “No caso dos movimentos de libertação nacional, Angola tinha três interesses diferentes (não etnias diferentes) digladiando, mas com a logística soviética e com o tributo solidário de sangue dos cubano, conseguiram derrotar a África do Sul e se tornaram um estado nacional. Hoje, os portugueses voltam a Angola, naquilo que o governo angolano aceita. O governo angolano compra ativos em Portugal, onde tudo estava falindo, recentemente”, relata ele, de sua experiência estudando a África.
Mesmo com os ajustes do fim da guerra fria, relata Vizentini, temos a construção de um estado e de uma elite que tem uma ideia de construir uma nação, passando por cima das divergências tribais e projetando o país. “Isso aconteceu em Moçambique e também na Etiópia, onde ninguém lembra, mas era o país da fome. Ali houve um golpe militar contra a monarquia, acompanhado de ampla mobilização popular. Em poucos anos, um grupo de militares treinados nos EUA proclamou o caráter marxista-leninista do regime e construíram a primeira estátua de Lênin na África”.
Com o fim da URSS, o regime também caiu, porém fizeram uma reforma agrária num estado milenar feudal, acabaram com o poder da igreja, e fizeram o maior projeto de alfabetização já realizado no mundo. “Mesmo com a queda do regime, não houve reversão das políticas nacionais e hoje a Etiópia é um país em amplo crescimento”, diz ele.
O nacionalismo fragmentário
Na década de 1970, Vizentini disse acompanhar as 14 revoluções, desde socialistas até ultranacionalistas e antiimperialistas. No entanto, por debaixo, vinha a reação, começando pelo envenenamento dos intelectuais de esquerda, que defendem bandeiras liberais, “promovendo uma competição desleal com os empregos dos liberais”. “Digam aquilo que está faltando e que o povo quer escutar. Porque se o povo não escutar de uma boa boca, vai escutar do Trump, cuja eleição é muito importante e séria, pois é um grito contra a globalização. Mesmo que isso não tenha um desfecho muito bom…”
O historiador diz que lamento ver que intelectuais de esquerda idealistas fazem coro com o liberalismo europeu na defesa do direito de autodeterminação do País Basco e da Catalunha. Curiosamente, essas duas regiões são as mais ricas da Espanha, assim como Flandres, no norte da Bélgica, que também não quer contribuir para os fundos setoriais que vão ajudar a desenvolver o sul da Bélgica. “Salvo raras exceções, o separatismo na Europa é separatismo de rico, de elites. Esse tipo de nacionalismo é reacionário e defendê-lo é tomar as dores de quem não merece”, critica.
Ele ainda alerta que é preciso ter cuidado com a própria defesa de um estado curdo, pois existem partidos curdos marxista-leninista ou monárquico, ligados à pior oligarquia do Golfo. A capital do Curdistão iraquiano floresce de hotéis de luxo e riquezas capitalistas num país que vive sua pior situação. “Depois, defendemos esses ‘principismos’ sem saber do que falamos, dá tudo errado, e ficamos envergonhados sem entender”.
Conforme defende o professor, está em prática na atualidade uma estratégica muito inteligente do capitalismo, de fragmentar estados. São estados estratégicos no leste da Europa, como a Croácia, o país que envia armas da Otan para os rebeldes sírios, ou a Eslováquia que deixa os EUA montarem áreas militares com antimísseis contra a Rússia. “São pequenos países que vivem do turismo e dessa submissão militar, pois não têm mais indústria ou qualquer outra riqueza econômica. São obedientes, pois é fácil impor políticas a um estado fraco”, define.
O novo multilateralismo
Os BRICS relançam a questão nacional num outro plano, da grande nação, com capacidade de impactar sobre os desenvolvimentos internacionais, numa época de mudanças de paradigma e de crise das antigas potências dominantes. “Quem pensa que os africanos são bobos e atrasados na relação com a China, é porque não conhece a África. E os chineses, por sua vez, vão entrando em determinados lugares que é para não entrar em conflito com os grandes.”
Onde está a contribuição dos chineses na relação Sul-Sul? Vizentini responde que esses governos recebem dinheiro e quitam suas dívidas externas, podendo aplicar suas próprias políticas econômicas sem imposição de interventores em seus países. “Antes, um pequeno produtor caminhava alguns quilômetros pra vender sua pobreza para outros pobres. Agora, ele compra uma moto chinesa por cento e poucos dólares, vende a 20 km de sua aldeia e não depende mais de patronagem de governos corruptos, além de levar a família inteira em cima da moto pra passear nos fins de semana. Emancipando-se em termos de trabalho, essas pessoas se emancipam mentalmente. Isso é uma revolução silenciosa”, destaca.
Por outro lado, lamenta ele, a esquerda vem perdendo sua base social, pois as novas tecnologias atomizam a classe trabalhadora, desarticulando-a. Aplicativos como o Uber concentram a exploração de trabalhadores, fazendo uma aliança por cima dos governos, contra um setor da população desempregado, iludindo-o com o status de um trabalho diferenciado e empreendedor. Para ele, a esquerda não está preparada para isso e precisa buscar suas bases num dos caminhos, que é a questão nacional.
“Sem identidade nacional, não há projeto nacional. E sem projeto nacional, não existe desenvolvimento e soberania”, defende. “Aqui, sofremos por um tempo com preconceitos quanto à falar de geopolítica e da capacidade dos militares de defenderem o país ou ainda de achar que nacionalismo é coisa da direita. Nem isso existe mais. Aquelas antigas burguesias se diluíram todas no mundo do dinheiro fácil eletrônico. A causa da nação ficou órfã”.
Em sua opinião, tem muita gente querendo ouvir alguma coisa que não está sendo dita, ou que não está sendo dita da maneira apropriada, que uma pessoa simples compreenda. Vizentini acredita que a esquerda deixou de defender as maiorias para copiar os liberais e ser defensora de minorias cada vez mais “fatiadas a lazer”, supostamente com interesses contra alguém, mas que na prática não funciona.
Ele citou um frase recente de entrevista: “Hoje somos um país à deriva que não sabe o que pretende ser, o que quer ser, o que deve ser. Por isso, o interesse público, a sociedade está tão dividida e tem um estado subordinado a interesses setoriais”. A frase é do general Eduardo Dias da Costa Villas Bôas, comandante do Exército brasileiro, dita em fevereiro ao jornal Valor Econômico, mostrando a dimensão da crise que o país enfrenta, e quem consegue vocalizar a dimensão nacional, na atualidade.
Vizentini ainda citou “Uma nação desarmada” (Capax Dei, 2016):
“Nesse quadro, a despeito da troca de timoneiro, a nação segue como uma nau desarmada e desgovernada em meio a uma forte borrasca, com comando, tripulação e passageiros desunidos, desorientados e desmoralizados, ameaçada por motins, o que a torna presa fácil dos centros oligárquicos do poder global. Estes, operando como corsários, a extorquem com a artilharia das suas agências de classificação de risco e a cumplicidade dos seus ‘sócios’ internos, no intuito de extrair-lhe o butim do serviço da dívida, os recursos naturais e o que resta do patrimônio público.”