“Você se lembra, lembra?”

Porque eu me lembro bem,

Do leve gosto de sal

Que os meus lábios sorveram

De uma lágrima que escorria no teu rosto

Quando, no último Congresso da UNE,

Discursava a mãe de Honestino Guimarães…

 

Tua voz estava rouca

De tanto gritar “liberdade”.

E eu, exausto de combater os adversários,

Os corsários,

Descansava no teu colo.

E as tuas mãos,

Que há pouco

Fechadas em socos

Gritavam, “Revolução”, “Revolução”,

Agora,

Eram plumas percorrendo

Os meus cabelos

Os meus pelos.

 

Fico imaginando,

A gente andando,

A gente se amando

Pelas ruas daquela cidade operária

Muito, muito maior que a nossa.

Aquele frio cortante,

Aquela manhã,

E nós dois tomando

Uma xícara de café extremamente quente

Servido por um rapaz pálido e triste

Numa mercearia perdida

Em São Bernardo.

 

Fico imaginando,

Se conseguistes passar naquela prova

De anatomia, ou, fisiologia

– Não me lembro bem –

Que a todo instante

Entre as votações, as manifestações,

Te preocupava.

 

Fico imaginando

Se ainda se encontra na tua estante

O livro do Lenin que pediste,

Ou, se já se rasgou o cartaz

Colorido com um verso do Drummond

Que eu te dei.

 

Fico pensando, o que fazes, por onde andas?

 

Porque eu me lembro bem,

Do leve gosto de sal

Que os meus lábios sorveram

De uma lágrima que escorria no teu rosto

Quando, no último Congresso da UNE,

Discursava a mãe de Honestino Guimarães.

 

 

Adalberto Monteiro

Os sonhos e os séculos

Editora Círculo Azul Livros – edição 1991