12 – O desafio de se formar um bloco heterogêneo, policlassista
A realidade brasileira de nossos dias impõe ajustes que movimentam e tensionam as forças políticas e sociais. Estamos diante de uma situação em que a consolidação do golpe exige alternativas de lutas inteiramente novas. Sendo assim, é na realidade brasileira e no seu movimento real que precisamos encontrar as saídas para o nosso futuro. A ideia de um projeto progressista amplo e unitário deve ser compreendida como a concretização de um instrumento político capaz de herdar a experiência positiva do passado, romper seus limites e colocar-se à altura das novas tarefas.
A primeira questão a ser analisada dessa realidade e seus movimentos é a necessidade da construção de uma plataforma única, a soldagem de um bloco político amplo. Sem isso, não será possível pensar em um novo rumo para o país, com um economia orientada para o crescimento com distribuição de renda e modernização em larga escala da atividade produtiva, com a defesa do país em bases favoráveis aos interesses nacionais. Essa é, portanto, a condição primeira para que esse novo projeto tenha viabilidade política.
É ilusão achar que os setores conservadores não têm poder de arregimentação política — e mesmo social — e restringirão sua reação às posições que ocupam no aparelho de Estado. Esse dado conta, evidentemente. Mas ao seu lado estão a mídia, o poder econômico, o clientelismo e o corporativismo. O enfrentamento com essas forças exige um esforço redobrado e amplo de todos os setores interessados em isolar e derrotar as vias do autoritarismo e do golpismo.
É óbvio que no interior desse bloco heterogêneo, policlassista, os choques e divergências existentes se expressam de maneira diferenciada, de acordo com as características de cada força política e os interesses que elas representam. Isso é parte do processo de construção da unidade e, ao mesmo tempo, da luta pela hegemonia em seu interior — uma questão relativa ao que precisamos fazer hoje para podermos realizar o que pretendemos amanhã. O que não podemos propor, a priori, são tarefas que não tenham condições de viabilizar, que podem conduzir ao nosso isolamento e não ao do inimigo.
O ponto aqui é claro: nossas lutas, nossas medidas, por amplas que sejam, têm de estar contidas em nosso projeto estratégico. Dentro da batalha por sua viabilização é que vai se dar a luta pela hegemonia do processo — pelas diversas alternativas possíveis à solução dos problemas da ordem do dia. Isso, aliás, é um elemento a mais a indicar que uma política de unidade é básica para cada objetivo a ser atingido, a cada momento. Para tanto, devemos ultrapassar o marco simplesmente econômico ou, pior ainda, corporativo. São passos necessários, indispensáveis e contrapostos a qualquer ideia de gueto, de estreiteza, de isolamento.
A conjuntura atual requer alternativas realistas e as forças democráticas e progressistas estão obrigadas a enfrentar problemas complicados antes mesmo de nos depararmos com as grandes esquinas históricas que o futuro próximo nos reserva. Afora os aventureiros e inconsequentes, somente às forças direitistas, retrógradas, interessa numa deterioração do quadro político — que serve de caldo de cultura para seus projetos obscurantistas e reacionários.
Essas mudanças não virão por atalhos que buscam substituir o exercício político, na maioria das vezes lento e complexo. O agravamento da crise econômica e social, a dispersão das massas, o Estado sequestrado pelos golpistas e o recrudescimento das ações da direita são sintomas de que o processo político brasileiro passa por momentos gravíssimos. Não se está aqui dizendo que não é hora de criticarmos certas medidas dos governos do ciclo progressista. Algumas delas merecem críticas duras. E o complexo reformas-economia é uma delas.
A retórica de uma gestão econômica conservadora — sobretudo no início do primeiro governo Lula e no final do segundo governo Dilma —, como maquiagem sobre os problemas de fundo do país não deve ser vista de uma forma desprovida de tutano e seriedade. Criticar essa linha não quer dizer ser irresponsável, não levar em conta a famigerada herança maldita da “era neoliberal” e outros fatores conjunturais. É evidente que muitas ações econômicas daqueles governos visam a sempre ressaltar obviedades e omitir o que não interessava mostrar — fosse por convicção, fosse por conveniência. Em bom português: empulhação. Se fosse um arremesso de basquete, aquelas visadas não dariam aro.
Há, nisso tudo, no entanto, a necessidade de percepções apuradas para não se confundir o que é periférico com aquilo que é central. O ponto aqui é que o debate nacional encerra uma verdade: todas as nossas energias devem ser canalizadas para o problema de um Estado que se volte, em primeiro lugar, para os interesses da nação.
Seria astigmatismo político, nesse sentido, imaginar que hoje os interesses de uma parte do empresariado são opostos aos dos trabalhadores. Há interesses e interesses. O que não se pode afirmar, em nenhuma hipótese, é que a aliança política com esses setores seja impossível. E esses setores, eventualmente, podem estabelecer alianças com outros setores que não sejam os trabalhadores. Não levar isso em conta seria transferir a política de frente para um plano idealista, mecânico, e advogar a ideia de gueto, de isolamento.