Quando Luis Inácio Lula da Silva assumiu a Presidência da República, em 2003, estava implícito que seu principal desafio seria adotar um nova gestão da economia nacional, capaz de gerar a maior riqueza possível e garantir sua máxima distribuição. Essa era a ideia-chave, a pedra fundamental, do novo governo. Se fosse preciso eleger o conceito mais importante dessa ideia, este seria o de criar as condições para que os insumos fossem empregados de forma a trazer resultados que beneficiassem de fato a todos os brasileiros. Trabalho, produtos e consumo deveriam ser os termos principais da nova realidade econômica brasileira. E o fio condutor que perpassava e unia cada estágio dessa cadeia era a retomada do crescimento da produção nacional.

Lula perseguiu essa ideia com afinco. E, pode-se dizer, obteve importantes êxitos, embora tenha mantido um hibridismo econômico com traços neoliberais. Esse modo de ver as coisas impõe uma constatação: o problema da longa estagnação econômica decorria muito mais do projeto econômico dependente que vigorou no Brasil do que de qualquer outro fator. A desnacionalização da economia atingiu índices alarmantes. Uma parcela considerável do empresariado brasileiro preferiu vender suas empresas às multinacionais e viver das benesses de curtíssimo prazo da ciranda financeira internacional, sem oferecer resistência à ofensiva do capital global.

Assim, em nome de um falso cosmopolitismo econômico, os governos neoliberais encontraram um campo aberto para a ruptura com os parâmetros nacionais. Como resultado, a parte do país construída pelo pensamento nacional foi praticamente destruída. E isso gerou monstruosos desemprego e arrocho na renda da imensa maioria dos brasileiros. Sem demanda e sem infra-estrutura, a produção estagnou.

A retomada de uma linha antineoliberal, fundada no rompimento com a velha ordem dependente, exigia novos arranjos políticos e econômicos. E demandava tempo. Afinal, foram os paradigmas que serviram de antítese ao liberalismo no século XX que garantiram o desenvolvimento de muitas nações. Os países que de alguma forma conseguiram desatar as amarras imperialistas de suas economias chegaram ao final do século passado ostentando robustos produtos internos brutos. Ou seja: os parâmetros nacionais são a régua essencial que mede o progresso de uma sociedade. São eles que permitem aferir a riqueza produzida e a sua distribuição em um país.

A experiência brasileira mostrava cabalmente que não havia correspondência entre o discurso de que a “globalização” neoliberal garantisse ganhos equânimes, de escopo planetário, e progresso para todos. O detalhe é que os lucros das multinacionais são carreados para um determinado país-sede e isso faz balanças de pagamentos penderem para um lado ou para outro, levando consigo expectativas, juros, entradas e saídas de capital, pontos no crescimento econômico e nível da renda per capita. Trocando em miúdos: esse modo de gerir a economia aumenta brutalmente a riqueza no pico da pirâmide social e a pobreza e a miséria em sua base.

A venda maciça de empresas nacionais, no todo ou em parte, foi um escape fácil para essa parcela do empresariado brasileiro. Ao criar estímulos para tal comportamento — sobretudo por meio do nefasto Programa Nacional de Desestatização —, os governos neoliberais agiram com displicência, inércia, preguiça ou simplesmente má-fé sobre a questão nacional. Não há outra justificativa para a liberalidade sem limite concedida ao grande capital internacional, abrindo as portas para ele ciscar em nosso quintal, revirar nossas finanças públicas e imiscuir-se na vida política nacional — como a investida contra a legislação social e trabalhista. Ao recorrer às asas do governo para conseguir seus intentos, o imperialismo sabia que assim estaria menos exposto à resistência nacional.

Essa deveria ser uma página virada na história do Brasil a partir de 2003. O ostracismo aguardava o projeto neoliberal com ansiedade. O poder não estaria mais mancomunado com o grande capital internacional para arrochar a sociedade. Havia muitas oportunidades prontas, esperando empreendedores arrojados, e outras tantas por surgir. E o país começou a construir um ambiente democrático, munido de uma grande ideia — a de entregar a nação às novas gerações com mais riqueza e menos desigualdades sociais. O desfio era administrar esse ponto de vista sobre a economia nacional com o Estado pressionado pelos desajustes herdados do neoliberalismo.

Lula definiu que a economia deveria partilhar certos arranjos internacionais apenas em decorrência de táticas conjunturais — jamais por desistência de um projeto nacional, estratégico. Isso seria abdicar da vocação e das potencialidades de um país com o porte do Brasil, além de ignorar que o capitalismo de hoje não é mais aquele concorrencial da Primeira Revolução Industrial. Vivemos a era dos grandes blocos econômicos e, por isso, a visão deveria estar projetada também em termos globais. Seria decisivo para o Brasil o rumo que as economias da América Latina seguiriam. O ponto mais relevante, porém, foi a inserção no conjunto de polos emergentes que formam o BRICS, acrônimo de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. 

Mas o sistema de poder Estados Unidos-União Europeia se mostrava poderoso. O sistema de brutal transferência de recursos da periferia para o centro — remessas de lucros, pagamentos de juros, troca desigual, etc. — aprisionou os países mais pobres. Ao se submeter à estratégia desse sistema na “era neoliberal”, países como o Brasil limitaram suas economias quase que somente às exportações de produtos primários e aos ditames dos grandes bancos que dominam os mercados de empréstimos de curto prazo.

O Brasil, por exemplo, pressionado pelas crises da dívida externa, aceitou sucessivos termos comerciais e financeiros desfavoráveis e arcou com o peso da degradação social resultante de duas décadas de severo declínio do crescimento econômico. O desafio era desatrelar a economia nacional desse modelo “global”. Com a desaceleração das economias centrais — principalmente a norte-americana —, a condição básica para os países da periferia escapar da bancarrota seria o desenvolvimento econômico. O golpe de 2016 representou uma “meia volta, volver”, o abandono do caminho que rompia com a lógica do ditame Estados-União Europeia. 

Não sabemos o que o futuro trará, nem quantas lutas serão necessárias para enfrentar a pressão desse ditame. O sistema “global” tem como método de relações internacionais a imposição de suas vontades, que engolfa e determina o rumo a ser seguido. O que pode ser dado como certo é que chegamos à mais uma grande esquina histórica brasileira.

Nossa capacidade produtiva está, nesse primeiro momento, entre a pressão da crise mundial do capitalismo com suas montanhas de dívidas — que cobra seus juros e encargos às custas de enormes sacrifícios dos povos — e as potencialidades do desenvolvimento nacional. É sobre essa segunda opção que aqueles cuja visão do futuro não está confinada ao pensamento neoliberal fixam suas esperanças. Nossa independência estará centrada em duas premissas: a luta militante de classe e a certeza de que uma economia em desenvolvimento, justa e sustentável, não dependerá desse sistema mundial.