Visitando dois Vladimir
Ao centenário da Revolução Russa
No centenário
Da grande revolução
Da qual foste o poeta,
Vim nos meus sessenta anos de idade
A Moscou, tua cidade.
Levaram-me ao mausoléu de Lênin,
E me portei com a liturgia
De um religioso que vai a Jerusalém.
Caminhei ao pé do Muro do Kremlin.
A grama verde,
Entre os nomes das boas e más sementes
Que ali foram plantadas,
Acionei as lentes e pude ler bem adiante
“John Reed”.
Tudo isso fiz com a solenidade
De um muçulmano que vai a Meca.
Ou com o espanto e o encanto
Com que Gagarin viu a Terra.
Ali, simbolicamente, estava diante
Dos homens e mulheres
Que tiveram a audácia
De transformar em realidade
O sonho da solidariedade.
Não importa se com imperfeições.
No Céu também há pecados.
Deus que é Deus
Vejam o que criou…
Com o bafo do Ártico na cara,
Dominado pelo ópio da Catedral de São Basílio,
Tonto de deslumbramento,
Vaguei pela Praça Vermelha..
II
Fui ao Palácio das Colunas, herança da URSS.
Os que trabalham tinham palácios por aqui…
Passaram-se os anos e
Hoje a pátria voltou à tirania dos amos.
Embriagado de vodca
Tomado de indignação,
Quase caí no Volga.
São azuis os lagos da Rússia que não vi,
Mas vi as mulheres de tua pátria.
Belas russas,
Bielorrussas,
Ursas,
Botas até os joelhos,
Casacos de pele quase ao chão.
Tudo oculto e tudo à mostra,
Sobretudo os olhos
Que lembram as pupilas de nossas onças…
Recebi abraços de camaradas do mundo inteiro,
Condecorações que provavelmente não mereço.
Embora tudo isso fosse muito grandioso e honroso,
Exigi que além do mausoléu do Chefe
Que me levassem à casa do Poeta,
Pois que não há revolução sem as forças do coração.
Não me rendi às dificuldades.
Igual ao camponês que tem uma promessa a pagar,
E com o auxílio de um africano e de um boliviano
Que estudaram na URSS,
Cheguei à tua casa,
Mas estava cerrada…
Não importa…
Olhei pela fechadura da porta,
Pisei o chão onde pisaste,
Toquei nas paredes que foram tocadas por ti.
Era 7 de novembro.
E quando me postei ao pé de teu busto
Para uma fotografia,
Falaste-me bem ao sussurro:
– Sinto muito, amigo,
Mas nessa data aqui não se trabalha,
Estou numa datcha,
Aquecendo-me com vodka
E com o fogo
Que vem da lareira
Que há entre duas coxas ardentes.
(Adalberto Monteiro)