Consulta Popular: “Os que virão serão povo e saber serão, lutando”, Thiago de Mello
É preciso construir um projeto de país que resolva os problemas do povo brasileiro. Essa foi a síntese do debate sobre os desafios da esquerda neste momento com a necessidade de provocar transformações estruturais, que ao longo da história não foram realizadas. Para CONSULTA POPULAR – uma de suas forças mais consequentes e comprometidas – a Frente Brasil Popular tem um papel estratégico nessa contenda.
Em tempos de golpismo, é uma questão de sobrevivência da esquerda a construção de uma unidade capaz de enfrentar a onda de retrocessos, como ressalta o militante da Consulta Popular Leidiano Farias. “A construção da unidade entre as forças democráticas e populares, que na aposta da Consulta se concentra na Frente Brasil Popular, foi constituída no processo de resistência ao golpe”, pontua.
Roberto Amaral, que é um dos dirigentes da Frente, ao apontar desafios de consolidação e enraizamento da organização, afirma que além de crescer, a Frente deve se dedicar à construção de um projeto para o Brasil. “Na Frente cabem todos que estão dispostos a lutar contra esse governo. Se não tivermos força para implantar o nosso projeto, seremos impedidos de governar, mesmo que ganhemos as eleições de 2018”, coloca.
O debate levantou a necessidade de ser forjado um novo ciclo de luta da esquerda brasileira, que combine as experiências anteriores com novas formas organizativas e de participação, agregando pessoas que não possuem militância em ferramentas já existentes, para que também possam se somar na Frente Brasil Popular.
“O novo ciclo ou é frentista, ou não será. É preciso combinar a luta de ideias, de massas e institucional, como forma de reacumulação de forças”, defende Walter Sorrentino, da direção do Partido Comunista do Brasil (PCdoB).
Ricardo Gebrim, da Consulta Popular, acrescenta que o golpe em curso no Brasil aconteceu devido aos acertos dos governos do PT, como a distribuição de renda e aumento do acesso à educação e ao mercado de trabalho, mas os erros cometidos também foram aproveitados para desestabilizar, fragilizar e perseguir o PT e a esquerda em geral. Entre os erros, ele cita a falta de organização e conscientização do povo e a ausência de ações de enfrentamento ao neoliberalismo.
“A esquerda vai se reorganizar, mas se iludem aqueles que acham a saída é apenas organizativa. O central é a estratégia, que necessariamente deve passar pela disputa do poder”, sublinha.
Tive a honra de representar o PCdoB no Ato Político realizado na segunda feira 13 de novembro, de grande representatividade com a presença de Camilo Santana, governador do Ceará, Gleise Hoffman, presidenta do PT, Roberto Amaral, da Frente Brasil Popular, líderes do MST, e senadores, deputados, líderes sindicais e dos estudantes, mulheres, pequenos agricultores, atingidos por barragens, luta por moradia e tantas outras organizações políticas da luta social. Estiveram presentes também, do PCdoB, Carlos Augusto Patinhas, deputado federal Chico Lopes e secretário estadual de ciência e tecnologia Inácio Arruda.
Na Mesa principal dos debates, na terça 14, “A estratégia da revolução brasileira” fui honrado com o convite a pronunciar uma exposição sobre o tema, alvo dos debates posteriores (segue anexa).
Desafios da Estratégia da Revolução Brasileira e a Questão do Poder
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Consulta Popular, organização política revolucionária, patriótica e democrático-popular, realizou sua V Assembleia Nacional, que se dedicou a dar balanço da situação do Brasil e o mundo e retomar o debate estratégico sobre a revolução brasileira na presente situação de defensiva em que foram postas as forças progressistas. Fui honrado pelo convite de proferir a palestra abaixo e participar de seus debates.
Por Walter Sorrentino*
Estou muito grato pelo convite à V Assembleia de Consulta Popular. Desde há vinte anos de sua existência acompanho a elaboração de vocês. Estou muito grato pelo convite e honrado por poder falar a vocês, com quem tenho aprendido muito, e desejo êxito total a esta Assembleia. Meus cumprimentos também a Rui Falcão e Rafaella, do movimento dos pequenos agricultores, com quem comparto esta mesa.
Minhas homenagens à memória de Zilda Xavier, uma das principais dirigentes da ALN. Ela vive por meio da memória que temos dela, como exemplo de fidelidade às causas da revolução socialista e do povo brasileiro e ilumina nossos caminhos.
Li com atenção devida as teses em debate entre vocês. Ao contrário de outras era da esquerda brasileira, fixei-me nas identidades entre nós, e elas são muitas e generosas. Vou destacar aqui a centralidade da Questão Nacional na articulação dos eixos estratégicos da RB. Acima de tudo, quero pô-la sob a perspectiva de uma nova luta pelo socialismo.
O Brasil está preso numa armadilha, a armadilha do médio desenvolvimento e renda. Constituiu-se uma encruzilhada histórica desde o esgotamento do Nacional-Desenvolvimentismo, a chamada Era Vargas, desde os anos 1980. Ou o Brasil supera esse impasse ou a nação se degrada, subordinada às cadeias globais de valor e à divisão internacional do trabalho, sob a égide rentista, da globalização neoliberal e imperialista. Uma crise de projeto, crise de destino, como dizem vocês inspirados em Caio PradoJr, quando os temas estratégicos voltam à ordem do dia.
1 – A estratégia da revolução brasileira sempre articulou 3 caudalosos rios com vistas à afirmação do Brasil e, no caso da esquerda, ao socialismo. Todo esse debate é essencialmente polissêmico, mas esses 3 eixos são o nacional, o popular e o democrático, relativos ao desenvolvimento nacional, a distribuição de renda e inclusão social, e a liberdade para o povo se organizar politicamente. O debate girou mais em torno da centralidade que articula as 3 vertentes.
Esse debate marcou épocas distintas épocas da esquerda brasileira, constituindo ciclos com hegemonias definidas: desde 1922 até os anos 60, a hegemonia do eixo Nacional-Popular. O nacional- desenvolvimentismo foi exitoso e teve a hegemonia nacionalista do PTB de GV. Os comunistas o disputavam pelo lado dos interesses populares e democráticos. O golpe de 64 e a luta contra a ditadura deu início progressivo a fase de centralidade estratégica em torno da questão Democrática e Social. Vingou o PT, com a questão social – cidadania democrática, distribuição de renda e inclusão social.
3 – O ciclo de governos progressistas precisa ser analisado criticamente sob essa luz também
Vocês afirmam que o erro estratégico central foi o abandono da estratégia de conquista do poder. Relacionam isso com a subordinação dos interesses dos trabalhadores à burguesia, causa e consequência do afastamento da luta pelo poder de Estado e me parece que tal afirmação causal não se coaduna inteiramente com a autocrítica de menosprezar as disputas no âmbito da burguesia (” o menosprezo da disputa burguesa: rentismo versus desenvolvimentismo, de modo que tivemos limites em compreender a ofensiva do governo em 2012 sobre os bancos e setor financeiro. Tivemos essa compreensão a posteriori e não conseguimos explorar essa contradição”. Quero dialogar com isso, enfatizando mais a insuficiência estratégica de concepções liberais sobre o caráter de classe do Estado.
Consideramos essencialmente positivo o legado do ciclo. Como vejo a cadeia de erros, lacunas e insuficiências? Tudo somado, não se constituiu verdadeiramente um Projeto de Poder capaz não apenas de vencer eleições, mas abrir um ciclo prolongado de transformações históricas no Brasil, sob variadas configurações políticas e institucionais, com um NPND e uma estratégia madura que teria que pôr a questão as reformas estruturais de Estado para educar politicamente o povo e disputar na sociedade condições mais favoráveis de correlação de forças.
Não havia como embasar um projeto de poder sem um projeto nacional definido, mostrando que houve um défice de formulação marcante. A referência de Singer ao lulismo, a de vocês ao neodesenvolvimentismo como hegemônico nos governos do PT, e a de Haddad sobre a hegemonia lulista e da corrente centrista da CNB com o neo-desenvolvimentismo, são interessantes. Mas seria forçado alegar o neo-desenvolvimentismo como um Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento. A tal frente neo ou social-desenvolvimentista foi veículo para o objetivo central estratégico para o PT, a cidadania democrática e as conquistas sociais com distribuição de renda e políticas públicas arrojadas, com a fidelização eleitoral de grandes massas populares, ajudadas pela circunstância econômica mundial pré-crise. A questão nacional veio depois, foi parcial e não se impôs inteiramente na reflexão estratégica. Nisso diferiam PT, de um lado, do PCdoB, PDT e PSB.
Ligada e essa ausência de Projeto Nacional, a estratégia não foi nem podia ser madura. Não eram planos de governo o que precisávamos, mas sim definir com precisão etapas e fases necessárias, as alianças sociais e políticas que se exigiam a cada fase, o papel do Estado e do mercado, bem como do lugar da Esquerda nas alianças nessa construção. Dois exemplos: no plano econômico, manejamos o estilingue do neo-keynesianismo – políticas pró ou anticíclicas – em vez do arsenal mais poderoso para a reindustrialização e uma macroeconomia para o desenvolvimento – e ainda o manejamos com esquematismo inesperado, sem claro discernimento da evolução da crise mundial capitalista e da situação fiscal do Estado. Do ponto de vista político, a questão das alianças. A ideia de uma coalizão – desde Dirceu – era necessária, mas tendo por centro um Núcleo de Esquerda que a conduzisse. Desde a Carta aos Brasileiros não houve esse núcleo e, em 2006, Lula fez a opção política de descartá-lo inclusive na base de sustentação no Congresso. Grassava aí o exclusivismo do PT na disputa política, o que dificultava a hegemonia necessária para romper as barreiras ao Projeto e o deixou mano-a-mano com o profissionalismo do PMDB.
Porém, o mais decisivo, onde falhava a usina para impulsionar o projeto e se demonstrou a carência estratégica: as inesperadas ilusões e aguda insuficiência da visão sobre o caráter de classe conservador do Estado brasileiro e os entraves que isso significava para o projeto nacional. Não houve uma coerente agenda de Estado nem clara, nem consentânea com a obra requerida. O caráter de classe do Estado foi aprofundado com o NL em função da dominância financeira e globalização imperialista, e o ciclo ficou atado em várias dessas adequações funcionais a outro projeto de país.
Do ponto de vista do PCdoB, temos autocríticas. Foi débil a defesa da democratização do Estado brasileiro. O PCdoB tinha evidentes divergências, pregando insistentemente as reformas estruturais democráticas (era nosso objetivo central na ocasião) mas não demarcou, nem se confrontou de público com o falso republicanismo que grassou nos governos Lula e Dilma. Defendemos todas as opiniões críticas que expressei. Mas não reunimos forças suficientes nem espaços correspondentes a um núcleo central de esquerda na formulação estratégica da condução política e econômica. Ficou claro que a aliança, no plano nacional, com o PT desde 1989, a par do acerto político e dos resultados satisfatórios, trouxe também consequências negativas relativas à diluição da identidade e visibilidade do Partido.
4 – Abriu-se um interregno de fim do ciclo da Nova República e de reconfiguração programático- organizativa da esquerda brasileira. A Esquerda precisa se reencontrar, à luz da experiência, com uma estratégia nacional, popular e democrática, nas condições do mundo e do Brasil de hoje e suas tendências.
O pensamento estratégico do PCdoB consiste essencialmente em repôr a centralidade da QN como eixo que articula a questão democrática e popular, nas condições do Brasil e do mundo; e constituir uma Frente Estratégica que possa empalmar pela esquerda a bandeira do desenvolvimento nacional soberano. Esses são os nossos caminhos na Nova Luta pelo Socialismo.
Dialogo com a ênfase de Consulta Popular na QN como grande ponto de identidade entre nós. A centralidade decorre da caracterização clássica das forças revolucionárias em países dependentes, no contexto das lutas de libertação nacional – China (“O socialismo salvou a China”) e Cuba (“Patriotismo com Justiça Social”) fazem do socialismo a garantia da existência da nação independente. Contudo, a centralidade da questão nacional na estratégia da revolução brasileira decorre também de fatores endógenos e estruturais da realidade nacional, ou seja, a “Libertação Nacional” ganha novo caráter. O interesse fundamental de afirmação da nação recai sobre os ombros dos setores populares em aliança com setores produtivos mais interessados no desenvolvimento e em oposição à frações mais ligadas a interesses estrangeiros.
Tentamos formular um pensamento original. Perseguimos uma justa correlação dialética e prática entre Programa, Caminho, Estratégia e Tática. O programa precisa conter princípios teóricos e base ideológica bem definidos, mas não pode ser abstrato e precisa ser exequível, ou seja, explicitar os caminhos para realizá-lo. Isso baliza a Estratégia e a Tática. Nós os entendemos no âmbito de uma Nova Luta pelo Socialismo. A centralidade da questão nacional se materializa em um NPND, que consideramos a via brasileira ao socialismo.
O PCdoB propõe construir um NPDN para o qual concorrem todas as lutas de classes dos trabalhadores em sustentação de um projeto articulando Nação (desenvolvimento), Produção (reindustrialização), Trabalho (a renda do trabalho e distribuição das riquezas) e Educação, marco de base para elevar o padrão da vida material e espiritual do povo. A ideia de uma nova aliança nacional- popular-produtivista é a base de uma nova coalizão que retome o projeto nacional. Isso se dá no âmbito de uma NLS e é a via brasileira ao socialismo.
O desenvolvimento é a grande bandeira da época nos países em desenvolvimento. É a questão primordial para o Brasil atender aos interesses mais imediatos do povo e abrir passo a um novo patamar civilizatório da nação. No mundo, há imenso potencial das FFPP em desenvolvimento disruptivo – que marcam uma nova era – mas o NL e seu vértice hegemônico, o sistema financeiro, aprofunda em nova escala o desenvolvimento desigual e combinado do capitalismo, condenando à periferia ou semiperiferia as nações subordinadas às cadeias globais de produção e divisão internacional do trabalho. Disso emergem as grandes contradições da época e o grande anseio dos povos e nações. Não há como separar a luta contra o neoliberalismo da luta contra a neocolonização nos países em desenvolvimento, para salvaguardar a independência, a autodeterminação e o desenvolvimento nacionais.
Assentamos o NPND também endogenamente, dadas as contradições próprias da formação econômico-social brasileira e do estágio alcançado no desenvolvimento capitalista. Nas lutas de libertação nacional o alvo era o imperialismo e o capitalismo monopolista de Estado. Mas é preciso ir mais longe: a esquerda precisa assumir perante os brasileiros a liderança de um projeto nacional, da necessidade de desenvolvimento das forças produtivas e da riqueza social, sob a soberania popular e democrática.
A definição do NPDN é, portanto, fator indispensável para formular uma Estratégia madura e um verdadeiro projeto de poder sob a hegemonia de forças avançadas. Não é uma plataforma eleitoral para vencer eleições – embora a contenha – mas um projeto de poder para um ciclo de 25-30 anos de esforços persistentes nessa direção. Envolve alianças, táticas e estratégicas, tendo por núcleo a unidade da esquerda política e social, como base para unir vastas forças políticas, sociais, intelectuais, de afinidade progressista, patriótica e democrática com as bandeiras da esquerda.
Do ponto de vista da estratégia, para nós os 3 eixos (N-P-D) se entrelaçam numa justa relação, subssumidos (incorporados e subordinados) à questão do desenvolvimento e da autodeterminação nacional. Sem desenvolvimento soberano e sem Estado Nacional garantidor de nossa autodeterminação não há futuro para o Brasil nem para o socialismo.
O papel do Estado nacional forte e capaz de garantir a autodeterminação é fundamental. Face às forças tão poderosas do sistema financeiro e do imperialismo, como não contar com a força do Estado Nacional para fazer-lhe frente? Mas o NPND só se consolida com um Estado sob soberania democrática e popular. A burguesia brasileira não quer, não pode e não reivindica liderar o bloco político histórico de um terceiro passo civilizacional no Brasil. Ao contrário, ela tem baixo sentimento nacional, é sócia da acumulação financeirizada e atua como classe no conflito distributivo, não obstante os interesses objetivos na acumulação e mercado internos por parte dos setores produtivos. Mas é forte entre o povo o sentimento de nacionalismo popular. Cabe aos trabalhadores liderar o projeto na defesa da nação e do desenvolvimento soberano e compreender que o NPDN só se leva a cabo e completa se se definir rumo ao socialismo. O socialismo corresponde à nova independência do Brasil e o terceiro ciclo civilizacional no país. O NPND, sustentado por ampla coalizão política e social sob a liderança dos trabalhadores e da esquerda, entrelaça-se com as tarefas da etapa primária de transição ao socialismo.
Nessa direção, o centro da Estratégia é a hegemonia e a condição sine qua non para êxito é a constituição de um poder de Estado democrático e popular. Mas a hegemonia é construída antes, durante e até muito depois de alcançar isso. A estratégia nesta fase por abrir caminho ao NPND combina em si reformas e rupturas, políticas e econômicas, reformismo revolucionário por assim dizer em variadas formas de luta. É por meio de análise rigorosa da realidade concreta e das lutas de classes na sociedade que se estabelecem os alvos principais e secundários, as formas de lutas e alianças temporárias ou prolongadas. E é por meio da política que se abrirão os caminhos para essa jornada. O centro da Tática se define em função da análise concreta da realidade e da correlação de forças – hoje é de ampla união de forças da esquerda políticas e sociais, do arco progressista e democrático, para barrar a implantação da nova ordem ultraliberal, autoritária e neocolonial em curso no país.
Essa chave de debates me parece importante isso na experiência da esquerda, nós incluídos. Se queremos dar exequibilidade a uma proposta socialista, devemos articular dialeticamente Programa, caminhos, estratégia e tática com um continuum. A disputa do aparelho de Estado (e sua transformação) é central para a viragem estratégica – mas o que vem antes, durante e depois? Não podemos incorrer em erros frequentes como: 1) o de fixar o centro estratégico sem caminhos exequíveis, 2) tomar o centro estratégico como centro tático ou, 3) fazer flexões táticas sem balizas estratégicas firmes, desconhecer a correlação de forças e confundir alianças táticas com estratégicas. Foi sempre pior ainda quando todas essas exigências não estão embasadas num Programa Socialista explícito. E, da experiência recente, compreender que Programa não é programa ou plataforma de governo, de varejo ou curtoprazismo, sem discutir modelos para o projeto de desenvolvimento face ao domínio estrutural do neoliberalismo. Nós buscamos essa articulação dialética, no âmbito de uma NLS.
5 – Ainda neste ponto da centralidade da questão nacional, acrescento o debate de superar o dilema da produtividade. A luta por um NPND só vinga transitando ao socialismo. Como caminho de transição ao socialismo, e para a própria construção inicial do socialismo em países em desenvolvimento, tem por pressuposto o desenvolvimento das forças produtivas e a elevada produtividade social do trabalho. Trata-se de criar as bases do socialismo no seio da própria sociedade capitalista, em cada singularidade de formações econômico-sociais, portanto forjar uma base econômica avançada para cumprir seu desígnio e legar sustentação à primeira fase de transição e de edificação socialista. E mesmo nessa transição, o desafio fundamental primeiro segue sendo o desenvolvimento em plenitude das FFPP – ou o socialismo é superior ao capitalismo ou não se sustenta, sob o risco de não produzir riquezas, dinamismo e inovação para superar o capitalismo.
Há aí uma nova fronteira teórica que precisa ser ultrapassada. Uma teoria da transição ao socialismo, o papel do capitalismo de Estado e o papel do Socialismo de Mercado em suas diferentes etapas e fases. Elias Jabbour, inclusive, cita o socialismo de mercado na China como uma formação econômico-social específica. A China avançou nesse terreno (e até aprendeu com nossa experiência nacional- desenvolvimentista) e dá grande contribuição à teoria da transição ao socialismo para o que devemos manter a cabeça aberta, não como modelo ideológico, mas como exemplos de caminhos e modelos econômicos e políticos que lograram superar o impasse sobre as alternativas ao neoliberalismo e a fizeram a maior economia do mundo. O posicionamento de vocês é muito importante sobre suposto papel imperialista da China nesse contexto, coisa que grassa largamente na esquerda ocidental. A Nova Era anunciada em seu Congresso representa o desejo de a China assumir seu papel internacional no rumo do desenvolvimento das nações e na autodeterminação dos povos e elevar a etapa da construção do socialismo.
6 – Passo agora ao debate da outra questão estratégica associada ao êxito dessa luta, que é a necessidade de uma força política organizada, definida ideológica, programática, política e organizativamente sem a qual não se estabelece o bloco histórico para um terceiro ciclo civilizacional brasileiro e não se constrói a Frente Estratégica necessária. O PCdoB é explícito: hoje no Brasil nenhuma força partidária singular é capaz dessa hegemonia isoladamente. É preciso reconfigurar a esquerda brasileira do ponto de vista programático e organizativo. A força será constituída com uma estratégia frentista – Frente Ampla para resistir e derrotar a ofensiva neoliberal e o esforço para que se constitua como frente estratégica, a Unidade Popular como bandeira da esperança. A resistência é alimentada pela esperança de futuro – a frente tática tem que estar vocacionada a uma frente estratégica. No seu seio, são indispensáveis organizações políticas definidas. Para o PCdoB o novo ciclo da esquerda ou é frentista ou não haverá. Mas o papel do partido é indispensável para forjá-la. Nossa pré-candidatura está a serviço disso: constituir uma agenda em comum, pregar a unidade entre nós e fortalecer o PCdoB, o que me parece indispensável à esquerda plural brasileira.
Dialogamos nisso quando vocês dizem aglutinar um polo de vanguarda em torno de um projeto e de articular nesse rumo estrategicamente 3 frentes de acumulação de forças – a luta política de massas, institucional e de ideia em situação de acumulação estratégica de forças. Mas considero inevitável exigência de forças com fundamentos teóricos, ideológicos, programáticos, políticos e organizativos próprios de um particular que aspira à totalidade – o que é próprio dos partidos políticos – enfeixando caminhos, estratégicas e táticas – sobretudo se pusermos essa luta na perspectiva de uma transição ao socialismo.
13 – Termino com duas outras questões da construção estratégica, estas de natureza cultural-ideológicas sobre a centralidade da questão nacional.
Refiro-me ao debate sobre nacionalismo, cosmopolitismo, internacionalismo e multiculturalismo (que tem tido pouca atenção da esquerda e pode minar a convicção estratégica).
A ideologia dominante no neoliberalismo é o cosmopolitismo, não o nacionalismo. A luta por autodeterminação nacional, independência e soberania nacional para o desenvolvimento no caso dos países dependentes – e até mesmo na Europa do euro hoje – é inteiramente internacionalista do ponto de vista da luta pelo socialismo e são bandeiras a serem erguidas pela esquerda!!!
Por outro lado, as lutas de classes dos trabalhadores se deparam hoje com a fragmentação das lutas (por falta de projetos exequíveis de saídas para a crise capitalista) e a dita “falta de alternativas” ao NL (coisa que a experiência da China nega). A mais exponenciada hoje no Brasil é a rejeição da política que se estende à forma partido. Quer dizer, proclama-se a fuga implícita do terreno da política, no sentido de orientar-se pelas relações de forças entre todas as classes para modificá-las em proveito da perspectiva socialista.
Hoje estamos assistindo não o enfraquecimento do Estado-nação, e sim o fortalecimento do caráter de classe burguês do Estado em escala inimaginada. No NL e globalização imperialista, como foi bem apontado nas teses, o Estado nacional burguês não se eclipsa, se transforma. Está em voga ignorá-lo como terreno de disputa – uma concepção essencialmente anarquista, liberal ou despolitizada do Estado, que alimenta a anti-política. A esquerda ocidental, em grande parte, incluídos os comunistas, está distante desses debates, sob o peso de pautas multiculturalistas onde predominam os temas de identidade, costumes e comportamentos do que lidando com debate mais questões de costumes do que projetos de nação, vias para o socialismo e a teoria de transição ao socialismo (por isso obnubilam a China).
É nesse vácuo de saídas que cresce uma “nova esquerda” combinando globalismo e cultura baseada nos direitos da pessoa abstrata, em termos interclassistas, em alternativa ao conflito entre capital e trabalho assalariado. Sua base ideológica é uma determinada apropriação do multiculturalismo.
De fato, o Brasil acumulou intrincadas contradições no seio do povo e elas não podem se transformar em contradições principais nem antagônicas. Nós dizemos, e aqui termino: elas precisam ser conduzidas sob 3 premissas, quais sejam, a de ser incorporadas e ligadas a um projeto nacional de desenvolvimento, base para sua superação, ter sentido de classe em todas as lutas, e assegurar a unicidade do povo brasileiro, não permitir sua fragmentação em identidades). O orgulho se ser antes de tudo um trabalhador ou trabalhadora, um brasileiro ou brasileira e integrar o exército das lutas de classes dos trabalhadores por uma perspectiva socialista. Abrir mão ou perder-se nisso é o pior fracasso estratégico.
Publicado no portal Vermelho