EMBRAPA, patrimônio nacional a ser revigorado
Repercutiu fartamente a notícia de demissão sumária do sociólogo Zander Navarro, emérito pesquisador do agro e da ruralidade em nosso país, dos quadros da EMBRAPA. Assinou a ordem o presidente da Instituição, depois de um artigo publicado no Estado de São Paulo (Por favor, Embrapa: acorde!, em 5/1/2018).
Zander Navarro abriu debate público sobre a situação da EMBRAPA, que ele julga estar sob sérios dilemas administrativos e morais. A resposta do presidente da instituição, Maurício Antônio Lopes, foi sumária: demissão do pesquisador por “ignorar sistematicamente os códigos de ética e de conduta da Empresa”.
Seguiram-se diversas opiniões, sobretudo no Estadão que sempre dá valor às questões do agronegócio com o viés conservador ideologizado de sempre (no caso atribuindo os insucessos ao lulopetismo), e até mesmo missivas de outros ex-pesquisadores da instituição, preocupados com a repercussão em detrimento da EMBRAPA e solidarizando-se com o demitido.
Conheço vários integrantes da instituição e acompanho o papel da empresa tanto quanto possível. Falo apenas como um brasileiro que sabe o valor passado e presente da EMBRAPA como impulsionadora de uma entre as maiores vantagens estratégicas do país, que é a pujança de sua agropecuária.
Com formação marxista e de esquerda, fui modificando progressivamente a compreensão do significado do setor pelas mudanças ocorridas nas últimas décadas. Sei que há nele muitas forças conservadoras, mas também na esquerda muitas análises se tornaram superadas.
O que constato é que um autêntico projeto nacional precisa dar o valor e lugar merecidos à agropecuária brasileira, que é uma potência. Os combates de perspectivas e projetos precisam ser travados, sim, pois como se sabe um projeto nacional de desenvolvimento não é isento de contradições e diferentes medidas beneficiam diferentes interesses.
Apenas digo que não se pode perder de vista o papel do setor em tal projeto de desenvolvimento nacional, promovendo produtividade, eficiência, tecnologia e proteção ambiental no setor. É o que interessa à nação nos marcos de um mundo de profundas assimetrias de poder, como também frestas para o Brasil afirmar seu lugar altivo e ativo no cenário global. A agropecuária brasileira é um pilar para isso.
A EMBRAPA se agigantou. Tem mais de mil projetos de pesquisa em desenvolvimento, 10 mil servidores espalhados por 47 unidades, em quase todos os Estados, com orçamento anual de cerca de R$ 3,5 bilhões.
Navarro contribuiu ao debate chamando a atenção para a dispersão e certo descolamento do projeto com respeito aos interesses concretos dos produtores. Instituições não podem viver só de glórias passada. Atualizações, revisões, adequações e mudanças no perfil de atividades são o combustível da renovação permanente. Assim entendi a preocupação dele, apesar de seu tom um tanto ácido no artigo. Também porque conheço parte da obra do autor, uma das de maior densidade na análise do tema.
Não posso dizer de regimento que permitisse ou não escrever ao jornal, mas defendo sua liberdade de fazê-lo, constatando que foi útil dada a dimensão tomada pelo debate. O que não se podia aceitar é demissão sumária, praticada autocraticamente, com uma enorme inabilidade e autossuficiência, como me pareceu. Ouso dizer que o caso foi tratado de modo corporativo e burocrático e isso, querendo ou não, endossa preocupações apontadas por Navarro. Foi o pior a fazer: levou o problema à Justiça e interditou o debate.
Um dos que se solidarizaram com Navarro, foi Márcio Miranda, Diretor Executivo do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos, ligado ao Ministério de Ciência e Tecnologia. Ele afirma que “sempre terá Zander Navarro como um dos principais nomes na discussão estratégica sobre o presente e o futuro da pesquisa agropecuária e a altíssima relevância estratégica que esta tem para com o desenvolvimento do nosso País, aí incluído o papel destacado da Embrapa na sua dinâmica evolução no ambiente de desenvolvimento científico, tecnológico e de inovação associado à atividade agrícola.”
Criticando a conduta, não tenho por que, em princípio, desconsiderar a pessoa do presidente da EMBRAPA. Prefiro partir de seu compromisso com o empreendimento. As instituições são construídas por pessoas: considero que há tempo de convocar a comunidade da EMBRAPA para um debate organizado e amplo sobre o ocorrido e as consequências a extrair para o futuro.
Quer dizer, a EMBRAPA é um patrimônio nacional, pode ser revigorada (até devido aos múltiplos sucessos desde sua criação) e sempre estará no vértice dessa discussão estratégica ao Brasil e os brasileiros.
Publicado em Jornal GGN