A Fundação Maurício Grabois (FMG) mais uma vez está presente no Fórum Social Mundial, evento que este ano acontece em Salvador, entre os dias 13 a 17 de março, e que está na sua 13ª. Edição.

Em parceria com Advogados pela Democracia, Justiça e Cidadania (ADJC), a Grabois promoveu um debate que teve como tema a “Judicialização da Política e a Reconstrução da Democracia”. A atividade, que aconteceu na tarde desta quinta-feira(14) no Campus de Ondina da Universidade Federal da Bahia, reuniu estudantes, advogados, juristas, lideranças e militantes de esquerda. O secretário de Finanças da Grabois, Leocir Costa Rosa, coordenou os debates, afirmando o empenho da Fundação em promover o debate sobre o desmonte do Estado Democrático de Direito, um tema complexo e polêmico que precisa ser examinado com cautela e precisão para combater os ataques à democracia. A entidade tem contribuido para a realização de debates sobre o assunto, tendo realizado debates com juristas e advogados em Brasília e São Paulo.

Entre os debatedores: Aldo Arantes, ex-constituinte e coordenador da ADJC; Augusto Vasconcelos, advogado, professor universitário e presidente do Sindicato dos Bancários da Bahia; Pietro Alarcón, advogado e professor da PUC/SP; e Carol Proner, jurista e professora da UFRJ.

Arantes abriu as discussões destacando o atual cenário político nacional e criticou o que chamou de ofensiva articulada de criminalização de vários segmentos da sociedade para impedir senso crítico. “Vivemos não só a criminalização da política, mas dos políticos, dos partidos e dos movimentos sociais. E esse processo, na verdade, atinge a própria democracia. É uma ofensiva articulada pelo neoliberalismo que despolitiza a sociedade, que procura estigmatizar os partidos, a política, a ação política, no sentido exatamente de gerar uma situação de falta de consciência crítica”.

De acordo com Arantes, o ex-presidente Lula tem sido a maior vítima dos ataques e ofensivas. “São certas lideranças políticas e certos partidos que, de uma ou de outra forma, incorporam essas ideias. Não é à toa que o presidente Lula passa a ser, há muito tempo, desde o seu primeiro mandato, alvo desse processo”.

Aldo lembrou ainda o que está por trás do golpe praticado no Brasil. “Se nós analisarmos o processo de implantação do neoliberalismo no Brasil vamos entender porque eles vieram agora com tanta violência. O neoliberalismo foi implantado no Brasil, a partir do governo de Sarney, com acordos firmados com o Fundo Monetário Internacional.” 

 

Aldo Arantes denuncia o estado de ruptura institucional para favorecer interesses econômicos após o golpe no Brasil (Foto: Gilmara Iglesias)

 

O coordenador da ADJC falou da negação da Constituinte, em sua gênese, para impedir a ampliação de direitos. “A Constituinte é a negação do neoliberalismo, é um estado social, incorpora os direitos humanos na sua acepção mais geral, direitos sociais, econômicos, políticos e culturais. É algo extremamente relevante, tanto assim, que lá na Constituinte o próprio Sarney dizia que o orçamento brasileiro não cabia para os direitos estabelecidos na Constituição”.

Ainda de acordo com Aldo, a reação neoliberal e imperialista ocorreu devido a ampliação do campo da esquerda na América Latina. “Essa vinda do Lula teve consequências graves, não só no Brasil. A vitória do Lula aqui no Brasil e a vitória de vários governantes na América Latina criaram uma situação absolutamente inusitada. Enquanto o mundo estava caminhando em uma tendência neoliberal, a América Latina estava em uma atitude de confronto. E isso o imperalismo não poderia aceitar.” 

Por fim, o advogado citou os “5 passos do golpe branco” conduzidos pelos golpistas para atingir seu objetivo. “Primeiro passo: promover ações para gerar um clima de mal-estar social, utilizando os meios de comunicação, exatamente o que foi feito aqui. Segundo passo: fazer denúncias fundadas ou não, é o que aconteceu aqui, mentiras, mentiras, uma atrás da outra. denúncias fundadas ou não para debilitar a base social de apoio ao governo. Terceiro passo: lutas de rua com manifestações políticas e luta contra o governo. Quarto passo: combinação das diversas formas de luta para criar clima de ingovernabilidade. Quinto passo: se for necessário, a fratura institucional.  Então fica muito claro o que eles fizeram.”

E falou dos caminhos a seguir. “É necessário que cada um reflita o caminho que o país deve adotar. Isso significa que é preciso disputar espaço. Se a juventude não quer seguir as ideologias de esquerda, que também não pense igual a Globo.”

Em sua fala, o advogado Augusto Vasconcelos destacou o neoconstitucionalismo e fez uma referência às práticas anticonstitucionais dos dias atuais. “As constituições, até o fim do pós-guerra, era um bibelô nas salas, uma figura para ornamentar, um proclamado de boas intenções que não saía do papel. A partir dalí, começa a surgir um fenômeno da retirada do papel para a prática, o neoconstitucionalismo. Começa a se consolidar o estado de bem estar social e os mecanismos de retomada de crescimento econômico com inclusão social. Criando previdência, escolas e saúde pública. Na sua origem, o neoconstitucionalismo tem caráter progressista. Ele nasce com uma ideia de que valores e princípios podem orientar interpretações jurídicas.  E o que está acontecendo no Brasil? Nas Leis, as zonas de incertezas estão sendo alargadas para abonar o que era zona de certeza positiva. Criando uma situação onde tudo podem os governos fascistas e golpistas”.

Para o professor Pietro Alarcón, é preciso reagir às tentativas de calar as instituições educacionais de ensino superior públicas que querem debater o golpe. “Uma questão extremamente importante é o fato de que, hoje, mais de dez universidades no Brasil apresentam como um curso a análise do golpe de 2016. Muito a contragosto do governo, da Escola Sem Partido e do Ministério da Educação. O fato é que não há como paralisar o esforço de um pensamento crítico que vem sendo feito no Brasil, e que tem questões importantes: caracterizar o golpe não apenas como um fato caprichoso da classe dominante brasileira na sua arrogância, se não entender que este golpe tem necessariamente uma vinculação com uma lógica de acumulação do capital internacional.”

A jurista Carol Proner falou do trabalho da ADJC de denunciar ao mundo o que está acontecendo no Brasil. “É ingrato o trabalho de denunciar o que está acontecendo aqui porque é complexo, é difícil de explicar e, até certo ponto, é constrangedor. Porque temos que denunciar os poderes do Estado, o oportunismo, o seletivismo e o casuísmo, por exemplo, dos funcionários da justiça que estão, de certa forma, vivendo um processo de assalto, de confusão e ataques aos poderes.”

Parlamentares 

 

A deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) (Foto: Gilmara Iglesias)

 

Presente na atividade, a deputada federal pelo PCdoB-RJ Jandira Feghali falou da necessidade de debater o atual momento político brasileiro. “Essa, na minha opinião, é uma questão pilar do nosso debate. Porque nós estamos pensando em uma agenda para o Brasil, pensando em uma mudança de comando político do Brasil. Nós já tivemos uma ruptura constitucional, uma absoluta violência com a democracia e junto com isso foram os direitos dos trabalhadores, o patrimônio brasileiro e pode ir a eleição também.” 

Para a senadora pelo PCdoB-AM, Vanessa Graziottin, que também participou da palestra, o FSM é fundamental para denunciar ao mundo os ataques e ameaças que vive o país. “O Fórum Social Mundial adquiriu um caráter mundialmente muito importante no encontro das forças progressistas libertárias e dos movimentos sociais. Mas nesse momento é fundamental porque o Brasil, a Argentina e a Venezuela vivem sob ataque. Então, eu acho que esse Fórum, mais do que nunca, é fundamental, principalmente no momento em que nós vivemos aqui no Brasil a eminência da prisão do ex-presidente Lula por uma condenação que foi feita sem nenhuma prova.

O FSM 2018

Com o tema: “Povos, Territórios e Movimentos em Resistência”, a expectativa é que cerca de 60 mil pessoas de 120 países, e importantes lideranças mundiais, vão se reunir para discutir os retrocessos e os ataques à democracia no Brasil e no mundo.

A abertura do evento aconteceu dia 13 com a “Marcha dos Povos”, quando uma multidão formada por militantes de diversas regiões do país e do mundo, e de várias frentes de lutas, tomou as ruas do centro de Salvador entoando palavras de ordem e gritos de “Fora, Temer!” 

Ao todo são aguardados mais de 1,5 mil coletivos, organizações e entidades que vão realizar cerca de 1,3mil atividades autogestionadas, com participação de representantes de entidades de países como Canadá, Marrocos, Finlândia, França, Alemanha, Tunísia, Guiné, Senegal, além de países sul-americanos, para debater e definir alternativas e estratégias de enfrentamento ao neoliberalismo, aos golpes e genocídios enfrentados por diversos países. 

Na ocasião também serão debatidos desigualdades sociais, questões de gênero, raça e papel da mulher na sociedade, democratização da mídia, direitos da população indígena, habitação, homofobia, entre outros.