O moderador da mesa foi o economista Elias Jabbour, que introduziu o tema lembrando que, na inauguração do primeiro metrô do país, em São Paulo, em 1975, o mais moderno à época, foi construído com trilhos, vagões e escadas rolantes brasileiros, entre outras tecnologias. No mesmo ciclo político, foram construídas as usinas hidrelétricas de Itaipu e Tucuruí, além da ponte Rio-Niterói, com o Brasil dando mostras ao final da década de 1970, de que estava se tornando uma grande potência. “Apesar disso, estamos sempre ouvindo que o gargalo do Brasil é a infraestrutura, que, com o andar da carruagem, devem ter seus investimentos rareados”, afirmou.

A geóloga e superintendente de Definição de Blocos da ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis), Eliane Petersohn, fez uma exposição simples e contundente ao apenas apresentar o potencial petrolífero brasileiro. Apesar disso, o que mais repetiu foi o baixíssimo investimento em exploração e produção de bacias sedimentares, por todo o país. Ainda sem autonomia plena na geração de seu próprio gás natural, o país tem enormes possibilidades de encontrá-lo em seu território, assim como áreas de dimensões continentais com altíssimas possiblidades de encontrar óleo, em que outros países, como a Guiana, já investem, mas o Brasil não. Áreas de exploração que já foram forte elemente de desenvolvimento local, estão em decadência por falta de investimento em revitalização dos poços.

Enorme potencial, baixíssimo investimento

 

Dos 339 blocos exploratórios, cerca de 100 são operados pela Petrobras, e dos 431 campos de petróleo, 330 também são operados pela Petrobras. Dos 105 grupos de empresas explorando petróleo no Brasil, metade são nacionais.

Eliane diz que o pré-sal já é uma realidade no Brasil e representa metade dos 2,6 milhões de barris por dia. Em cerca de cinco anos, o pré-sal deve dobrar essa produção com a incorporação de novas áreas de exploração. O Brasil já é considerado o décimo maior produtor de petróleo do mundo, o maior da América Latina.

Um gráfico histórico demonstra o salto gigantesco dado na exploração de petróleo em apenas vinte anos. Somente durante os Governos de Lula e Dilma, as exportações subiram de 19 barris por dia para um milhão de barris por dia. Apesar de ter praticamente quadruplicado a exploração de gás natural, o Brasil ainda não é autossuficiente.

Ela mostra que a dimensão da área sedimentar brasileira é tal que pode atrair diferentes empresas para operar no território. O pré-sal é o que mais exige tecnologia e capacidade de investimento, além das bacias marítimas convencionais (offshore) e as bacias terrestres (onshore).

Mais que isso, Eliane mostra como o Brasil ignora seu potencial energético, por não explorar sua gigantesca bacia sedimentar. A atual área contratada para exploração, segundo ela, é de menos de 4% da área sedimentar total. Duas bacias nunca foram sequer perfuradas, que são Madre de Dios (AC) e Pernambuco-Paraíba. “Nunca furamos um poço para saber o substrato geológico dessas áreas. Temos 29 bacias com interesse para petróleo e apenas dez produzem, hoje”, diz ela.

 

Desde 1939, quando foi furado o primeiro poço de petróleo no Brasil, foram  perfurados apenas 30 mil poços. “Os EUA furam 25 mil poços por ano, e já dispõem de 700 milhões de poços perfurados. Isso revela o desconhecimento do nosso substrato geológico e nossas bacias sedimentares”, lamenta ela. Há enormes bacias sedimentares espalhadas de norte a sul com propensão à exploração de gás natural, de acordo com ela.

A bacia do Parnaíba, conforme explica Eliane, desenvolveu tecnologia eficiente para converter gás em eletricidade, que pode ser distribuído pelo Brasil todo. “Se a gente aplicar esse modelo de monetização de gás nas outras bacias, podemos gerar muito mais recursos para todo o país”, sugeriu. Em sua opinião, é possível replicar o modelo de exploração bem sucedida das bacias de Solimões e de Parnaíba nas demais bacias, mas é preciso investimento em aquisição de dados, de geologia e geofísica e precisa da perfuração de poços para o conhecimento do tipo de rocha, suas características, e saber se pode haver acumulação de gás ou óleo.

 

(Foto: Cezar Xavier)

A preciosa explanação de Eliane aponta o que pode ser feito, também em bacias maduras, muito perfuradas, onde a exploração está em declínio. Potiguar, Sergipe-Alagoas, Recôncavo e Espírito Santo são ideais para pequenas e médias empresas, importantes para geração de emprego e distribuição renda. “Como elas já passaram pelo pico da produção é preciso fomentar a atividade exploratória nessas áreas por seu papel socioeconômico para o país”, observa. Mas o que tem ocorrido nestas bacias é uma redução quase total na perfuração de poços, nos últimos cinco anos, o que significa menos emprego e geração de renda. Neste caso, ela considera que é preciso revitalizar as atividades terrestres, fomentar a pequena e média empresa que operam nestas bacias maduras.

Na margem equatorial, as bacias marítimas são pouco conhecidas e pouco exploradas. A bacia do Ceará e Potiguar produz em aguas rasas, mas não tem exploração em águas profundas. “A margem equatorial brasileira tem uma evolução geológica parecida com a do oeste africano, onde foram feitas várias descobertas de óleo”, diz ela, defendendo o potencial de descobertas em águas profundas.

A geóloga mostra que a Guiana colocou algumas áreas em concessão depois do Brasil e já foram feitas sete descobertas de mais de três bilhões de barris de petróleo recuperável. “E não conseguimos testar este mesmo modelo na bacia da foz do Amazonas, ainda, que é o modelo do oeste africano e que está dando certo na Guiana”, criticou. Completando o quadro da baixa exploração do potencial energético, ela mostra que, com exceção de Campos e Santos, todas as bacias da margem leste, desde Pernambuco até o Rio Grande do Sul, são pouquíssimo exploradas e conhecidas por falta de perfuração. Campos, que já foi a grande bacia produtora do país, teve seu auge em 2012 e vem caindo gradualmente, demandando revitalização da exploração.

Entrando no Pré-Sal, que é uma situação diferenciada de potencial petrolífero no país, ela explica que ele ocorre nas bacias de Campos e Santos, com grandes descobertas de óleo leve, de elevado valor comercial, com alta produtividade dos poços. “Isso faz do pré-sal algo muito singular. É uma das maiores descobertas petrolíferas do mundo que pode ser usada em benefício do povo brasileiro”, afirmou. Dos 2,6 milhões de barris/dia, só o pré-sal já produz 1,4 milhão, com meta de chegar a 5 milhões no curto prazo, já que a maior parte das jazidas não foram exploradas.

A ANP tem aberto licitações para que as empresas façam as atividades exploratórias e de produção. A 15a. Rodada, em 29 de março, visa atrair empresas para exploração em Parnaíba e Paraná, em terra, Ceará, Potiguar, Sergipe-Alagoas, Campos e Santos, em mar, fora do polígono do pré-sal. Também vai haver licitação exclusiva do pré-sal, restrita ao polígono, com vislumbre de potencial de descoberta de até 17 bilhões de barris.

Outra medida para revitalizar e fomentar a atividade exploratória de petróleo no Brasil é a oferta permanente de áreas, já devolvidas à ANP. Elas demandam grande quantidade de investimentos para aquisição de dados.

O Brasil possui potencial petrolífero altamente promissor com expectativa de descobertas de óleo em todas as bacias, desde que haja investimento na aquisição de dados geológicos e geofísicos. As bacias terrestres de Nova Fronteira possuem potencial para descobertas de gás natural, em que o Brasil não tem capacidade de suprir sua demanda total. Portanto, qualquer descoberta no Paraná, por exemplo, onde há forte demanda de energia para a indústria, será benéfico.

Também é preciso revitalizar as atividades nas bacias maduras para aumentar a produção e o fator de recuperação e para fomentar as pequenas e médias empresas. “As rodadas de licitações e a oferta permanente representam um dos mecanismos para a retomada do setor petrolífero brasileiro”, concluiu ela.

Criminalização do financiamento

 

(Foto: Cezar Xavier)

O presidente da Associação dos Funcionários do BNDES (AFBNDES), Thiago Mitidieri, fez uma apresentação alarmante sobre a situação dramática e ameaçada do Banco de financiamento da infraestrutura nacional. Dirigindo a Associação desde a implantação do golpe, ele é testemunha do “massacre” sistemático que o Banco vem sofrendo pela mídia, e por ações de governo que cumprem o papel de desconstruí-lo em seu papel de desenvolvimento, ao eliminar os instrumentos.

Ele relatou o episódio de uma pesquisa encomendada pela gestão de Luciano Coutinho, feita pela universidade de Columbia (EUA), e entregue na gestão golpista. Conforme seu relato, a pesquisa não foi divulgado ou discutida, apresentada em evento fechado e sem acesso dos funcionários. “O resultado da pesquisa é um tiro no coração desse grupo de economistas e neoliberais que entendem que o mercado é que vai resolver e realizar os investimentos”, diz ele.

“Se antes tínhamos a Al Qaeda, agora temos o Estado Islâmico. Um grupo mais fanático e com ideologia muito mais forte, muito menos razoável quando se trata de discutir desenvolvimento”, compara ele.

Mitidieri apresenta dados da ABDIB, que apontam que o déficit de infraestrutura nacional é de R$ 3 trilhões, o equivalente a 50% do PIB; o principal gargalo na economia. O gráfico histórico revela uma redução dos investimentos da ordem de 5% para menos de 2%, do período do regime militar para cá. Outro gráfico comparativo mostra um ranking de qualidade da infraestrutura de 144 países, em que o Brasil está na 120a. colocação, embora seja a décima economia do mundo.

 

No entanto, o economista considera que esse gargalo é um campo de oportunidades e novos investimentos, podendo funcionar como motor para saída da crise. “O investimento é uma variável fundamental para isso, especialmente o investimento em infraestrutura”, afirmou. Ele falou da importância de estar participando desse processo de debate com a candidatura de Manuela D´Ávila, especialmente para demonstrar como o BNDES está ameaçado em sua existência, mesmo sendo uma instituição tão estratégica para o desenvolvimento nacional.

A referência do economista para debater o assunto é o que ele chama de “proposta Ignácio Rangel”, o pensador que via a economia como fenômeno cíclico, sempre antecipando a próxima crise para preparar o governo e o país para enfrenta-la e minimizar efeitos. Em 1963, quando ele escreve A inflação brasileira, ele analisa a economia brasileira em crise, com políticas que a acentuariam. Ele critica o Plano Trienal, da época, que seguia políticas monetaristas que sabotavam qualquer possibilidade de desenvolvimento. Ele propõe distribuição de renda, para a partir do mercado interno e o consumo de massa, a economia ganhar um motor importante de crescimento, ou para crescer teria que ser mais dependente do investimento, em condições que seriam responsáveis pela inflação; não por demanda, mas por acumulação de capital no Brasil, tendo por base a industrialização por substituição de  importações.

Rangel conhecia bem as dificuldades de fazer política no Brasil, tendo ficado preso por dez anos, após participar do Levante Comunista. Sabendo da dificuldade de realização de uma reforma agrária, defendia teses heterodoxas para o Partido Comunista, ao dizer que o Brasil não precisava de uma reforma agrária para se industrializar, tendo sido expulso do Partido.

Ao publicar a quinta edição do livro em 1978, ele escreve um posfácio em que analisa o acontecido, admitindo ter subestimado o potencial de crescimento brasileiro (Milagre Brasileiro) e a industrialização por substituição de importações (2o. PND). Neste posfácio, ele recupera a questão do investimento em infraestrutura antevendo a crise que o país enfrentaria nos anos 1980. Mas num modelo diferente do que vinha funcionando em que o Estado era responsável por tudo. Ele propõe que o Estado faça concessões a empresas privadas para levar adiante os investimentos.

As privatizações dos anos 1980 e 1990 mostraram a necessidade de reverter o processo em todo o mundo. Pesquisas sobre o financiamento de infraestrutura no mundo refutam a “tese da jabuticaba”, em que o Brasil não existiria mercado de capitais de longo prazo, porque tem o BNDES e a intervenção do Estado na economia. Rangel via esse ciclo de investimentos em infraestrutura como um meio de salvar os investimentos feito na indústria pesada e de bens de capital, que ficou ociosa. Para ele, as concessões teriam que visar novos investimentos, não simplesmente transferir a propriedade do Estado para o setor privado. Mas a onda neoliberal “esculhambou tudo”.

A principal conclusão do estudo é que o setor privado não tem apetite para investir/financiar infraestrutura, não só no Brasil, mas no mundo todo. Novos investimentos (greenfield) são vistos como de alto risco, longo prazo de maturação e retornos modestos, preferindo assim, investimentos com infraestrutura já pronta (brownfield).

Além disso, o sistema financeiro privado tem o problema do curtoprazismo, que não tem interesse de investimento em infraestrutura, em que o capital tem retorno num período muito longo. Este setor ganha muitas vezes mais em investimentos de curto prazo, bolsa de valores, mercados derivativos, crédito a pessoas físicas…

Após exibir uma série de slides demonstrando essa incapacidade do setor privado investir, em todo o mundo, devido a fatores estruturais, ele conclui que é o estado planejador, não regulador, que precisa fazer estes investimentos e viabilizar os empreendimentos.

Ele mostrou a comparação entre a vontade de Obama de construir duas linhas de trem bala, que não saíram por pressão da indústria automobilística, enquanto a China construiu 17 linhas. Juntando todo o investimento de EUA e Europa, ainda é menor que o investimento da China. Os EUA não conseguiram investir, mesmo tendo mercado de capitais privado de longo prazo, taxas de juros estáveis e previsíveis, empreendedorismo e bom ambiente de negócios.

O papel do BNDES no Brasil é o de ser o principal financiador de infraestrutura do país e está sendo desmontado em seus instrumentos, de acordo com Mitidieri. Ele operava com um arranjo de funding estável de longo prazo dado pelo FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador) e a TJLP (taxa de juro de longo prazo), taxa de referência do BNDES.

O economista lembra que a TJLP foi criada por Ciro Gomes, quando ministro da Fazenda em 1994, como uma compensação ao fato de que a Selic teria que ser muito alta para segurar a inflação no contexto do Plano Real. Os economistas “moderados” da época perceberam que, se não houvesse uma válvula de escape, os investimentos de longo prazo iriam por água abaixo. “A TJLP era financiada pelo governo, mas era uma taxa compatível com um banco de desenvolvimento, ao ter uma condição diferenciada para atuar. Ela sinaliza algo para o setor privado. Se você for praticar uma taxa de mercado, o setor privado pode ocupar esse lugar”, explica ele.

Por outro lado, o funding do banco está sendo desidratado, lamenta ele, e o Banco está ficando “nanico”. Ele conta que o FAT já demonstrava em 2008 que não seria suficiente e vieram os empréstimos do Tesouro Nacional, por retração de liquidez do setor privado.

Em outra etapa da crise mundial, houve excesso de liquidez e os juros negativaram em todo mundo, ao contrário do Brasil. Com isso, havia o risco do empresariado brasileiro trocar dívida cara em reais, por dívida barata em dólar, gerando uma dolarização do balanço das empresas. “Num pequeno espirro do mercado internacional, em que houvesse uma pancada no câmbio, essas empresas entrariam em grande dificuldade, criando um problema macroeconômico muito sério”, analisa ele.

Mitidieri explica que o BNDES cumpriu um papel estratégico neste momento, mesmo não sendo sua função clássica, já que o Banco Central é hostil a qualquer política desenvolvimentista, e não fez o movimento que outros bancos centrais fizeram em todo o mundo. “Sem esse papel fundamental do BNDES, hoje poderíamos estar numa situação muito pior do que nós estamos”, observou.

Com o fim da TJLP, foi criada a TLP baseada na NTN-B, com forte oscilação, totalmente incompatível com investimentos de longo prazo. “Taxas que são um tiro no coração do Banco”, declarou, mostrando o gráfico dos baixos desembolsos do Banco.

 

O representante dos funcionários contou do dia da condução coercitiva pela Polícia Federal, na Operação Bullish, de 37 funcionários. O espetáculo de mídia tinha o único objetivo de perguntar se alguém conhecia o ex-ministro da Fazenda, Antônio Palocci. “Tudo isso são estratégias de minar o banco, pois os funcionários estão com medo de assinar papeis, afinal, um funcionário qualquer do TCU que não sabe nada sobre o funcionamento do Banco pode aparecer e dizer que está tudo errado, congelar conta de funcionário e conduzir coercitivamente”, lamentou.

Ele ainda relatou que o funcionário contratado pela atual gestora do BNDES para encontrar mal-feitos e punir, saiu do Banco dizendo que os funcionários estão vivendo uma ditadura dos órgãos de controle. Após comissões sobre JBS, Frigorífico Independência e Odebrecht e não encontrou nenhuma irregularidade cometida por funcionário do Banco. Da mesma forma, a terceira CPI instalada pra investigar o BNDES também não encontrou nada, nem indiciou nenhum funcionário. “Isso revela que o BNDES é uma instituição que não se corrompeu”, afirma.

Mitidieri defendeu que as empresas de engenharia nacional precisam ser recuperadas, pois outros países demonstram que casos de corrupção não precisam destruir empresas estratégicas para a economia nacional. “A gente não pode cair nessa história de achar que, por questões morais, vamos destruir nosso sistema produtivo, porque isso não interessa aos brasileiros, só interessa a quem não gosta do Brasil”, concluiu.

Privatizações estratégicas

 

(Foto: Cezar Xavier)

O advogado André Araújo discutiu a situação da Petrobras e da Eletrobras, ambas sob ataque privatista, que ele considera instrumentos fundamentais para qualquer projeto de desenvolvimento nacional. Advogado formado pelo Mackenzie, ele foi dirigente sindical patronal por 16 anos como diretor tesoureiro do Sindicato Nacional da Indústria Eletroeletrônica (SINAEES) e da Associação Brasileira da Indústria Eletroeletrônica (ABINEE), presidente da EMPLASA, estatal paulista, diretor financeiro da PRODAM, estatal paulistana e membro do Conselho de Administração da CEMIG, a Companhia Energética de Minas Gerais.

 

Ele ressalta que a mídia nacional vende uma ideia totalmente distorcida sobre empresas petrolíferas. Das 20 maiores empresas de petróleo do mundo, as quatro maiores são estatais, três chinesas e uma árabe. Treze dessas 20 são estatais e nenhuma está a venda, pois são consideradas empresas cruciais para seus países. “Não há nenhum projeto de venda de estatal do petróleo”, afirmou.

Araújo conta que, a partir dos anos 1970, com a criação da OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo), a geopolítica do petróleo mudou completamente, com as estatais e seus governos controlando o preço do barril, equivalente a 80% da produção mundial (apenas Rússia e México não participam do organismo, ambos com forte controle estatal, também). Segundo a Cambridge Energy Research, 92% das reservas de petróleo do mundo pertence a petrolíferas estatais. “Não há nenhuma tendência a privatização do petróleo no mundo. O controle do petróleo no mundo é estatal, produção e cada vez mas o refino”, afirmou, ressaltando que as majors Exon, Shell e Chevron são apenas prestadoras de serviço, com pouquíssimos ativos em reservas petrolíferas.

“A ideia de que a Petrobras deve ser privatizada é esdrúxula e estúpida”, diz ele, argumentando que a Petrobras é uma das 20 maiores empresas de petróleo do mundo, com mais 12 estatais nesse clube iguais a ela.

Mas Araújo diz que a situação está bem complicada, pois a gestão atual está vendendo pedaços críticos da Petrobras. A BR Distribuidora, à venda, é simplesmente “o caixa”, o capital de giro da Petrobras, já que a maior parte dos projetos da empresa tem retorno a longo prazo. “Há uma preparação nítida para desbastar a Petrobras e deixá-la pronta para ser privatizada”, mencionando entrevistas de presidenciáveis, cujo assunto principal é a privatização da Petrobras, como se o principal projeto do candidato para o país fosse a entrega da empresa ao setor privado. O tema faz parte dos programas de governo dos candidatos como algo perfeitamente lógico.

A Petrobras não é “apenas” uma produtora de petróleo, mas é uma grande compradora “de tudo” no Brasil, bens de capital e tecnologia. “Com a eventual venda da empresa, o crescimento do Brasil entra num buraco negro”, comparou. Segundo ele, o Brasil perde um ativo criado no país, com esforço, conhecimento e dinheiro do povo brasileiro.

Para Araújo, a Eletrobras é ainda mais estratégica, por ter o controle de todo o sistema integrado de energia elétrica brasileira. Para efeito de comparação, os EUA não têm um sistema integrado de produção de energia, com cada cidade produzindo sua própria eletricidade em usinas locais. “O nosso sistema é integrado e nacional, completamente é estratégico, pois a energia de Belo Monte chega a São Paulo, a de Itaipu chega a Recife”, conta ele.

Araújo considera absurdo a venda de 176 usinas por R$ 12 bilhões, quando numa comparação simples com a produção de quilowatts por empresas europeias, a Eletrobras deveria valer, pelo menos, R$ 380 bilhões. “Para fazer as usinas de novo custaria bem mais que R$ 12 bilhões, pois só Belo Monte custou mais que o dobro disso”, contou. Outra informação que demonstra a bandidagem em torno desta negociação é que, só a concessão da Cemig (o direito de explorar uma única usina, São Simão, sem sua posse) custou R$ 12 bilhões. Como o valor da concessão destas 176 usinas da Eletrobras não estão incluídos no balanço, o valor dela é maior que R$ 380 bilhões.

Ele aponta o ridículo que é dizer que o governo precisa de R$ 12 bilhões, portanto vai vender a empresa por R$ 12 bilhões. Ele lamenta a ausência da mídia neste debate, em que ninguém critica estes elementos, sem contraponto e se posicionando a favor disso. “Provavelmente, o comprador da Eletrobras será uma estatal, talvez chinesa. Não faz o menor sentido”, afirmou.

Outro elemento assustador deste período golpista é que a Petrobras está sendo processada pelo Departamento de Estado dos EUA, podendo gerar um prejuízo de bilhões à empresa. “Nenhuma empresa de petróleo do mundo está sendo processada nos EUA, só a Petrobras”, salienta ele. O processo começou no Brasil e foi levado “como um presente” para o Departamento de Justiça dos EUA. O procurador-geral da República,  Rodrigo Janot, esteve em fevereiro de 2015 no Departamento de Justiça dos EUA para uma missão não revelada, que coincide com o início do processo lá fora.

Embora haja acordo prevendo a possibilidade do Brasil invocar cláusula de interesse nacional interrompendo este processo, o governo brasileiro nunca se defendeu desse processo, “que anda sozinho”. A embaixada brasileira nunca fez um telefonema ou enviou alguém para acompanhar esse processo. A estatal brasileira está sendo defendida por advogados americanos, embora seja uma empresa estratégica para o interesse nacional. “Está sendo processada como se fosse uma empresa privada como parte de um jogo de interesses para mostrar que a empresa é ineficiente e precisa ser privatizada”, afirmou o ex-empresário e renomado advogado brasileiro de empresas e fundos de investimento americanos.

A multa de R$ 10 bilhões foi gerada e paga aos acionistas americanos, antes de chegar ao juiz, como parte de um acordo que gerou prejuízo de balanço para a Petrobras. “A Petrobras está sob uma gestão temerária. Estamos há quatro anos com prejuízo na empresa”, criticou, lembrando que a empresa perdeu a capacidade de agir internacionalmente ao vender todos os seus ativos no exterior. “Vendendo essa empresa, pode dar adeus ao crescimento. Não tem para onde crescer.”

Para concluir, o pesquisador mencionou ainda o caso do BNDES, já discutido, e a diminuição do maior banco público do Brasil, o Banco do Brasil, abrindo espaço para bancos privados, além da provável privatização da Caixa Econômica Federal, todos considerados estratégicos para financiar o crescimento do país. “Não teremos instrumentos para crescer. Quem vai encomendar os bens para a industrial nacional? Se a China comprar a Eletrobras, ela compra as turbinas na China. Além de tudo, vamos transferir produção para fora”, encerrou. 

A infraestrutura digital como fator de desenvolvimento

 

(Foto: Cezar Xavier)

O professor e ex-presidente do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (ITI), Sergio Amadeu, falou da infraestrutura de redes digitais para mostrar a dimensão da ordem de problemas que atinge o país nesta área. Ele aproveitou para mencionar que o mensageiro instantâneo Whatsapp foi vendido para o Facebook por um valor quatro vezes maior do que o governo brasileiro quer vender a Eletrobras.

Apenas quatro tubarões brancos (white sharks) do mundo informacional faturaram em 2016 o equivalente a um quarto do PIB brasileiro (US$ 1,7 tri): Apple (US$ 215 bi), Amazon (US$ 135 bi), Google (US$ 90,2 bi) e Facebook (US$ 27,6), num total de US$ 484,4 bilhões. Sem mencionar os gigantes chineses que começam a chegar ao Ocidente: Baidu, Ali Baba, Haiwei e Tencent. Do Brasil, no entanto, não se sabe de nenhuma empresa informacional relevante mundialmente.

A estratégia de transformação digital do Governo Temer não fala mais em tecnologia da informação, mas fala em internet das coisas e economia de dados, que é o coração da economia digital. A economia de dados é que sustenta empresas como Facebook e Google que vendem pouca coisa, pois coletam dados pessoais e empresariais, modulam o comportamento e vendem essas informações organizadas em amostras. “Embora a Cambridge Analytics seja uma empresa mafiosa, não foi um vazamento de dados o que o Facebook acusou. Aquela consultoria permite o acesso de centenas de empresas aos dados do Facebook, pois é isso que ela faz. O problema não é a Cambridge Analytics, mas o Facebook, que tem 78% dos brasileiros em sua plataforma e 84% dos brasileiros se comunicam pelo Whatsapp, do grupo Google. “E não há uma empresa brasileira que tenha uma rede social no mundo hoje!”, pontuou.

O mundo está numa economia informacional, que é o principal fator de  rendimento dos EUA, e deve se tornar da China em 2020. Ou seja, pra debater desenvolvimento econômico no Brasil é preciso incluir a economia informacional. Amadeu criticou a parceria entre prefeituras de todo o Brasil e o Google Education, que oferece a localidades pobres e sem recursos, sistema de logística, banco de dados, email, sistema de notas etc. Com isso, o Google passa a ter, também, os dados de todas as crianças com menos de dez anos.

“Como disse uma assessora da presidenta Dilma, tecnologia a gente usa qualquer uma. É que nem caneta, a que funcionar, serve. Tecnologia da informação não é uma caneta, é um fator de desenvolvimento crucial, são tecnologias da inteligência, que não dominamos. Os países que dominaram a revolução industrial se tornaram os países ricos do século XX, não os que apostaram em agricultura ”, criticou, salientando que a fronteira da agricultura, hoje, está na biotecnologia que é uma tecnologia da informação. As próprias universidades brasileira, segundo ele, estão sendo sucateadas, vendidas e trocadas por plataformas informacionais.

O sociólogo citou Nicks Meyer Kijek, que define o capitalismo atual cono sendo “de plataforma”, em que uma única empresa internacional domina o fluxo de informações e serviços de transporte local de vários países. “O Uber faz isso, tragando dinheiro e precarizando o trabalho em várias cidades do mundo”, disse. “Discutir desenvolvimento com tecnologia da informação é difícil pois nossa inserção é muito ruim, pois somos ausentes dessa pauta, ou temos uma pequena inserção, ou pior, somos um conjunto de empresas compradoras de ‘caneta’. A tecnologia da informação não é uma caneta, é estratégica, ou você domina ou você é usuário, ou você desenvolve ou você não é nada”, afirmou.

O professor da UFABC também acrescentou que a lei eleitoral em vigor nestas eleições, aprovada no final do ano passado pelo Congresso Nacional, proibia campanha paga na internet. Ele considera este aspecto correto, pois não se sabe o que roda atrás dos softwares e plataformas, podendo haver descontrole. No entanto, em seu artigo 57C, a lei diz que é vedada a propaganda paga na internet, “excetuando-se o impulsionamento de conteúdos”. Isso significa que, quem pagar ao Facebook poderá ter garantia de que seus posts serão vistos pelo público que este candidato quiser. Quem não tiver condições de pagar, vai ter a circulação de posts bloqueada, restrita a um pequeno grupo.

Assim, a lei eleitoral proíbe gastos de campanha no UOL ou G1, mas permite em empresa estrangeira. O Google reclamou da exclusividade para o Facebook e também foi incluído no artigo 23, parágrafo segundo: equipara-se ao impulsionamento de conteúdo a venda de resultados em mecanismos de busca. “Na hora que você der uma busca sobre educação, vai aparecer que fulano de tal é o melhor candidato da área nos primeiros resultados”, denunciou.

Força de ocupação

 

O embaixador Samuel Pinheiro Guimarães foi alegórico ao indagar o que aconteceria se uma força estrangeira ocupasse o Brasil, com a nomeação de uma administração estrangeira, como se fez no Iraque. “Eles iam reduzir todos os instrumentos que pudessem permitir o renascimento deste estado e desta sociedade”, completa.

Embora falemos em governo golpista, Guimarães acha que seria mais preciso dizer que estamos lutando contra uma força de ocupação. Ele menciona o fato de Pedro Parente não ter nenhuma experiência com petróleo, mas ter um plano pronto para esta área complexa, sem qualquer estudo prévio. “Temos que derrotá-los politicamente. Mas é preciso ter claro que, depois de derrotados, eles não se retirarão. A vitória política não será suficiente. É uma destruição sistemática do estado brasileiro e do empresariado brasileiro com algum capital nacional.”

Ele acrescentou que estamos vivendo um processo de ocupação inimiga, mas dentro de um certo contexto. Ele mencionou a disputa econômica, política e militar que ocorre em termos mundiais para manter os EUA no controle da geopolítica, mas também a emergência de uma potência prudente em suas pretensões (a China) e uma potência em recuperação, que é a Rússia. “O Brasil não é um país qualquer, como esses pequenos e médios da América Central e do Caribe, mas um país de enorme potencial, com grande mercado e situação geográfica muito favorável”, disse.

Na leitura dele, o fracasso do projeto de Fernando Henrique Cardoso, e a vitória dos movimentos sociais, provocou essa reação dos EUA, como ocorre em outros países hegemonizados por governos de esquerda. “Não se trata de um projeto nacional, mas de um projeto imperial de destruição do estado brasileiro”, enfatizou.

Em uma leitura heterodoxa da história, o embaixador disse que “tivemos sorte com a intervenção militar no Rio de Janeiro, que suspendeu o processo de reformas constitucionais. Não é uma má coisa! Essa intervenção vai fracassar sozinha, como mostrou a morte da Marielle”, analisou. 

O estado da arte do desmonte

 

O cientista político Ronaldo Carmona registrou o fato do seminário ter conseguido mostrar o “estado da arte” do desmonte dos instrumentos do estado brasileiro para indução do desenvolvimento nacional. Após 50 anos do nacional-desenvolvimentismo, capaz de tirar o Brasil da condição de uma grande fazenda para ser uma das grandes potenciais industriais do mundo, vão sendo paulatinamente aniquilados, como ocorre com o sistema de ciência e tecnologia, o sistema energético, infraestrutura e os bancos estatais etc.

Carmona observa que o Brasil é uma das novas fronteiras da expansão petrolífera do mundo, uma exploração pouco dominada pelos brasileiros. “O próprio serviço geológico dos EUA tem mais domínio das nossas bacias geológicas do que nós, brasileiros; o que nos deixa altamente vulneráveis”, disse. Para ele, é um desafio enorme estarmos submetidos ao entreguismo mau caráter deste governo, mas ainda mais difícil é fazer a população brasileira compreender o que está sendo feito de nossas riquezas.

Ele acredita que o seminário cumpriu a tarefa de dimensionar a atualidade dos temas, e contribuir para pautar a pré-candidatura de Manuela D´Ávila.

Contra a Universidade

 

O economista e sociólogo André Modenesi remencionou o episódio da criminalização dos funcionários do BNDES, para denunciar das coercitivas contra reitores de universidades federais. Antes do Tribunal de Contas da União, o Ministério Público Federal começou a acuar o sistema educacional com o diretor do Colégio Pedro II criminalizado por causa de um cartaz de algum partido político num DCE. Depois, o reitor da UFRJ, Roberto Leher teve que responder ao Ministério Público. Ele foi intimado a depor logo após o incêndio da reitoria. Como ele não pode ir, o MP ameaçou uma conduçãoo coercitiva. Depois ocorreram os casos do reitor de UFSC e da UFMG. Ele encerrou relatando como as pessoas se sentem acuadas na universidade devido a estes episódios.

Missão cumprida

 

(Foto: Cezar Xavier)

O professor Luís Fernandes esclareceu que a estruturação do seminário teve o sentido de colher subsídios, e não consolidar conclusões ou sistematizar estas conclusões. Mas colher subsídios para formulação do programa de governo da pré-candidata do campo progressista Manuela D´Ávila. “Ainda que estejamos sob o comando de uma força de ocupação, temos que produzir saídas. As saídas são políticas e o momento decisivo do embate serão as eleições deste ano”, afirmou.

Ele acredita que, independente de eventuais discordâncias, no mínimo houve uma ruptura do processo democrático no país, que não significou apenas uma mudança de governo, mas um desmonte de um projeto. “O nosso desafio é retomar o projeto de desenvolvimento nacional e que considerações devem presidir uma retomada, compor e unificar um campo, construindo unidade, congregar forças e superar esse quadro de desmonte”.

O que Luis Fernandes observou de pontos convergentes do debate, começam com a ideia força de que “a retomada do desenvolvimento exige o fortalecimento do estado brasileiro como força condutora”. Outro elemento é a necessidade do estado brasileiro recuperar a capacidade de financiar o desenvolvimento do país. Um dos alvos centrais dessa capacidade de financiamento é combater as múltiplas manifestações da desigualdade na sociedade brasileira. “Isso cria um leito muito favorável para o desenvolvimento nacional”, afirma. Outra ideia mencionada é que o estado e suas empresas exercem um poder de compra que é fundamental para mobilizar o mercado interno e a indústria nacional.

Período mais grave da história

 

(Foto: Cezar Xavier)

O presidente da Fundação Maurício Grabois, Renato Rabelo, retomou a alegoria do embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, ao dizer que o Brasil vive um processo neocolonial. Para ele, ficou claro o processo de desmonte do estado nacional brasileiro, durante o seminário. A gravidade é tal que alguém chegou a dizer que se Manuela ganhar a eleição, não conseguirá governar. Renato concorda que a presidenta teria pouco espaço de liberdade para definir política cambial, fiscal ou monetária nas condições atuais.

Para Renato, o esforço do PCdoB é mostrar aos outros partidos progressistas que é preciso retomar o projeto nacional de desenvolvimento em novos moldes. “O debate setorial de curto prazo não chega a lugar algum. O projeto para o país, agora, tem um leito para debate, sistêmico, articulado, que tem um centro, que são os grandes desafios nacionais”, declarou.

O dirigente comunista contou de sua emoção ao ouvir o relato sobre a criminalização dos funcionários do BNDES. “Fundionários de alto nível, capazes, num instrumento tão importante como este, sendo destruído”, afirmou. Para ele, isso é revelador de como o que está em jogo, hoje, é o Brasil. Não é possível que cada um pense na tática de seu partido, quando isso tudo está em jogo. “Por isso que eu fiquei indignado com tudo isso. A criminalização de reitores! Talvez seja um dos períodos mais graves da nossa história”.

Ele contou que a pré-candidata terá aportes importantes para um programa de governo. “Aliás, minha gente, a Manuela tem uma facilidade muito grande de captar e traduzir as ideias. Com isso, o seminário atingiu o êxito pretendido”.