Manuela D’Ávila: “Meu desafio é conversar com os jovens que aderem ao discurso de ódio”
A eleição presidencial de 2018 deverá ser a disputa com o maior número de candidatos desde a eleição de Fernando Collor de Mello. Também promete ser a primeira, em décadas, a não ser marcada pela polarização PSDB X PT. E há ainda o risco de que o candidato mais bem sucedido nas pesquisas não possa, sequer, concorrer, já que Luiz Inácio Lula da Silva pode ser condenado em segunda instância e se tornar inelegível antes de a campanha começar. Foi neste cenário de caos eleitoral que o PCdoB resolveu se descolar do eterno aliado PT e lançar uma candidatura própria. Mas o voo solo não poderia ser com qualquer nome. Era necessário escolher alguém jovem, que pudesse dialogar com um público inclinado a ceder ao discurso autoritário de Jair Bolsonaro, um sucesso nas redes sociais. E uma mulher, que conseguisse balançar o principal segmento de votos de Marina Silva (REDE). Uma estratégia que pode levar o partido mais longe. E que, de quebra, ainda pode ajudar a diminuir os votos de dois dos principais rivais de Lula, deixando-o mais seguro rumo ao segundo turno, caso consiga disputar.
Mas Manuela D’Ávila, a pré-candidata escolhida pelo PCdoB, faz questão de esclarecer: não se apresentará como candidatura auxiliar de ninguém. A decisão de seu partido de não apoiar o PT, pela primeira vez em sete eleições, está atrelada ao momento histórico do país, afirma ela. E, para a atual deputada estadual do Rio Grande do Sul, esta é a hora de a legenda demonstrar suas próprias ideias, que algumas vezes, ao longo dos anos, divergiram das do PT, ainda que para o público comum a posição dos dois muitas vezes parecessem se misturar. “A gente permaneceu por sete eleições com a candidatura petista. E foi um ciclo importante de mudança para o país. O golpe de 2016 [impeachment de Dilma Rousseff] rasgou os compromissos com aquilo que havia sido assumido com a população nas eleições. A partir desta quebra de conjuntura se abre um novo ciclo. E entendemos que era o momento de apresentar um nome próprio”, destaca ela, em entrevista ao EL PAÍS. “A nossa decisão vem de uma análise do momento que o Brasil vive. Sempre tivemos um apoio crítico ao PT. Sempre fomos um outro partido, questionando a política macroeconômica, por exemplo. Com este novo ciclo que se abriu achamos que é hora de ter um interlocutor.”
Mas não seria mais prudente, em um momento em que nomes mais conservadores como o de Bolsonaro aparecem com possibilidades reais de vitória, que a esquerda se unisse? “A gente acha que isso pode se dar no segundo turno. Acreditamos que [no primeiro turno] seria importante ter vários segmentos representados”, diz. Ela rejeita o risco de que esta pulverização acabe levando votos que poderiam ser de Lula para o PCdoB ou para o PSOL, que flerta com a possibilidade de lançar como candidato Guilherme Boulos, líder do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), um perfil com apelo junto aos movimentos sociais, como Lula. “Não acredito que corremos este risco. Se ter mais de uma candidatura fosse um problema neste sentido, a direita não teria dez candidatos. Nós, da esquerda, também temos matizes distintos e queremos expor nossas ideias”, ressalta ela, que tem viajado pelo país para ouvir a população e construir um plano de Governo, afirma. A posição é parecida com a defendida recentemente por Marcelo Freixo, deputado pelo PSOL, em entrevista à Folha de S.Paulo. Freixo, porém, fez críticas mais diretas ao PT e a Lula: “Se quisessem recompor a esquerda, não andariam de braços dados com Renan Calheiros em Alagoas.”
Manuela rejeita que sua candidatura possa atrair uma esquerda desiludida com os escândalos de corrupção. “Acredito que pode atrair a esquerda renovada”, ressalta, explicando que é o grupo dos eleitores que reconhece as transformações feitas pelos Governos petistas, mas quer mudanças. E não acha que o envolvimento com a corrupção de um partido apoiado por tanto tempo pelo PCdoB possa prejudicar sua candidatura. “Tenho 14 anos de vida pública. O que vale é a nossa prática. Minha biografia”, ressalta ela.
Saída do movimento estudantil, Manuela se tornou em 2004, aos 23 anos, a vereadora mais jovem já eleita em Porto Alegre, sua cidade natal. Entre 2007 e 2014, exerceu o cargo de deputada federal e concorreu à prefeitura de Porto Alegre por duas vezes, até que em 2015 assumiu o cargo de deputada estadual. Em 2015, tornou-se mãe de Laura, que a acompanhou por diversas vezes em seu trabalho no Plenário. Defendeu seu direito de amamentar publicamente depois de escutar críticas quando uma foto sua, alimentando a filha, foi publicada no jornal Folha de S.Paulo, algo visto por um crítico como “exposição desnecessária da mama de uma deputada”.
Assim como Marina Silva, Manuela D’Ávila dá sinais de apelo entre as mulheres e os jovens, de acordo com a última pesquisa Datafolha. Mas é o contrário de Marina, uma evangélica que não se posiciona claramente quando a temas polêmicos caros para o movimento feminista. Seria possível, então, que sua candidatura retirasse votos da candidata da REDE e, com isso, beneficiasse indiretamente Lula? “Nunca li nenhuma pesquisa com esse olhar e jamais fiz essa avaliação”, garante ela. “Sempre olhei com a possibilidade de disputar pessoas que, por razões muito concretas, como o medo da crise, transformam seus discursos em um discurso de ódio. Meu principal desafio é conversar com essas pessoas, esses jovens. Quero apresentar um projeto que discuta isso: que o tema da segurança pública não vai ser resolvido sem política pública”, afirma. “Não tenho nenhum objetivo de ser auxiliar de nenhuma candidatura. Meu objetivo é fazer um debate para aquilo que serve para 95% da população. E temos que disputar esse tema da violência. Ao mesmo tempo que discutimos como a gente desenvolve esse país para negros, mulheres, gays e trabalhadores”, diz.
“Me preocupa a existência de uma candidatura que só construa o ódio. [Um candidato] que fale que mulheres merecem ser estupradas”, ressalta ela, citando uma frase de Bolsonaro para deputada do PT, Maria do Rosário (“Jamais iria estuprar você porque você não merece”). Um embate direto com um candidato polêmico, que, se colocado, pode levá-la a enfrentar uma gama de defensores fiéis —e muitas vezes agressivos— do deputado ex-militar. Mas ela diz não ter medo. “Já sofri a violência física. Já me atacaram grávida, quando minha filha tinha dois meses no colo. Não tive tempo para ter medo. Sei como eles agem.”
Publicado em El País.