Os desafios da Esquerda, após a prisão de Lula
Lula está preso. O eco de Lula Livre, Lula liberdade se dissemina em todos os Estados da Federação, ultrapassando fronteiras nacionais e repercutindo em muitos países de vários continentes. Agora, a sua ausência repõe com imensa força a sua presença, o seu legado, as suas ideias e projeta mais o simbolismo da sua existência fecunda.
A força da narrativa de que Lula foi arrebatado do âmago e dos braços do povo ganha maior dimensão. A “Liberdade para Lula” é o lema que deve mover o espírito democrático e o anseio de liberdade política em ondas mais largas reforçando a luta pela democracia. Volta à tona o que relembra de forma luminosa o jornalista Wilson Gomes: “O cárcere nunca significou fim, perda ou morte da esquerda. Ao contrário, representou batismo de sangue e fogo, coerência e autenticidade”. Ou a imagem revelada pela história afirmada por Lula antes de sua prisão: “Eu não sou mais um ser humano, eu sou uma ideia. E uma ideia não vai para prisão”.
O alcance da ofensiva conservadora da oligarquia local em conluio com os estratos do hegemonismo imperialista em nosso Continente estende sua contraofensiva para truncar o novo ciclo do avanço da luta democrática, nacional e popular iniciada desde fins da década de 1980, no Sul e ao Centro do Continente americano. Já vinha sendo denunciado desde 2014, por lideres desse novo ciclo, que estava em marcha um processo de “restauração conservadora” na América Latina.
Vai ficando mais nítida as digitais do imperialismo dos Estados Unidos no golpe de “novo tipo”, deflagrado em 17 de abril de 2016 no Brasil. O “intercâmbio” para relação específica e para formação de membros do Ministério Público Federal e de setores do Sistema Judicial com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos é agora revelado pela imprensa, que já vinha se desenvolvendo há mais de três anos. Além disso, há que se ver e comprovar qual o teor de informações fornecidas seletivamente pelo FBI e outros órgãos de informação, que há muito tempo espionava a presidenta da República, Dilma Rousseff e os diretores da PETROBRAS, entre outras estatais brasileiras, como revelou Edward Snowden.
O professor Luís Fernandes, especialista em Relações Internacionais, deu nitidez à lógica seguida pela Operação Lava Jato. Descreve que, a “Guerra Global ao Terror” desencadeada pelos Estados Unidos, a partir de 2011, “seguiu a lógica de que os “fins” (combate ao terrorismo) justificavam os “meios” (restrição de direitos civis e violação de direitos individuais)”. “A mesma lógica foi reproduzida na Operação Lava Jato, com outros fins´ (o combate à corrupção)”, justificando práticas violadoras de direitos e garantias individuais, inclusive a negação de princípio constitucional fundamental da presunção da inocência dos acusados.
No caso brasileiro, prevalece um agravante: a luta contra a corrupção tem alvo especifico. O consórcio golpista — constituído pela maioria da classe dominante, grande capital, parlamento, ativismo e politização do judiciário e para-judiciário e grande aparato midiático hegemônico — perpetrou um golpe de Estado “heterodoxo”, destituindo a presidenta Dilma, no curso de um impeachment fraudado.
E agora, para dar continuidade ao grupo ilegítimo no poder e conseguir anular um segmento da esquerda, fechando os espaços institucionais, o golpe se completa com a prisão arbitrária de Lula, contestada dentro e fora do País, precisamente por quem poderia derrotá-los, nas próximas eleições de outubro. Vivemos uma situação muito grave que acentua a instabilidade política e mantém a incerteza no terreno econômico.
A origem e a continuidade da radicalização do curso político no Brasil é obra desse consócio dominante! Tomaram o poder por um atalho e impõem seu regime de costas para o povo e avesso à soberania popular.
Essa associação golpista seguiu a rota de intensificar a polarização e a divisão da Nação. Assim se sucedeu quando os derrotados não reconheceram o resultado eleitoral de 2014, que resultou na vitória da presidenta, intensificou o boicote ao segundo governo Dilma, conspirou e preparou a marcha do impeachment que depôs a presidente da República, assumiu o poder e vem aplicando um programa contrário ao que havia sido vitorioso no pleito de 2014.
Agora, para completar, prende o maior líder popular e da esquerda do Brasil — o ex-presidente da República — de grande prestígio nacional e internacional, resultando no aprofundamento do Estado de exceção. Tudo isso sacramentado no julgamento do habeas corpus de Lula, demonstrando que o que prevalece no Supremo Tribunal Federal é a medida da prisão ou impedimento eleitoral de Lula. Há uma coordenação do “eixo Curitiba, Porto Alegre” com a Corte Suprema do país, para sustentar a prisão já em segunda instância, derrogando a Constituição. Isso vem sendo motivado para acelerar – numa velocidade inédita – a sentença condenatória do ex-presidente da República, com o objetivo voltado para impedi-lo de concorrer no pleito de outubro deste ano.
Portanto, quem radicaliza tornando inviável a normalidade democrática são os que se assentaram no poder através de um golpe de Estado.
É certo quando se afirma que não há “meio golpe”. O golpe desencadeou grande desequilíbrio das instituições e desferiu um processo de crescente prevalência do Estado de Exceção sobre o Estado de Direito. Daí em diante e, sempre, tudo feito por meio de gigantesco aparato midiático de propaganda oligopolizado, plasmando um viés antiLula (alcançando uma dimensão antipolítica), levando-o a uma clivagem da Nação, demarcada num antagonismo de intolerância, ódio e desforra. Essa situação tem resultado em efeito colateral de soprar as labaredas de correntes de extrema direita, protofascista, que ainda se encontrava em fogo brando debaixo do monturo.
Disso tudo o incrível absurdo são eles pregando aos quatro ventos, por meio de sua insolente mídia hegemônica, aqui e alhures, que o responsável pela aguda divisão da Nação é Lula e seu Partido. Isso mesmo enfatizado ardorosamente por corporações do Estado, setores da classe dominante, o “mercado” para escamotear seus verdadeiros intentos. É como no dito popular, quando se usa a imagem do ladrão em fuga que, para escapar, sai gritando “pega o ladrão”.
A situação atual é demarcada então pela complementação da estratégia da trama golpista: primeiro a deposição de Dilma e depois impedir Lula nas urnas.
O pacto das forças golpistas dominantes, apesar de suas disputas pelo controle do poder, tem sua unidade salientada por um regime autoritário, ultraliberal e antinacional, e tem um denominador comum visando a sua continuidade. Disso trata-se de impor suas condições no cumprimento constitucional das eleições de outubro, sobretudo à presidência da República: truncar o vínculo da esquerda com sua base eleitoral mais popular, anulando o papel do principal e maior líder popular do curso politico e eleitoral, que já goza de crescente favoritismo eleitoral no pleito deste ano.
De forma objetiva as forças de direita e conservadoras em geral vivem um paradoxo: sustentar um regime antipopular e antinacional, submetendo-o ao crivo da soberania popular. O seu dilema então é que a eleição presidencial de outubro, junto com as demais, é a saída política necessária para recompor a situação de grave crise que atravessa o país. Mas, para isso, têm que impor seus ditames à realização dessa batalha estratégica e, mesmo assim, isso não sendo possível, suspendê-la forçando o estabelecimento de um Estado de Sítio ou de Defesa.
Pretendem manter Lula encarcerado desde agora, por todo período eleitoral. No STF manter a prisão em segunda instância pode ficar nos 6 a 5, e o escore de sua inelegibilidade pode ser de 7 a 4. Mas o efeito do que impõem pode se tornar o contrário, em função do contraste, que se torna mais amplamente visível, de ser apenas Lula o alvo central da perseguição autoritária (Um exemplo ostensivo – prender Lula e livrar Alckmin). Lula pode crescer ainda mais sua influência – pesquisas de opinião começam a revelar essa tendência. E as forças de esquerda podem ampliar o seu apoio eleitoral com a defesa da bandeira “Liberdade para Lula”, dando maior extensão a consigna da luta pela restauração da democracia.
Essa dinâmica de significativas contradições e dificuldades na seara das forças conservadoras e, mais ainda, o seu jogo complicado no tabuleiro eleitoral para encontrar o seu candidato viável, não atenua o grande e difícil desafio das esquerdas. Ou seja, a luta para fortalecer a resistência, ampliar sua influência politica e social, construir uma unidade plantada em terreno mais firme e, sobretudo, convergir para uma candidatura unificadora que alcance o segundo turno da eleição presidencial, principalmente se prevalecer a exclusão de Lula da eleição de outubro. A recente iniciativa das fundações do PT, PDT, PCdoB e PSOL com a apresentação de uma elaboração conjunta de um lastro programático mínimo, em torno de um Projeto para o Brasil, abriu caminho para o diálogo comum e avanço da convergência entre esses Partidos.
Entramos na fase exacerbada pela prisão de Lula, ação de complementação estratégica do golpe, onde a maioria dos atuais poderes da República e a maior parte de suas corporações segue a lógica do antilulismo e de defenestrar a esquerda dos espaços institucionais.
Portanto, as forças da esquerda e progressistas atravessam uma situação muito desfavorável e muito desigual na relação de poder político nacional. E se aproxima a fase de definição real das candidaturas à presidência da República. Pelo ímpeto reacionário das forças dominantes é preciso dar atenção maior à possibilidade de eleição sem Lula, mesmo isso produzindo impacto sobre a legitimidade do pleito. É certo que a prática concreta do curso politico se manifestará mais alto, chegando o momento de que o imediatismo das posições deve dar margem a uma solução estratégica, que poderia conformar uma saída exitosa.
Sim, essa possibilidade existe e é grande a responsabilidade das esquerdas em tal etapa da nossa história política no Brasil.
As esquerdas em nosso país possui em torno de um terço da força eleitoral nacional e conforme a composição unitária alcançada pode ampliar esse espaço na eleição à presidência da República. O desafio real não é marcar posições, simplesmente demarcar terreno, mas sim unir a esquerda e desde aí, tentar galvanizar maiores forças democráticas, patrióticas e populares. A unidade da esquerda e da atração de forças mais alargadas é a bandeira da esperança!