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Para debater o tema, o evento recebeu a educadora Jaqueline Moll (Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS); o cientista político e ex-reitor da UFRGS e da Universidade de Integração Latino-Americana (Unila), Hélgio Trindade, o sociólogo da Univercidade Federal do Ceará (UFC), César Barreira e o cineasta e ex-presidente da Agência Nacional de Cinema e Vídeo (Ancine), Manoel Rangel. A mediação foi de Mark Kuschick.

Primeira a tratar do assunto, Jaqueline Moll destacou que o país ainda não é uma nação e tem vivido momentos de erupção democrática em meio a grandes períodos antidemocráticos, o que tem a ver com a falta de uma educação básica e com o silenciamento imposto ao povo. “Cada vez que o Brasil consegue pensar a educação em todas as suas pontas, temos uma ruptura democrática. Não é a primeira vez que isso acontece”, disse.

Lembrando Darcy Ribeiro, Jaqueline destacou que “o projeto das elites sempre foi manter povo à margem dos processos de conhecimento” e que a reforma do ensino médio de Temer “foi uma resposta à ousadia de Lula, que incluiu, na emenda constitucional 59, a obrigatoriedade da educação dos 4 até os 17 anos”.

 

Jaqueline colocou como um dos principais problemas da educação a exclusão das crianças e jovens pelas suas condições sociais. “A escola de educação básica ainda é tardia, excludente, discriminadora, silenciadora e vertical”.

De acordo com a educadora, os principais desafios hoje é tornar a educação, de fato, universal, estabelecendo estratégias de manutenção das crianças na escola; a permanência com aprendizado significativo; a desnaturalização do fracasso; a melhora nas condições de trabalho e salário dos professores e profissionais; a democratização do ambiente escolar; o diálogo com as culturas infantis e juvenis contemporâneas; a sintonização com a revolução científica e tecnológica em curso; a ampliação da jornada escolar para universalização da educação integral; a melhoria na infraestrutura escolar e a efetivação da educação pública como tarefa estrutural para o projeto de desenvolvimento nacional.

“Precisamos fazer uma resistência gentil para construirmos um país e uma escola em que todos caibam”, colocou.

Expansão da educação superior

 

O ex-reitor da UFRGS e Unila, Helgio Trindade, remontou à formação do país para retratar o atraso da chegada da universidade no Brasil em relação a outros países da América Latina.

Hoje, explicou, mesmo com os avanços dos governos Lula e Dilma, 75% das matrículas universitárias do país ainda estão nas mãos do setor privado e lamentou o “desmonte da política pública que foi a mais ousada e consequente de expansão das universidades da história republicana” iniciada com Lula.

O ex-reitor destacou que tal política de ensino superior do governo Lula teve como base pontos como a expansão e interiorização da universidade; a ampliação do acesso e da permanência do estudante, via Enem, ProUni e cotas; a melhoria da qualidade acadêmica, com o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior e a autonomia das universidades.

“O financiamento chegou no fundo do poço com FHC, Lula recuperou progressivamente esse financiamento e após três anos, recuperou o que havia sido perdido e ampliou. Agora, vivemos um drama no qual as universidades voltam à estaca zero”.

Trindade tratou também da expansão indiscriminada de instituições privadas de ensino superior de qualidade questionável, destacando que “a área da educação superior é uma das mais lucrativas do país” e que “a regra hoje é majoritariamente ter lucro”. Neste sentido, explicou que a instituição universitária “está em crise no mundo”, influenciada pela onda neoliberal. “As universidades deixaram de ter interesse na sociedade e se articularam com o mercado”, gerando o que chamou de “capitalismo acadêmico”.

Trindade finalizou sua apresentação dizendo que “a recuperação da universidade é uma micro-utopia pela qual é possível re-encantar o mundo”. No que diz respeito ao Brasil, disse que “refazer este tecido não se resolverá em uma geração, nem na próxima eleição; será um processo longo e lento a envolver gerações que compreendam a importância de reconstruir a democracia”.

 

Cesar Barreira, da Universidade Federal do Ceará, trouxe a experiência da expansão no Nordeste e destacou que “a educação foi aniquilada por uma elite que se apropria da educação como parte do processo de dominação”. Ele lembrou que o processo de reestruturação e ampliação da educação superior do governo Lula “possibilitou que filhos das favelas, hoje, possam ser doutores”.

Barreira também falou sobre a educação básica, enfatizando a necessidade de tornar a escola mais atraente e combater a evasão. “Hoje, a escola disputa os jovens com o tráfico”, disse. Para ele, “a ampliação das escolas em tempo integral, que transmitam conhecimento e também valores éticos, provavelmente seria um grande aporte para a redução da violência”.

Entrelaçamento entre educação e cultura

Por fim, o painel contou com a apresentação do cineasta Manoel Rangel. Ele destacou que educação e cultura foram apartadas pela institucionalidade brasileira e que ainda não foi reparada.

Segundo Rangel, na área da cultura, “nossos melhores momentos são aqueles em que o projeto de nação se colocou e se firmou frente aos interesses estrangeiros”. Ele destacou a gestão Capanema, anos 1930-40, os anos 1970 e a gestão Gilberto Gil como “três grandes momentos de construção de projetos de nação, onde a cultura estava inserida, com muitas contradições e conflitos: a primeira e a segunda, sob a marca de regimes ditatoriais; a última, profundamente popular e radicalmente democrática na sua experiência ainda que incompleta em sua realização”. Para ele, é fundamental que o país possa aproveitar os avanços dos governos populares para construir a política cultural futura.

Na gestão de Gilberto Gil, “se produziu uma síntese contemporânea” de nossa cultura, disse, firmada em três eixos: a ideia da cultura como um símbolo, reforçando o reconhecimento do Brasil perante o mundo e para nós mesmos; a dimensão da cidadania, de maneira que todos os brasileiros tenham condições de expressar sua produção artística e cultural, “fugindo de visão antiga de belas artes que segrega artistas e criadores de cultura em geral”, e a dimensão econômica, como forma de assegurar a produção artística e cultural para geração de emprego, renda e divisas. De acordo com Rangel, a cultura precisa ser encarada como “uma das dimensões necessárias a um novo projeto nacional de desenvolvimento”.

 

Rangel destacou os Pontos de Cultura, o Cultura Viva, a política de cinema “que ousou enfrentar o monopólio EUA de distribuição do áudio visual”, as políticas de valorização dos museus e dos patrimônios materiais e imateriais, de direitos autorais, o Vale Cultura, entre outros, como aspectos destacados da gestão de Gil.

Rangel abordou recentes ataques à liberdade de expressão artística — como à exposição Queer Museu, em Porto Alegre, e à performance no MAM, em São Paulo — como retrocessos inimagináveis no contexto democrático pós-ditadura. Também destacou que hoje “os gestores federais abriram mão de uma política cultural engajada no desenvolvimento do Brasil como criador e distribuidor de cultura, submetendo nossos artistas a empresas estrangeiras, renunciando a função reguladora da política pública como no terreno da cultura e da educação”.

Para ele, um novo projeto nacional de desenvolvimento inevitavelmente virá. “Nosso desafio é construi-lo desde já, sonhando, superando divergências, unificando diagnósticos e projetos para unir a maioria do Brasil neste sentido e, assim, ir abrindo caminho em meio à escuridão”. E destacou que “a arte e a cultura têm papel enorme nessa resistência” e também na fase de reconstrução do país e da nossa cultura.

Rangel finalizou sua falando colocando que “o povo brasileiro, na sua maneira silenciosa e surda de resistir e de se opor, continua infundindo um profundo terror às classes dominantes brasileiras e é por isso que prendem Lula e fazem questão de mante-lo distante das urnas porque Lula é a expressão silenciosa da resistência, da revolta e do desejo do povo de enfrentar os inimigos e a classe dominante”.

O painel faz parte do seminário “Desenvolvimento nacional: dilemas e perspectivas” acontece até o dia 8/05 e é promovido por mais de 40 fundações, entidades, sindicatos e universidades. Veja abaixo como foram os painéis anteriores e quais serão os próximos.