Para que não retornem as execuções sumárias
O documento, de autoria do diretor da CIA, Willian Colby, é de 11 de abril de 1974. Foi dirigido a Henry Kissinger, secretário de Estado dos EUA. Ele conta que duas semanas após a posse do general Ernesto Geisel na Presidência da República, este se reuniu com os generais João Baptista Figueiredo, então chefe do Serviço Nacional de Informações, e que viria a ser o próximo presidente da República, com o general Milton Tavares de Souza, comandante do Centro de Informações do Exército e com o general Confúcio Avelino, do mesmo órgão.
Nessa reunião, o presidente foi indagado se haveria a “continuidade” da política de execuções sumárias de opositores do regime, pela qual cerca de 104 pessoas tinham sido assassinadas no ano anterior, no governo Médici. Geisel pediu um tempo e depois respondeu: “a política deve continuar, mas deve-se tomar muito cuidado para assegurar que apenas subversivos perigosos sejam executados” e cada execução deve ser autorizada pelo chefe do SNI, o general Figueiredo. No governo de Geisel, 89 assassinatos políticos ocorreram.
A revelação da CIA não é uma novidade, mas ao trazer à luz a verdade escondida e negada, revolve-se uma chaga não cicatrizada no coração dos brasileiros.
Os jovens destemidos que foram para a Guerrilha do Araguaia para trazer de volta a liberdade para o Brasil não foram mortos em combate, em sua maioria, mas assassinados depois de presos. Diversos deles eram do Partido Comunista do Brasil e para lá foram, largando família, profissão, tranquilidade, para não largar os ideais de uma Pátria livre da tirania. Outros, eram moradores locais que também foram trucidados.
No mesmo período, com a autorização do general Geisel, uma organização que não se confrontou com a ditadura, que era o Partido Comunista Brasileiro, teve diversos de seus dirigentes mortos sumariamente.
No episódio conhecido como Chacina da Lapa, houve assassinatos frios. Dos que lá estavam só restam vivos eu, o Aldo Arantes e o Wladimir Pomar.
Todos sabíamos que na casa não havia armas, nossa defesa estava na clandestinidade absoluta. O elemento que fez a delação premiada sabia disso. A casa foi cercada completamente, não havia qualquer chance de fuga para os que lá estavam. Invadir a casa e prender a todos, ou dar um ultimato para que se rendessem, seria comportamento normal a ser seguido, se a orientação fosse a de prender a direção do PCdoB. Mas a decisão era de matar, liquidar. Como agora a CIA confirma.
E assim foram mortos Pedro Pomar e Ângelo Arroio, debaixo de uma saraivada de balas. E o general Dilermando Monteiro ainda teve o desplante de dizer “fomos enganados”, posto que o delator havia informado que João Amazonas, o principal artífice do Araguaia, lá estaria, pois era o que o traidor imaginava. Mas o Amazonas, na última hora, por decisão nossa, viajara.
Assim estão as feridas maltratadas, não cicatrizadas. Mas há ainda fatos mais obscuros.
No primeiro semestre de 1968, o Rio de Janeiro quase foi palco de um dos maiores atos terroristas do mundo, o famoso caso Para-Sar, pelo qual o brigadeiro João Paulo Burnier, deu ordens a um seu subordinado para explodir o Gasômetro de São Cristóvão, em hora de grande movimento, para matar cerca de 100.000 pessoas e jogar a culpa nos comunistas. Semelhante barbaridade não se consumou porque o subordinado era uma pessoa de caráter ilibado e responsabilidade com seu povo e sua Pátria, o capitão Sérgio de Carvalho, conhecido como Sérgio Macaco, que se rebelou, não cumpriu a ordem e a denunciou.
Anos depois, entre 20 e 22 de janeiro de 1971, o ex-deputado Rubens Paiva é morto no Rio de Janeiro, esclarecendo-se depois ter sido liquidado sob tortura em dependências da Aeronáutica, onde pontificava o brigadeiro Burnier.
Em 10 de junho de 1971, cerca de 4 meses após a morte de Rubens Paiva, é morto no Rio, sob tortura, Stuart Angel Jones, um jovem de 25 anos, em dependências da Aeronáutica, onde mandava o brigadeiro Burnier.
Agora bem, dois meses depois da morte de Rubens Paiva e dois meses antes da morte de Stuart Angel, também no Rio de Janeiro, em 14 de junho de 1971, desaparece Anísio Teixeira, o maior educador brasileiro, aquele que levantou entre nós em primeiro lugar e com mais força a bandeira da educação pública, universal e gratuita. Procurado por Abgar Renault, da Academia Brasileira de Letras, o general Syzeno Sarmento, então comandante do I Exército, tranquilizou-o dizendo-lhe que Anísio Teixeira estava prestando esclarecimentos em dependências da Aeronáutica e logo seria liberado. O educador apareceu morto no fosso de um elevador. Notícia de origem nunca esclarecida divulgou que ele ali caíra e morrera.
Em carta dirigida ao Presidente Ernesto Geisel, o Brigadeiro Eduardo Gomes referiu-se ao Brigadeiro Burnier como, “um insano mental inspirado por instintos perversos e sanguinários, sob o pretexto de proteger o Brasil do perigo comunista.” Eram homens deste tipo que mandaram no país.
Agora, 47 anos depois, está prestes a ser publicada a obra “A morte de Anísio Teixeira – desmontada a farsa da queda no elevador” de autoria do professor da UFBA João Augusto de Lima Rocha, na qual o professor demonstra, a partir de minuciosa pesquisa, que não houve queda, mas colocação do cadáver do educador no local onde foi encontrado. Anísio foi assassinado.
Revelações da CIA, execuções sumárias, feridas não cicatrizadas, descobertas sendo feitas, tudo isso deve ser lembrado quando o país precisa sair da crise em que se encontra, não dando um passo atrás, no sentido do obscurantismo mais retrógrado, mas um passo à frente, espancando essa parte sinistra de nossa história, colocando nos porões todos os golpes contra o povo, o de 1964 e o de 2016, restaurando a democracia, prestando contas com sua história e indo para a construção de uma grande Nação.
*Haroldo Lima é membro da Comissão Política Nacional do Comitê Central do Partido Comunista do Brasil.