Intelectuais, política e má fé
Na semana passada, o jornal The Stanford Daily publicou uma notícia curiosa sobre Neil Ferguson, historiador conservador associado à Hoover Institution, da Universidade Stanford. A história em si, embora desagradável, não é importante. Mas oferece uma janela para uma realidade que pouca gente, especialmente na mídia noticiosa, está disposta a reconhecer: a má fé onipresente no discurso conservador.
E sim, quero mesmo dizer “conservador”. Existem indivíduos desonestos de todas as orientações políticas, mas se você está em busca de sinais de abuso psicológico sistemático, de sinais de que pesado é leve e branco é preto, os encontrará desproporcionalmente de um dos lados do espectro político. E os problemas que muita gente encontra para aceitar essa assimetria é um motivo importante para a situação que enfrentamos.
Mas como posso dizer que a mídia se recusa a reconhecer a má fé dos conservadores? Embora alguns jornalistas continuem hesitando em usar abertamente a palavra “mentira”, e que continue a existir uma tendência a alardear pontos de vista falsos nas manchetes de um artigo (e a apontá-los como falsos apenas no corpo do texto), os leitores em geral estão sendo informados corretamente sobre o grau de desonestidade que prevalece no governo Trump.
Aos meus olhos, porém, a mídia faz com que as mentiras de Donald Trump pareçam mais excepcionais -e mais distintas das práticas anteriores – do que realmente são. As sete mentiras que Trump costuma contar por dia e suas constantes reclamações de que está sendo atacado por pessoas que noticiam os fatos acuradamente são apenas a continuaçõa de uma tendência que vem prevalecendo no movimento conservador há anos.
Afinal, qual é a diferença entre Trump e a rede de notícias Fox News, que desinforma os espectadores há anos mas não para de denunciar a parcialidade do restante da mídia em favor das visões progressistas? Qual é a diferença, além disso, entre o presidente e os republicanos que acusavam os democratas de irresponsabilidade fiscal e agora criticam o Serviço Orçamentário do Congresso quanto este aponta que os cortes de impostos aprovados pelo partido causarão uma alta no déficit público?
E o mesmo tipo de má fé pode ser visto em outras arenas – entre as quais certamente as universidades. O que me reconduz à história sobre Stanford.
Ferguson é um daqueles intelectuais conservadores que se queixam sobre a suposta ameaça que os ativistas das universidades representam para a liberdade de expressão – ele de fato classifica a esquerda universitária como “maior ameaça” à liberdade de expressão nos Estados Unidos de Trump. Em Stanford, ele é um dos professores encarregados de dirigir um programa chamado Cardinal Conversations, que supostamente deveria convidar palestrantes para “discutir questões controversas”.
Entre os convidados para o programa estava Charles Murray, famoso por um livro – cujas constatações foram conclusivamente negadas – de que as diferenças de QI entre os brancos e os negros têm origem genética. Não surpreende que o convite tenha provocado protestos dos estudantes. Foi esse o contexto no qual Ferguson se envolveu em uma troca de emails com ativistas universitários de direita, na qual ele os instava a se “unirem contra os GJS [guerreiros da justiça social], até derrubá-los”. E ele sugeria “pesquisa oposicionista” contra um universitário de esquerda. Um universitário!
Ferguson mais ou menos se desculpou, depois, mas foi mais uma mensagem de “lamento que você se sinta assim” do que um verdadeiro pedido de desculpas, e ele principiou por lamentar o fato de que hoje em dia há poucos historiadores nas universidades que sejam membros registrados do Partido Republicano, o que ele interpreta como prova direta de parcialidade nas contratações e de um ambiente hostil [às ideias conservadoras].
O que está acontecendo de fato, nesse caso? É verdade que pessoas que se admitam conservadoras são presença rara entre os historiadores americanos. Mas pode-se afirmar o mesmo sobre a presença de conservadores nas ciências “duras”, físicas e biológicas.
Por que há tão poucos cientistas conservadores? Pode ser porque a carreira acadêmica atraia mais os progressistas que os conservadores. (Não existem muitos progressistas nas forças policiais – ou, apesar do que diz Trump, no Serviço Federal de Investigações (FBI)). Alternativamente, os cientistas podem relutar em se definir como conservadores porque, nos Estados Unidos modernos, ser conservador significa se alinhar a uma facção que em geral rejeita as conclusões científicas sobre o clima e a teoria da evolução. Será que considerações semelhantes não se aplicam aos historiadores?
Mas o mais importante é que as afirmações dos conservadores de que eles estão defendendo a liberdade de expressão e a discussão aberta não são sinceras. Os conservadores não querem ver ideias avaliadas com base em seus méritos, pouco importa que preferências políticas essas ideias indiquem; eles querem que as ideias convenientes para o seu lado recebam tempo (pelo menos) igual, independentemente de sua qualidade intelectual.
A verdade é que organizações conservadoras estão engajadas em um esforço sistemático para impor padrões políticos ao ensino superior. Por exemplo, hoje sabemos que os irmãos Koch usaram doações para ganhar poder quanto à seleção de pessoal acadêmico em pelo menos duas universidades.
O que isso significa para nós? Em geral, significa que, se você desempenha qualquer papel que envolva informar as pessoas – seja na educação, seja no jornalismo -, não deveria permitir que os direitistas o derrubem, como Ferguson gostaria.
Hoje em dia, tanto as universidades quanto as organizações noticiosas estão sob pressão constante não só para tratar Trump com mais carinho como para que respeitem as ideias direitistas em geral. As pessoas que fazem essas exigências afirmam desejar tratamento igual.
O que você precisa lembrar sobre essa reivindicação é que ela está sendo feita de má fé. Tratamento igual pouco importa: o que eles querem é poder.
Tradução de PAULO MIGLIACCI para a Folha de S. Paulo
Paul Krugman é prêmio Nobel de Economia e colunista do ‘NYT’. É um dos mais renomados economistas da atualidade.