O Índio Anjo da Noite
No gesto de carícia, degolou o anjo, índio, nos braços e foi-se.
E ficaram a criança morta, a mãe e o desamparo,
E as ondas do eco da insânia reverberaram.
Eles humilham as negras pela graça e pelo riso insuportáveis,
Espancam as mulheres altivas que miram na retina do destino,
Esquartejam os habitantes das ruas enquanto procuram a estrela guia,
Atiram nos homens, os feitos por Deus doces, mansos e risonhos,
Vociferam contra os de mãos ríspidas, sem terra para as colheitas,
Xingam aos poetas mais poéticos que nos dizem o que Jesus diria,
Protestam contra os sonhos dos que sonhos apenas possuíam,
Incendeiam as favelas, os lares pequeninos,
Encarceram os insanos nas ruas, nos sanatórios e em seus delírios,
Enganam aos parvos, aos simples, ainda com o crédulo espanto,
Negligenciam aos doentes, febris, esquálidos, em podres hospitais,
Prostituem a justiça, despudorada, de bugigangas e ouros pendurados,
Roubam as inocências e metem-lhes pedras, fumaça e balas,
Confinam aqueles que um dia foram jovens como tu,
E afogam as crianças no meio do mar.
Dilaceram o meu coração.
Chamam a isso de liberdade mas, da besta liberta, são escravos.
Contudo, são mais fortes que eu e tu sozinhos nesta planície desolada.
É tempo de dar-me a tua mão, jovem, e de eu dar-te a minha envelhecida
Antes de ser chegada a hora de partirmos no meio dessa noite inacabável.
Teresina, 23 jan 2016