Cinco anos sem Dynéas Aguiar
CONHEÇA O ESPECIAL: Dynéas Aguiar, homenagem a um dos construtores do PCdoB
Faz cinco anos do falecimento do dirigente comunista Dynéas Aguiar. Tinha 81 anos de vida e 63 de militância ininterrupta. Como afirmou Renato Rabelo, presidente da Fundação Maurício Grabois, durante o seu velório ocorrido na Câmara Municipal de São Paulo: “Dynéas era um dos últimos remanescentes daquela plêiade de bravos camaradas que, em 1962, de maneira ousada, se colocaram a tarefa de reorganizar o Partido Comunista do Brasil. Ousadia que garantiu sua continuidade na trilha da revolução. Uma geração que atravessou décadas, a maior parte do tempo na clandestinidade, enfrentou prisões, torturas e mortes, e soube fazer triunfar a liberdade e a democracia com a qual hoje a Nação se fortalece e na qual os trabalhadores elevam sua capacidade de união e luta. As bandeiras vermelhas da grande causa socialista inclinam-se em honra à memória deste digno e heroico combatente!”
Como parte das homenagens, a Fundação Maurício Grabois estará lançando no próximo mês a biografia desse combatente comunista. Ela foi escrita pelo historiador Augusto Buonicore, que é autor do livro “Meu verbo é lutar: a vida e o pensamento de João Amazonas”. O título da nova obra publicada pela editora Anita Garibaldi será “Vida militante: Dynéas Aguiar nos subterrâneos da liberdade”. O Portal Grabois disponibiliza trechos da apresentação do autor e de dois capítulos, tratando da participação dos estudantes comunistas na luta contra a guerra da Coréia e durante o golpe que derrubou Getúlio Vargas em agosto de 1954.
A vida de Dynéas
Qual a importância da biografia de Dynéas Aguiar? Ela permite reconstruir, através de um ponto de vista único, a história do Partido Comunista do Brasil e da esquerda brasileira na segunda metade do século 20.
O nosso personagem nasceu em janeiro de 1932 e ingressou no Partido Comunista e na União da Juventude Comunista (UJC) em 1950. Tinha 18 anos de idade. Tornou-se rapidamente um dos principais dirigentes estudantis secundaristas brasileiros, elegendo-se por duas vezes presidente da União Nacional dos Estudantes Secundaristas (Unes). Um período em que o movimento estudantil secundarista esteve dividido e com duas entidades nacionais: a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), nas mãos da direita, e a Unes, comandada por jovens comunistas e seus aliados.
Dynéas dirigiu as históricas greves dos candangos da construção civil na então recém-criada capital da República: Brasília. Participou do processo de reorganização do PCdoB em 1962, passando a compor o seu Comitê Central. Ainda atuando no Distrito Federal, envolveu-se no Levante dos Sargentos e, depois, no entrevero armado em Mato Seco, que lhe custaram a primeira detenção e dois processos na justiça.
Logo após o golpe militar de 1964, liderou a primeira turma enviada pelo PCdoB à República Popular da China para fazer um curso teórico e militar de seis meses. Voltando ao país, passou, ao lado de outros camaradas, a preparar uma área de apoio à futura guerrilha rural no interior de Goiás. Entre 1966 e 1972, compôs a estratégica Comissão Nacional de Organização (CNO), sob a coordenação de Carlos Danielli. Neste mesmo período, assumiu a secretaria política dos comitês regionais do Rio Grande do Sul e de São Paulo.
Com o início da Guerrilha do Araguaia (1972), foi, juntamente com Diógenes Arruda, enviado ao exterior para organizar um movimento de solidariedade à luta do povo brasileiro e denunciar os crimes da ditadura militar. Viveu no Chile e na Argentina, onde ajudou a articular os partidos marxista-leninistas da América Latina.
Quando, em dezembro de 1976, ocorreu Chacina da Lapa na qual caiu a reunião do Comitê Central, ele ainda estava fora do país. A tragédia, que culminou na morte de três dirigentes nacionais e na prisão de outros tantos, levou à formação de um núcleo restrito de direção no exterior. Entre os seus componentes estavam João Amazonas, Diógenes Arruda, Renato Rabelo e Dynéas.
Primeiro nucleo de direção do PCdoB legalizado: Renato Rabelo, Dyneas Aguiar, Rogerio Lustosa, João Amazonas, João Batista Lemos e Ronald Freitas
Ele se tornou um elemento essencial na montagem da 7ª Conferência Nacional do PCdoB, realizada na Albânia, e um dos principais responsáveis pela reestruturação do Partido. De volta ao Brasil – um pouco antes da Anistia –, tornou-se, na prática, o secretário nacional de Organização. O segundo cargo mais importante na hierarquia partidária. Sob sua direção, foi levada a cabo a campanha pela legalidade do PCdoB, conquistada em 1985 e consolidada em 1988. Um momento muito feliz para aqueles que, como Dynéas, nunca tinham visto o seu partido legalizado, podendo disputar eleições livremente com sua legenda e seus símbolos próprios – e tendo até horário gratuito em cadeia nacional nas rádios e TVs brasileiras. As coisas, realmente, pareciam ter mudado na vida do país e daqueles abnegados militantes.
Convencao Nacional do PCdoB que homologa a candidatura Lula pela FBP – Sao Paulo, 08-07-89 foto de Alberto William
Referindo-se ao 7º Congresso do PCdoB de 1988, o primeiro realizado na legalidade desde a cassação do registro em 1947, Dynéas afirmou: “Foi uma coisa muito emocionante para nós, que tínhamos vivido todos aqueles anos na dura clandestinidade. Eu olhava aqueles milhares de militantes, no ato de encerramento, a maioria composta de jovens, gritando ‘1, 2, 3, 4, 5 mil e viva o Partido Comunista do Brasil!’, e me lembrava dos inúmeros camaradas assassinados pela ditadura. João Amazonas fez uma intervenção emocionante sobre aqueles que haviam tombado para podermos estar ali. Nosso partido foi muito sacrificado, mas não foi só ele. Desapareceram companheiros valorosos, que tinham grande contribuição a dar ao país. Bom, enfim, isso faz parte da vida, faz parte da luta dos povos por um mundo melhor.”.
Os estudantes contra a guerra na Coreia
Sempre que Dynéas falava da sua atuação na União da Juventude Comunista, a luta contra o envio de tropas brasileiras à Coreia aparecia com grande destaque. Nessa campanha, também vitoriosa, os jovens comunistas tiveram um papel destacado. “Depois da Segunda Guerra Mundial, contava ele, com a criação do campo socialista – e principalmente com a vitória da revolução chinesa em 1948 –, os Estados Unidos estabeleceram como principal objetivo a contenção do avanço das forças revolucionárias, visando a impedir que chegassem ao poder em novos países. Quando começou a guerra em junho de 1950, os norte-americanos conseguiram aprovar no Conselho de Segurança da ONU uma resolução condenando a Coreia do Norte por, supostamente, ter iniciado a agressão. Imediatamente, começaram a arregimentar forças militares do mundo inteiro para apoiar a Coreia do Sul pró-imperialista.”.
“O presidente Eurico Gaspar Dutra – o mesmo que havia cassado o registro da UJC e do Partido Comunista do Brasil – tinha assumido o compromisso de enviar tropas brasileiras para lutar na Coreia. Quando Getúlio Vargas venceu a eleição presidencial no final de 1950, se viu num impasse e ficou naquele jogo de ‘vai, não vai’, ‘manda, não manda’. A pressão estadunidense aumentava, exigindo o cumprimento da promessa do governo anterior. Enquanto isso, o movimento contra o envio de tropas ganhou corpo. Em todos os congressos e reuniões estudantis havia manifestações a respeito. Fazia-se muita agitação na Praça da Sé, na Praça do Patriarca, na Rua Direita, no centro de São Paulo.”.
“Esse foi um movimento no qual os jovens secundaristas jogaram o papel principal, pois eram os mais diretamente afetados pela ameaça de envolvimento numa guerra estranha aos seus interesses. Os universitários ainda tinham a válvula de escape que era fazer o CPOR [Curso de Preparação de Oficiais da Reserva]. Os secundaristas não tinham nenhuma saída por causa da idade de alistamento militar, que era entre 18 e 19 anos. Se houvesse uma guerra, eles seriam os primeiros a participar.”.
“Foi feita muita agitação entre os recrutas. O Partido Comunista tinha uma estrutura nos quartéis e editava jornais clandestinos para as três armas: exército, marinha e aeronáutica. Eles publicavam denúncias sobre os acordos que o governo brasileiro estava fazendo visando a enviar tropas à Coreia. Criou-se entre alguns soldados um espírito de resistência muito forte.”.
“Outra forma de agitação muito usada por nós era o ‘teatro de rua’. Participavam sempre dois ou três companheiros da UJC. Procurávamos sempre um lugar que tivesse muita gente. Então, vinha um desses jovens e dizia para o outro: ‘por que você está chateado, rapaz?’. O outro respondia: ‘É que eu vou servir o exército e estou com medo, pois acho que vamos ser enviados à Coreia’. E, então, passavam a discutir o tema da guerra: ‘Devemos ou não ir?’ – essa era a questão. A conclusão era sempre pela negativa. Fazíamos isso nos bondes, nos ônibus, nos trens. As pessoas acabavam entrando na discussão. Era a nossa maneira de colocarmos o debate na sociedade. A grande imprensa era muito limitada e sempre defendia as posições dos Estados Unidos.”.
“Nós tínhamos, entre o nosso pessoal, muita gente que gostava de compor músicas e participava de grupos de teatro. Naquele tempo era muito comum se fazer paródias de músicas famosas. E tinha uma música de carnaval que se chamava É com esse que eu vou. Nós usamos a música e mudamos a letra para gozar daqueles que queriam que o Brasil fosse combater na Coreia. Era mais ou menos assim:
‘Pra a Coreia não vou nem amarrado, não vou não.
Pra Coreia não vou, não dou pra bucha de canhão.
Quem quiser me mandar que vá primeiro lá por mim.
E me diga se é bom morrer assim.
Quero ver o Gaspar Dutra e o Góis Monteiro
Enfrentando o coreano, esse povo lutador.
Arreda, arreda, dá o fora americano
Deixe o povo coreano viver em paz
Pra Coreia não vou…’.
“Também fazíamos manifestações no centro da cidade. Em geral, nos reuníamos na Praça da Sé. Uma pessoa centralizava as coisas. As companheiras levavam as faixas embrulhadas no corpo. De repente alguém soltava um foguete. Era o sinal. Quando estourava, nos juntávamos, abríamos as faixas e saíamos em passeata até a Praça do Patriarca, pela Rua Direita. Isso era feito, mais ou menos, às cinco horas da tarde, com as ruas cheias de gente. Assim, a polícia tinha dificuldade em nos reprimir. Eram coisas que fazíamos regularmente e tinham certa repercussão. Movimentos como esses aconteciam em todos os estados brasileiros e eram promovidos pela juventude comunista.”.
“O fato mais expressivo, já citado anteriormente, aconteceu em 7 de setembro de 1950, quando a Elisa Branco abriu a faixa dizendo ‘os soldados, nossos filhos não irão para a Coreia’ em pleno desfile militar no Anhangabaú. Ela foi detida e condenada a quatro anos de prisão. Uma sentença desproporcional ao delito cometido. Isso teve um impacto imenso tanto no Brasil como no exterior. Desenvolveram-se muitas ações visando libertá-la. Nesta campanha o movimento dos partidários da paz no país ganhou maior dimensão. Elisa Branco se transformaria num dos símbolos mundiais do combate à guerra e, por isso, recebeu o cobiçado prêmio Stalin da paz – maior honraria que um comunista poderia ganhar naqueles anos.”.
Durante o julgamento de Elisa, ocorrido em 20 de setembro de 1951, o relator do processo, juiz Rocha Lagoa pronunciou-se pela condenação. A votação empatou três a três. Foi preciso o voto de minerva do presidente do STF, ministro Orozimbo Nonato, para que se decidisse pela inocência da acusada. Quatro dias depois, ela deixaria a prisão em meio a comemorações.
Embora esse caso seja o mais famoso e emblemático, muitos outros comunistas estiveram presos por motivos banais. Entre eles duas irmãs pertencentes à UJC, Margarida e Ana Gimenez. Foram detidas no dia 18 de abril de 1951 na cidade de Santo André simplesmente por terem protestado contra as chamadas “resoluções de Washington”. Foram condenadas pelo juiz Felizardo Calil a um ano e seis meses de prisão. Sentenças como essas não eram raras naqueles dias marcados pelo anticomunismo.
Damos a palavra novamente a Dynéas: “Falarei agora sobre outro ato feito pela juventude comunista contra a guerra e do qual participei ativamente. O poderoso Assis Chateaubriand iniciou, através dos seus jornais, uma campanha visando recrutar voluntários para lutar na Coreia em nome da liberdade e da democracia. A rede de comunicação de Chateaubriand (os Diários Associados) era a maior do Brasil naquela época. Tinha jornais e rádios em todas as capitais. Em São Paulo, entre outros órgãos, era dono da rádio e da TV Tupi.”.
“A UJC resolveu realizar uma ação direta contra esse voluntariado promovido por Chateaubriand. Decidiu realizá-la no próprio saguão dos Diários Associados, localizado na Rua 7 de Abril. Naquele dia utilizamos ‘coquetéis Molotov’ de piche – que eram lâmpadas que enchíamos de piche, tampávamos e jogávamos nas paredes. Enquanto eu discursava, um companheiro pôs fogo num boneco de Chateaubriand que havíamos levado. Nessa brincadeira quase fui atingido pelas chamas. Logo chegou a repressão e tivemos que sair correndo. Mas, um companheiro nosso da Upes, o Alfredo Oblizner, acabou sendo preso. Ele ficou no presídio de Barro Branco por um mês.”.
A campanha contra o envio de tropas brasileiras foi apenas um capítulo da luta desenvolvida pelos comunistas contra os preparativos guerreiros do imperialismo. As principais formas de luta foram: a realização de encontros dos partidários da paz e a coleta de assinaturas, contra a utilização das armas atômicas e em defesa de um pacto de paz entre as grandes potências. Dynéas falou-nos um pouco da participação dos jovens nesses movimentos pacifistas e antiimperialistas: “Coletamos milhões de assinaturas para o Apelo de Estocolmo, que pedia o fim das armas nucleares. Como é que fazíamos essa coleta? A gente organizava comandos. A tardezinha ou então nos sábados e domingos íamos de porta em porta, levávamos o material da campanha, discutíamos e o pessoal assinava o apelo. Tinha lugar que o resultado era espetacular. Eu me lembro até hoje o que ocorreu na Várzea do Carmo, num conjunto do IAPI. Entramos naqueles prédios, batíamos nas portas, o pessoal assinava e nos acompanhava até os outros apartamentos para coletarmos mais assinaturas. Esse era, principalmente, um trabalho da juventude e das mulheres comunistas.”.
“A repressão aos comunistas e ao movimento dos partidários da paz continuou durante o governo Vargas. Para despistar a polícia e conseguir distribuir nossos materiais, inventamos algumas artimanhas. Subíamos nos edifícios, entrávamos no banheiro com os panfletos, os molhávamos e colocávamos nas janelas ou nas marquises. Quando o sol vinha e secava-os, eles voavam e caíam nas ruas. A polícia subia, procurando prender os autores da panfletagem, mas nunca os encontrava. Eles já estavam longe do ‘local do crime’.”.
Naqueles anos Hollywood produziu uma série de filmes que traziam, aberta ou sub-repticiamente, mensagens anticomunistas e mesmo defendendo o lado estadunidense na guerra da Coreia. Entre os mais famosos estavam: Cortina de ferro (1948), A ameaça vermelha (1949), Traidor (1950), Missão em Moscou (1951), Um ano na Coreia (1951), Eu fui um comunista para o FBI (1951), Planeta Vermelho (1952), O anjo mal (1953). A maioria dessas produções tinha um baixo valor estético, podendo ser encaixada na categoria de filmes B. Apesar disso, as pessoas iam aos cinemas assisti-los.
Os jovens comunistas procuraram se organizar para impedir que aquilo continuasse acontecendo. Em julho de 1950, o filme Traidor estreou na cidade de São Paulo. Quem narrou o ocorrido foi o jornal Imprensa Popular: “Durante a sessão diversos grupos de assistentes levantaram-se e atiraram ovos com ácido sulfídrico contra a tela, inutilizando-a, enquanto pequenas bombas explodiam no recinto. Colhidos de surpresa, dezenas de ‘tiras’ que montavam guarda no cinema prenderam alguns populares, contra os quais nada foi possível provar. Os poucos espectadores retiraram-se rindo, satisfeitos com o episódio, pois logo aos primeiros minutos do filme constataram que ele não valia os seus nove cruzeiros.” (IP, 04-07-1950). Excetuando a informação de que os espectadores teriam saído rindo e não assustados com as bombas e a polícia, o resto parece corresponder aos fatos.
Os jovens comunistas também realizavam outras formas de protestos originais e menos violentas. Dynéas nos contou uma das estripulias aprontadas por eles durante as comemorações de mais um aniversário do PCB. “Na rádio Cultura tinha um programa de calouros que era muito ouvido nos sábados à tarde. Naquele tempo as rádios tinham auditórios para que as pessoas fossem assistir à programação. Então nós preparamos uma equipe, na qual se incluía Lenina Pomeranz e Issi Altenberg. Elas tocavam piano muito bem e foram se apresentar nesse programa. Tocaram a Marselhesa a quatro mãos. Aquilo foi um sucesso. Quando terminaram o apresentador veio saudá-las, e aí a Lenina, que era da direção da UJC, falou que aquela música representava na história da humanidade o espírito da liberdade. Depois de fazer todo um discurso em torno do hino revolucionário francês, disse que o dedicava ao aniversário do Partido Comunista do Brasil. Aquilo foi ouvido em milhares de lares. Elas falaram aquilo e desceram correndo do palco. O pessoal da juventude comunista, que assistia na plateia, as protegeram e as tiraram dali. Ficamos uns quinze dias sem poder aparecer em público, com polícia atrás de nós.”.
O Golpe de 1954
Dyneas quando presidente da União de Estudantes Secundaristas
Dynéas, então presidente da União Nacional dos Estudantes Secundaristas (Unes), relata alguns aspectos da relação com o ministro da Educação e o presidente Vargas naquele momento marcado pela ofensiva liberal-conservadora: “Na fase final do seu governo, Getúlio tinha relação com o movimento estudantil por intermédio do seu ministro da Educação, Antonio Balbino de Carvalho, que era baiano. Ele esteve à frente da pasta entre 1953 e 1954 e era uma pessoa bastante aberta e democrática. Fomos a muitas reuniões no Ministério da Educação para discutir as nossas campanhas, como a da reforma do ensino. O ministro atendia e não tinha uma atitude discriminatória. Ele brincava conosco e dizia que era o ministro da Educação por acaso. Porque no esquema de poder no Brasil, o ministro da Educação sempre saía de Minas Gerais e o ministro da Justiça da Bahia. Mas, por um engano, na hora de nomear, os papéis se misturaram na mesa do presidente e o ministério da Educação ficou com a Bahia e o ministério da Justiça com Minas Gerais.”.
“Contudo”, complementa, “a nossa posição política em relação ao governo Vargas era muito complicada. O Partido Comunista do Brasil dizia que Getúlio estava preparando um golpe de Estado e nós éramos contra esse suposto golpe, mas também falávamos contra as tentativas de golpe planejadas pela direita lacerdista contra Getúlio. Na verdade, não tínhamos claro quem era o inimigo principal naquele momento. Não víamos que o inimigo eram as forças entreguistas ligadas ao Lacerda e à UDN, apoiadas pelo imperialismo estadunidense. Mas isso não impedia que, nas questões específicas, nossas entidades estudantis se relacionassem bem com o Ministério da Educação.”.
Em julho de 1954 o 7º Congresso da Unes, novamente em Salvador, reelegeria Dynéas à presidência. Poucos dias depois, em 5 de agosto, ocorreu o atentado contra o jornalista Carlos Lacerda, que acabou vitimando o major da aeronáutica, Rubens Vaz. Passaram a ocorrer manifestações diárias em São Paulo e Rio de Janeiro pedindo a renúncia do presidente. Todas elas insufladas pela grande imprensa, excetuando o jornal Última Hora. A UNE e a Ubes, ainda comandadas por lacerdistas, davam apoio ativo às manobras golpistas contra o governo.
Um fato, porém, inverteria aquela correlação de forças. No dia 24 de agosto, o país foi abalado pela notícia do suicídio de Vargas, ocorrido após ter recebido um ultimato dos militares. A trágica morte do presidente e sua carta-testamento produziram um impacto muito forte na sociedade, principalmente entre os trabalhadores e nas camadas mais pobres da população. Como resultado disso, eclodiu uma verdadeira rebelião popular. Choques com as forças da repressão ocorreram em várias cidades. Sedes de partidos e de jornais antiVargas foram atacadas por multidões enfurecidas. Próceres da oposição conservadora, como Carlos Lacerda, tiveram que se esconder por algum tempo.
Dynéas narra o que viu naqueles conturbados dias de comoção popular: “A posição do Partido Comunista, como já disse, era muito complicada. Ele era contra um suposto golpe preparado por Getúlio e contra qualquer golpe contra o Getúlio. No dia 22 de agosto – dois dias antes do golpe da direita –, nós fizemos um comício na Esplanada do Castelo que denunciamos o golpe viesse de onde viesse.”. Novo comício foi marcado para o dia 25 às 18 horas. Contudo, este acabou virando um protesto contra a deposição e morte de Vargas. Em poucas horas, a política comunista se alterou drasticamente: de condenação a Vargas passou-se ao enaltecimento de suas posições nacionalistas. A carta-testamento virou bandeira de luta até dos comunistas.
“Lembro direitinho do fatídico dia do anúncio da morte de Getúlio. Eu morava no subúrbio do Rio de Janeiro. Logo de manhã peguei o trem em Cascadura. Nele encontrei dois companheiros da UJC. Eles eram muito bons desenhistas e tinham feito uns cartazes denunciando o golpismo de Getúlio e da UDN, dentro da orientação do Partido. Íamos colocar os cartazes na Cinelândia. Quando descemos na estação D. Pedro II já estava aquela agitação na cidade. ‘O que houve?’ perguntamos a um cidadão que passava. ‘Getúlio morreu!’, respondeu ele.”.
“Sofremos aquele impacto. A primeira coisa que falei para a companheira que estava conosco foi: ‘esconde esse negócio, desaparece com isso’, me referindo aos cartazes contra Getúlio. Depois fomos até a Cinelândia. Populares choravam a morte do presidente e diziam ‘nosso paizinho morreu’. Chegamos às escadarias da Câmara Municipal do Rio de Janeiro e começamos a fazer discursos contra o imperialismo norte-americano. De repente alguém gritou que o Lacerda estava escondido na embaixada dos Estados Unidos. Ah, pra quê? O Gianfrancesco Guarnieri, que era dirigente da Ames, subiu no ombro de outro companheiro e começou a gritar: ‘vamos pegar o Lacerda!’”.
“Chegamos à frente da embaixada com aquela massa enfurecida. Os fuzileiros navais, escalados para proteger o prédio, abriram fogo contra nós. Muita gente ficou ferida. Guarnieri tirou a camisa de um dos feridos, que não sofrera nada de muito grave, e começou a agitá-la no ar como uma bandeira. Voltamos à Cinelândia e começamos a destruir todos os comitês eleitorais da UDN que encontrávamos pela frente. Estávamos às vésperas das eleições. Tinha um desses comitês localizado no quinto ou sexto andar de um prédio na Avenida Rio Branco. O povo o ocupou, ateou fogo e começou a jogar os móveis e documentos pelas janelas. Naqueles dias desapareceu a UDN no Rio de Janeiro e Carlos Lacerda teve que se esconder.”.
“No dia seguinte ocorreu o enterro do Getúlio, o cortejo saiu do Catete e foi até o aeroporto Santos Dummont. Nunca vi tanta gente na rua. Nesse momento o partido balançou. Surgiu a dúvida: será que estávamos realmente conectados com o sentimento do povo? Será que Getúlio seria mesmo um golpista e entreguista como afirmávamos? Hoje temos consciência do nosso erro. O segundo mandato dele havia se voltado para o desenvolvimento nacional, ainda que dentro de uma concepção burguesa. Criou-se a Eletrobrás e a Petrobras. Desenvolveu uma série de ações no sentindo de frear a dominação do imperialismo norte-americano no Brasil. A contradição principal que existia era essa e foi por isso que ele caiu.”.
Em 26 de agosto de 1954, foi publicado um novo manifesto assinado por Dynéas. Desta vez criticava a violência policial que havia se abatido sobre o povo e os estudantes nas manifestações do dia anterior. Dizia o texto:
“A Unes vem trazer a público o seu mais veemente protesto contra fatos já consumados, como a prisão de 36 líderes sindicais, dos universitários Adelso Rodrigues, Carlos José da Silva e do secundarista Djalma Feltermann, 1º tesoureiro da União Nacional dos Estudantes Secundários, que apesar dos esforços feitos para libertá-los continuam sequestrados e mesmo correndo perigo de vida. A opinião dos secundaristas é de franca oposição a esses métodos empregados de violência e de arbitrariedades tendentes a criar condições propícias para golpes de força contra a livre manifestação popular pelos seus legítimos anseios.” (UH, 26-08-1954).
No dia seguinte, ele denunciava “o clima de supressão das liberdades constitucionais e de preparação golpista visando à supressão de nossa Carta Magna e do pleito democrático que se avizinha.”. Isso estaria ocorrendo “sob orientação direta dos grupos monopolistas internacionais que, por todas as formas e a qualquer preço, tentam assumir a direção do país.” (IP, 27-08-1954).
A trágica morte de Vargas e a comoção popular que se seguiu abalariam seriamente a hegemonia liberal-conservadora na direção da União Nacional dos Estudantes. “Nesse período, a gente voltou a restabelecer relações com a diretoria da UNE. Por causa da crise, começamos a discutir com Augusto Cunha Neto, o Netinho, que era o presidente da entidade. Ele vinha da UDN e tinha participado ativamente da campanha contra o Getúlio. Quando chegaram as denúncias que estudantes estavam sendo espancados, ele não acreditou. Então, eu e ele fomos falar diretamente com o novo Ministro da Justiça, que mandou chamar os que tinham sido presos e, realmente, eles chegaram muito machucados. Isso revoltou muito o Netinho, que era um democrata sincero. Por isso, rompeu com a política do presidente Café Filho, que havia substituído Vargas. Na medida em que se afastou do lacerdismo, foi dando mais espaço para aqueles que até então estavam na oposição a ele. Assim, os comunistas voltaram a participar dos conselhos da UNE e dentro de pouco tempo passariam a compor a diretoria”, conta Dynéas. Esse mesmo processo conduziria a unificação do movimento secundarista numa única entidade nacional, a UBES, agora dirigida pela esquerda.