Debate na SBPC em Maceió discute ciência, tecnologia e desenvolvimento
Sem projeto nacional, não tem condução
Almada indagou da importância de pensar políticas públicas a partir de um projeto. “Sabemos o que queremos?” Citou e analisou os principais planos e documentos relativos a políticas de Ciência, Tecnologia e Inovação no Brasil, de outros períodos: o Livro Branco, o Plano Nacional de C&T, as Estratégias de C&T 1 e 2. Segundo ele, após todos esses planos, as principais pautas permanecem, pois se tratam de documentos/políticas de governo e não políticas públicas construídas com a sociedade.
Também mencionou com a China e a Argentina lideram com o tema. A China saltou do status de exportador de “produtos ching ling”, como sinônimo de baixa qualidade, a exportador de avião. “E a gente exporta minério de ferro”, compara. A Argentina tem um grau de investimento em C&T vultosamente maior que o Brasil, “embora nós os tenhamos ensinado tecnologia de aviação”, por exemplo.
“Queremos ser referência em que? Em produção de alimentos saudáveis sem agrotóxicos? Produtores de remédios? Tecnologias de convivência com a seca? O que queremos ser?”, questionou Almada. Nos últimos 20 anos, ele destacou que o Brasil ampliou o número de instituições de ensino superior, fez crescer o número de doutores e mestres, investiu mais em bolsas científicas, desenvolveu áreas tecnológicas, etc. “É preciso definir o que é prioritário, definir como será financiado, não permitir contingenciamentos (que ocorrem todos os anos)”, propôs.
O pesquisador acredita que a academia não conseguiu ganhar a opinião pública para defender a necessidade do investimento em ciência e tecnologia. O financiamento de muitos projetos complexos e sofisticados, como reator multipropósito, o acelerador de partículas, o satélite geoestacionário, tornam um desafio explicar para a o contribuindo a necessidade de financiar bolsas de pesquisa. “Ninguém sabe o que está ocorrendo, nem pra que servem muitos projetos em andamento ou inaugurados”, lamentou. “Em uma realidade sem educação, transporte de qualidade, etc, como explicar para as pessoas que se vai investir em um reator multipropósito?”
Ele ainda apontou a realidade do Maranhão como uma contribuição ao debate brasileiro. Ele considera que o Brasil tem agendas extremamente atrasadas e avançadas convivendo simultaneamente.
Ele mencionou projetos profissionalizantes pioneiros do Iema em presídios, entre outros, num estado onde a crise carcerária era uma vergonha para todo o Brasil, antes destes projetos. O governo do Maranhão foi considerado por analistas o melhor do país, por cumprir 98% do que prometeu antes do fim do primeiro mandato. Uma série de ações realizados, segundo Almada, estão relacionadas com o combate à corrupção e desperdício do dinheiro público, colocando os problemas graves da população como prioridades.
O governo de Flávio Dino estabeleceu a educação como prioridade de forma concreta, não apenas retórica, criando instituições de pesquisa e financiando-as para desenvolver educação profissionalizante, científica e integral. Ele ainda citou o caso do projeto do cientista Miguel Nicolelis, que desenvolve pesquisa de alta tecnologia, mantém unidade funcionando no Maranhão, enquanto outras foram fechadas. A atenção com os sonhos e ambições de crianças e jovens é uma das metas do projeto educacional maranhense.
Almada afirma que é obrigação da liderança política administrar, fazer os hospitais, a educação etc, mas se ninguém fez antes, é preciso reconhecer também, referindo-se à realidade do Maranhão.
Descontinuidade
Guedes afirmou que é preciso confrontar os números para compreender a realidade brasileira. Segundo ele, a tecnologia brasileira é a de microprocessadores e telefones, que moveram o desenvolvimento inovativo nos anos 1990. “O novo mundo não é mais isso. A quarta revolução tecnocientífica está por vir e o Brasil, mais uma vez, ficará para trás”, lamenta. Para ele, as tecnologias e processos voltados para a nanotecnologia e a nanociência podem enfrentar em certa medida a crise ecológica.
Ele mostrou os números de países que estão investindo pesadamente em C&T e inovação, como os EUA (US$ 500 bi), o Japão (US$ 200 bi ou 4% do PIB), a China (US$ 280 bi), a Alemanha (US$ 109 bi) e o Brasil (US$ 2 bi ou 7,7 bi de reais). “Um investimento que não faz nem cócegas na competição internacional”, disse. “Caímos de 47a para 69a posição no índice global de inovação”, informou.
Guedes avalia que há uma crise no sistema de financiamento, que poderia ser pior. A crise é consequência de decisões políticas, mas há resistência nas instituições para não deixar piorar, estratégia que tem limites. Ele lembrou que o Brasil chegou a 240 mil doutores formados, o que configura um quadro de “velocidade anual espetacular”. “Quando a gente cresce a pós, forma mais gente, como ocorreu nos governos Lula e Dilma, mas tem um recuo brutal na estrutura como ocorreu no governo Temer, isso redunda em prejuízo, porque não se aproveita o fruto do investimento feito”, analisa ele.
Por outro lado, há um produtivismo acadêmico, para alcançar estatísticas, que não concorre para a qualidade, enquanto há falta de estrutura e investimento. “Em termos de fator de impacto, a única área em que estamos acima da media internacional é Física”, contou.
No âmbito governamental, ele também aponta descompassos, já que há ministérios e áreas que competem entre si. O Ministério da Educação precisa investir parte de seus recursos na Capes, enquanto o Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação, agora agrega Comunicação. Além de ter seus recursos reduzidos, ainda investe em comunicações, Telebras e Correios). Com isso, o investimento científico cai para algo em torno de R$ 3 bi, na Capes caiu de R$ 7,4 bi para R$ 4 bi e no CNPq era cerca de R$ 2 bi e caiu para a metade.
Guedes considera que quem faz pesquisa no Brasil é universidade pública, portanto o MEC não é o melhor lugar para manter a Capes, “pois dedica a sua energia ao ensino básico”. Ele defende que o MC&Ti não pode incluir comunicações, mas deve incluir o ensino superior. Há uma competição no MEC pelos recursos da C&Ti, o que prejudica o ensino superior. “A Capes e o CNPq teriam que estar dentro disso. Isso significa ambiente acadêmico e política andando conjuntamente”, afirma.
Para Guedes, também uma assimetria federativa na gestão das agências de pesquisa. Ele citou o exemplo de um Instituto de Computação em Alagoas que dispõe de menso de dez bolsas, enquanto o mesmo curso, com a mesma nota em São Paulo dispõe de 30 bolsas. “Isso gera uma distorção regional brutal. É uma falta de visão nacional achar que quem faz C&Ti é sul-sudeste, principalmente São Paulo, quando se faz pesquisa em todo o país”.
O pesquisador relata que o Nordeste vive um momento particular, com um pool de gestores progressistas, preocupados, de fato, com problemas do cidadão comum, e vê a C&Ti como parte da solução. “Espero que no ano que vem essa luta continue, mas continue de uma maneira menos dramática”, declarou.
A presidenta da ANPG comentou que o Brasil abriu mão de ter um projeto nacional, portanto a desvalorização da ciência é uma consequência. Flávia identifica no investimento o maior desafio, o que fez com que a ANPG tivesse como pauta a regulamentação da lei para garantir 25% do pré-sal para C&Ti.
Mas ela observa que, junto com isso, é preciso discutir o sentido do financiamento científico: pra quê ciência e qual é o projeto desejado, pensado em termo do modelo de universidade, de pesquisa e de pós-graduação.
Ela antecipou que a ANPG luta para garantir uma audiência no Congresso Nacional em 14 agosto para discutir esta pauta dos 25%.
As relações de dominação entre centro e periferia
Palácio mostrou como a sociedade da informação e a sociedade do conhecimento configuram uma nova realidade com profundos impactos para o desenvolvimento econômico; o bem-estar social e a construção de formas avançadas de sociabilidade humana; além de definir a soberania das nações.
Conforme aponta ele, a ciência (e, em especial, a tecnologia) é fator decisivo à incorporação de valor a produtos e processos; os produtos de maior valor agregado são justamente aqueles de mais alto teor tecnológico.
É nesse ponto que se estabelece o apartheid tecnológico. Nestes tempos de globalização neoliberal, marcados por guerras, militarização e desrespeito aos legítimos anseios e à autodeterminação dos povos, a distribuição desigual do conhecimento, e em especial da tecnologia, tornou-se uma forma de perpetuar a concentração de riquezas e poder.
Segundo Palácio, o apartheid tecnológico é a segregação do mundo entre dois grupos de países: de um lado, aqueles que dominam a fronteira do conhecimento e, em função disso, mantêm a capacidade de decidir sobre seus próprios destinos; de outro, todos os demais países, que se retardam na condição de meros fornecedores de matérias-primas.
Com essa divisão econômica do mundo, se observa a “deterioração dos termos de troca” (conceito elaborado na Cepal por economistas como Raul Prebisch) para mostrar a raiz dos problemas enfrentados pelos países subdesenvolvidos em face de sua industrialização tardia.
É a essência da dependência econômica, diz ele: “Um país produtor de matérias-primas, sem indústria de transformação, terá de trabalhar sempre cada vez mais para comprar a mesma quantidade de produtos manufaturados”.
“Trocas econômicas entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos tecnologicamente reverte-se contra esses últimos, que não conseguem jamais impedir a desvalorização abissal de seus termos de troca e, dessa forma, afundam na dependência econômica e na subordinação às políticas dos países ricos”, diz Palácio.
Há ainda aspectos culturais derivados da dependência científica e tecnológica que são limitadores da soberania nacional, como o denominado “consumo imitativo”. O estudioso explica que os produtos que consumimos não são decorrência “natural” de descobertas científicas e avanços técnicos. “Obviamente, quando elaboram seus produtos, as empresas adotam os modelos culturais vigentes em seus países de origem, onde se situam suas matrizes. Para essas empresas, é muito importante que os produtos consumidos nos países periféricos sejam iguais àqueles produzidos nos países centrais. Assim obtém-se uma amortização dos custos de produção e multiplica-se o lucro auferido com a economia de escala”, analisa.
No entanto, a fim de que isso realmente aconteça, é necessário sujeitar o país periférico aos mesmos hábitos, à mesma cultura dos países desenvolvidos, sede das tecnologias importadas. De acordo com o pesquisador, os meios de comunicação de massa realizam grande parte desse trabalho. “Os habitantes do país dependente, no anseio de satisfazer aspirações postiças, passam a se constituir em mercado cativo de empresas estrangeiras, tornando a situação praticamente insuportável para as empresas nacionais. Ter autonomia para produzir em nosso país o que consumimos é um importante vetor de desenvolvimento de um país.”
No Brasil, após anos de baixos investimentos em Ciência & Tecnologia – resultantes da prevalência do paradigma neoliberal que deixou o Estado anêmico –, o país, a partir do início dos anos 2000, adentrou nova fase de valorização da pesquisa científica e tecnológica, segundo Palácio, “base incontornável para a realização de um moderno e audacioso projeto nacional de desenvolvimento”.
Em 2008 o país já investia – somando recursos públicos e empresariais – 1,43% de seu PIB nessa área, contra 1,30% em 2000, segundo dados do Ministério da Ciência e Tecnologia. Palácio relata que esse crescimento, associado a uma política eficaz, fez com que o Brasil passasse a ocupar a meritória 13ª posição entre as nações de maior produção científica, com 2,12% do total mundial de artigos publicados em revistas especializadas, deixando para trás países de tradição na área, como Rússia e Holanda.
“No entanto, o investimento ainda é baixo em termos relativos. Precisamos avançar para a meta de 2% do PIB investidos nessa área, patamar colocado como ideal desde o primeiro programa da candidatura Lula em 2002, e que até hoje não foi atingido”, afirma.
Para isso, seriam necessárias, segundo ele, mudanças profundas na política macroeconômica. Os investimentos em inovação são sempre cercados de riscos e, em função disso, cabe ao Estado criar um ambiente econômico propício. “Se as políticas de juros e de câmbio não contribuem, é evidente que a iniciativa privada não se sentirá motivada a investir em empreendimentos inovadores.”
Além do mais, completa, é necessário fazer crescer os investimentos públicos. “São necessários mais fundos de capital de risco e os programas de subvenção econômica (onde você subvenciona a inovação nas empresas)”, sugere. “O atual programa de ajuste fiscal não pode significar corte de verbas para a C&T e descontinuidade de programas”, critica.
Nos últimos anos, o Brasil elaborou e implementou um amplo leque de políticas de apoio à inovação: a) A Lei de Inovação;b) A Lei do Bem;c) A nova Lei de Informática;d) A Lei de Biodiversidade; e) As políticas de compras governamentais e de conteúdo local, f) Entre outras.
Diversos entraves impossibilitam uma desenvoltura maior do país em áreas como: a) O registro de patentes (vem crescendo no Brasil, mas o país ainda ocupa posições baixas em diversos rankings de patentes); b) A relação entre centros de conhecimento e instituições produtivas; c) O avanço tecnológico em áreas estratégicas, que impactam profundamente a modernização do parque produtivo brasileiro.
Palácio acredita que a legislação é muitas vezes inadequada às exigências de agilidade e flexibilidade que marcam a pesquisa científica e tecnológica no século XXI. Nessa direção, é necessário discutir e formar sólidos consensos em torno da urgência de iniciativas como a aprovação do Código Nacional de Ciência e Tecnologia – em debate no Congresso Nacional – e o aprimoramento da legislação de acesso à biodiversidade, entre outras ações voltadas à desburocratização das atividades de pesquisa.
O pesquisador conclui fazendo algumas proposições. Na sua visão, oi Brasil enfrenta hoje o desafio da retomada do crescimento econômico. É preciso impulsionar o país rumo a patamares mais elevados de desenvolvimento. “Para isso, é necessário alavancar os investimentos em ciência, tecnologia e inovação, integrando ainda mais essas áreas às políticas de educação, infraestrutura, comércio exterior, energia, saúde, agricultura e defesa nacional, entre outras”.
As diretrizes que se revelarem frutíferas nessa área precisam se tornar políticas de Estado, defende ele. Políticas que não sejam apenas de um governo, mas que atravessem sucessivos governos, criando sólidas raízes nas instituições, nas entidades, na sociedade. “Só assim será possível fazer frente à crise econômica mundial: aproveitando devidamente nossas potencialidades construindo uma capacitação técnico-científica adequada”.