Crimes no Araguaia: a trupe que defende a obra de Hugo Studart
Não há assunto tão velho que não possa ser dito algo de novo sobre ele, segundo Dostoiévski. Até há pouco tempo era natural supor que não havia mais nada a dizer sobre o conflito do Sul do estado do Pará, a Guerrilha do Araguaia. Ninguém, fora os suspeitos de sempre, poderia contestar os fatos que motivaram aquele confronto. Mas o lançamento do livro “Borboletas e lobisomens”, obra com a finalidade de promover uma espécie de nova “operação limpeza” dos crimes praticados pelo regime de 1964, fez as ruínas dos porões da ditadura se levantarem para promover mais uma onda de ataques à Guerrilha e ao seu organizador, o Partido Comunista do Brasil (PCdoB).
No séquito de adoradores da obra de Sutdart, que não se dão ao trabalho sequer de argumentar a favor das teses do livro, estão figuras conhecidas das versões modernas dos porões da ditadura militar, como José Roberto Guzzo (revista Veja), Luiz Mir (historiador e escritor), Olavo Carvalho (guru de setores da direita) e Lício Maciel (tenente-coronel da reserva do Exército, um dos facínoras que atuaram no Araguaia). Nenhum deles considerou os dados e fatos que publiquei no “Portal Grabois” (veja aqui: Guerrilha do Araguaia: borboletas, lobisomens e inverdades) para desmentir o livro, uma atitude que pode ser interpretada como ação orquestrada para evitar publicidade ao meu artigo.
Nas poucas vezes em que meu nome foi mencionado, como nas respostas fraudulentas de Hugo Studart no seu Facebook e no texto de Lício Maciel em seu blog, eles se utilizaram de subterfúgios para fugir da essência da questão — as demonstrações de que as versões do livro não se sustentam. Studart, sem nenhum pudor, joga na conta do PCdoB o que é comprovadamente de minha autoria (o artigo está assinado, não como representante do PCdoB, mas como jornalista, pesquisador e escritor). Com isso, ele tenta se valorizar e se postar à altura de contestar algo (a Guerrilha) que foi resultado de décadas de estudos, de debates e de elaboração.
Historiador oficial
Outro recurso também desprovido de ética é a distorção dos meus argumentos, como o encadeamento de adjetivos fora de contexto (incluindo alguns do seu séquito, espertamente atribuídos a mim). Basta ver o que escrevi e comparar com o que ele disse que escrevi. Reproduzo o seu trecho:
“O Partido Comunista do Brasil, PC do B, publicou neste sábado uma resenha crítica sobre meu livro “Borboletas e Lobisomens — Vidas, sonhos e mortes dos guerrilheiros do Araguaia”, na qual classifica este historiador e/ou a obra com adjetivos como: grosseiro, rarefeito, torpe, vulgar, infâmia, desídia, estultície, vitupêndio, sandice, devaneio, falácia, calúnia, empulhação, desleixo, inverdade, tergiversação, versão falaciosa, narração folhetinesca, reprodução quixotesca, maldoso e inconsequente.”
Studart afirmou — e repetiu — que o meu artigo “trata-se da posição oficial do partido sobre o livro”. Para justificar a falácia, ele recorreu a um argumento rarefeito. “São 17 páginas (em Word, fonte 12) assinadas pelo historiador oficial do partido, Osvaldo Bertolino, nas quais não são contestadas uma única linha sequer sobre o objeto da obra, qual seja, as ‘vidas, sonhos e mortes dos guerrilheiros do Araguaia’”, escreveu.
Ao me rotular como “historiador oficial” do PCdoB ele faz uma provocação aberta. Além do mais, não é preciso aferir mais do que um parágrafo do meu artigo, que pode ser escolhido aleatoriamente, para se constatar flagrantes inverdades. Mas ele reforça a invectiva: “Estranhamente, a crítica não se refere uma única fez ao objeto, mas se atém, somente e tão-somente, a buscar rebater as breves análises que faço sobre a participação da Direção do partido no episódio.” De novo: qualquer parágrafo do meu artigo contradiz o seu diagnóstico.
Em outra resposta, Studart inventa uma tese digna das muitas que fantasiam o seu livro. “Os atuais dirigentes escarafuncham cada linha da minha obra, 660 páginas, repito, em busca de eventuais erros. Denunciam ‘erros primários’ com extrema ênfase, como o fato de eu ter escrito que o comandante Maurício Grabois era baiano. Em verdade, em verdade, esclarece o PC do B, era paulista, apesar de sua certidão de nascimento informar que nasceu em Salvador, Bahia, explica a crítica. Minha gratidão por informação tão relevante para o curso da História”, escreveu.
Linguajar rarefeito
Eu, de fato, “escarafunchei” o livro para produzir o artigo que ele, de forma maledicente, atribui aos “atuais dirigentes” do PCdoB. Não há, no meu texto, como pode ser facilmente constatado, nenhuma “denúncia”, muito menos com “extrema ênfase”, de que a sua barbeiragem sobre o registro de nascimento de Maurício Grabois tem a importância que ele atribui. O erro é primário, inaceitável, mas não tão grave quanto tantos outros mostrados no meu artigo. É um ardil, subterfúgio para se apegar a um fato de menos importância e não citar outros. Isso se chama manobra diversionista.
Esse linguajar rarefeito permeia suas duas respostas — além de outras provocações de menor intensidade —, como na descrição do que seria “a posição oficial” do PCdoB “sobre meu livro Borboletas e Lobisomens”. Diz ele que o PCdoB “abre o ensaio citando o ‘grande alarido na mídia’ que a obra tem provocado”. “Meus agradecimentos”, ironiza.
E emenda: “Para, a seguir, tecer um rosário de queixas às minhas análises críticas ao partido e a seus dirigentes por terem abandonado um punhado de jovens universitários à própria morte, sem armas, sem munição, sem dinheiro, sem comida, sem comunicações, sem rotas de fuga. Nenhum desmentido de ordem historiográfica sobre as 660 pág a obra, observe-se. Mas somente e tão-somente queixas contra minhas interpretações, ou pequenas correções irrelevantes. Usam uma série de adjetivos para me esculhambar, alguns baixaria. São 17 páginas (em Word) de texto.” Lamentável!
Os mesmos de 1964
Lício Maciel reproduz a mentira de segunda mão de Studart no livro, me chamando de “comunista fanático” (ele publica meu artigo e, como fez Studart no seu Facebook, não cita a fonte e nem reproduz os links dos textos que cito), se valendo do “jornalismo” de falácias de Lucas Figueiredo no caso da matéria sobre o “diário” de Maurício Grabois na revista CartaCapital. Pela importância do caso, reproduzo o trecho do meu artigo no “Portal Grabois”:
“Outro exemplo de vergonhosa falta de rigor com a fonte se dá quando Studart avalia a biografia “Maurício Grabois: uma vida de combates”, do jornalista e pesquisador Osvaldo Bertolino (veja aqui Maurício Grabois e os combates na Guerrilha Araguaia). Ele simplesmente reproduz mentiras deslavadas do jornalista Lucas Figueiredo na revista CartaCapital (veja aqui Diário de Maurício Grabois: resposta de Lucas Figueiredo tem pernas curtas), sem sequer citar a fonte (página 80). Erra, por omissão ou desídia, duas vezes com uma só cajadada. De acordo com a infâmia de Studart, o “funcionário da Fundação Maurício Grabois” Osvaldo Bertolino (a tentativa de desqualificar a polêmica é de Lucas Figueiredo, não citada pelo autor) “pode ter deixado seu coração ser levado ao extremo oposto do fígado de seu xará Osvaldo Peralva” (páginas 80 e 81).”
A verdade é que para essa gente sempre foi fácil produzir qualquer coisa e vender de qualquer jeito para qualquer um. Inventam, distorcem e saem por aí desfilando cinismo. A predominância dessas versões fantasiosas sobre os combates entre a Guerrilha do Araguaia e os militares golpistas, portanto, não chega à profundidade dos fatos — que deve ser buscada na nossa formação histórica. São os mesmos que agora estão do outro lado da luta pela democracia e que em 1964 organizaram o golpe que levou os facínoras do regime à região do Araguaia.