Uma nova narrativa reacionária e misógina sobre a Guerrilha do Araguaia
Na sua última obra Borboletas e Lobisomens, dentro dessa mesma lógica perversa e antidemocrática, Studart escreve: “os comandantes militares e os dirigentes partidários (das organizações armadas de esquerda) devem ser igualmente responsabilizados perante a história pela imolação daquele punhado de homens e de mulheres que sonhavam um sonho quando as esperanças eram grandes” (o grifo é nosso). Eis, na sua forma mais pura, a tese revisionista dos “dois demônios”. O autor vai mais longe ao afirmar que os dirigentes comunistas tinham uma “mentalidade doentia”. A tentativa reacionária de relacionar a militância radical de esquerda com doenças mentais é muito antiga e remonta à Revolução Francesa.
Sintomaticamente, o livro nunca se refere ao regime instaurado em 1964 como uma ditadura militar. Em certo momento, chega mesmo a afirmar: “após o Ato Institucional número 5 – iniciou o que a Ciência Política define, academicamente, por ‘regime autocrático’”. De fato, nos anos de chumbo, alguns sociólogos foram obrigados a usar termos menos contundentes ao se referirem ao regime imperante. Isso apenas prova que vivíamos sob uma ditadura.
Referindo-se aos últimos guerrilheiros do Araguaia, afirma: “Os ‘terroristas’ já haviam matado alguns camponeses e outros poderiam ser mortos. E daí? Fato visível é que (…) já não representavam perigo algum para o Estado constituído (…). O certo, o ético, o responsável, o legal, era buscar prender o maior número possível de jovens rebelados e julgá-los pelos eventuais crimes que tivessem cometido, como os justiçamentos de camponeses, ou pelas tais ‘atividades subversivas’ – como já havia ocorrido com os prisioneiros de 1972”. O ideal – “o certo e o ético” – seria uma ditadura light, que só prendesse, torturasse (suavemente) e nunca matasse.
O seu conceito de tortura é bastante limitado. Vejam o que ele disse sobre o tratamento dado aos camponeses presos ilegalmente: “Os apoios levaram surras chamadas de ‘tacas’ – mas não tortura, algo muito mais grave”. Espancamento não seria uma forma de tortura? Talvez pensasse ser um método normal (certo, ético, responsável e legal) de se tratar prisioneiros políticos numa ditadura light. O autor acaba encobrindo ou minimizando os chamados tratamentos mais graves infringidos largamente contra os camponeses, como choques elétricos e afogamentos.
Recentemente descobriu-se algo novo, que nos ajuda a entender o autor. Segundo Laura Capriglione, “Hugo Studart, cujo nome completo é Carlos Hugo Studart Correa, é filho de Jonas Alves Correa, que vive atualmente no Pará, e que, na época do massacre da Guerrilha do Araguaia, era tenente-aviador, ocupando um alto posto no comando do CISA, o serviço de informações da Aeronáutica, a quem cabia capturar guerrilheiros e transformá-los em ‘informantes’ da Ditadura, como condição de sua própria sobrevivência”. Joana Monteleone e Haroldo Ceravolo, num texto publicado no Opera Mundi, dizem que seu pai era companheiro de notórios elementos da linha dura militar, como o brigadeiro João Paulo Burnier.
Erros e mais erros
A primeira – e mais importante – condição para quem escreve uma tese é dominar o seu objeto de estudo. No caso em pauta: conhecer a história da Guerrilha do Araguaia e do seu organizador, o PCdoB. Logo de cara, ficamos chocados com o grau de desconhecimento do autor sobre o Partido colocado no centro dos seus ataques.
Vejam como se refere à criação do Partido Comunista do Brasil (PCB): “o Partido Comunista, fundado em 1922 por integrantes do movimento tenentista (…), nasceu de uma costela das Forças Armadas”. Algo assombroso para um historiador. Se tivesse consultado qualquer livro didático saberia que o PCB tem sua origem na crise do movimento anarquista. A quase totalidade dos seus fundadores veio dessa corrente operária. Portanto, o seu surgimento não teve nenhuma relação com o tenentismo.
O livro traz erros primários sobre o marxismo e as revoluções do século 20, mas não iremos tratá-los aqui. Quanto à crise que levou à cisão dos comunistas brasileiros – ocorrida entre 1958 e 1962 –, afirma: “No início de 1958, o PCB ratifica a linha política pacífica (…). A proposta de Gramsci era a sua linha oficial, mas apenas a linha plataforma, posto que nos bastidores Prestes jamais desistira da tomada do poder pelas armas, via ‘socialismo por decreto’”. Uma descrição sui generis da política pecebista no final dos anos 1950 até o golpe militar de 1964.
O pensamento de Antônio Gramsci nunca deu suporte teórico-político à linha oficial do PCB, muito menos em 1958. Possivelmente, nenhum dirigente tenha tido acesso aos Cadernos do Cárcere. As obras do comunista italiano têm entrada no Brasil a partir década de 1960 – especialmente após o golpe militar – e são completamente estranhas ao núcleo dirigente daquele partido. O reformismo predominante no PCB vinha diretamente das resoluções do XX Congresso do PCUS (1956). Qualquer pessoa minimamente informada saberia disso.
Para ele, a Conferência Nacional de 1962, que reorganizou o PCdoB, teria aprovado dois documentos: o Manifesto-Programa e o Estatuto. Na verdade não foi aprovado nenhum estatuto, pois se decidiu manter o anterior. Mais grave: ele chega a citar trechos de um estatuto imaginário. Diz que o Manifesto-Programa estabelece Stálin como “o quarto clássico do marxismo”. Um problema: o líder soviético não é citado naquele documento. Se é capaz de distorcer documentos públicos, o que não faria com textos e depoimentos aos quais somente ele teve acesso?
Continuemos na trilha do nosso desinformado autor. Elza Monnerat teria sido a única mulher a ser “agraciada com adestramento militar na China”. Contudo, ela não compôs nenhuma das três turmas deslocadas para cursos naquele país. A base do erro é uma informação imprecisa fornecida pelos órgãos de segurança da ditadura. Para eles todos que estiveram na China teriam feito curso de guerrilhas. Uma verdadeira psicose da repressão.
Graves e hilários são os enganos cometidos em relação à história da Ação Popular (AP). Afirma-se que a Ação Popular Marxista-Leninista (nome assumido após a adesão ao maoísmo) ingressou no PCdoB em 1971 – “um ano antes dos combates” no Araguaia. Todos os estudiosos sobre o assunto sabem que a AP-ML ingressou após o início do conflito armado no sul do Pará e os assassinatos dos membros da Comissão de Organização do PCdoB. Esses acontecimentos levaram a direção da AP-ML a precipitar sua integração ao Partido. O processo concluiu-se em maio de 1973 com a aprovação do documento Incorporemos ao PCdoB.
Estranhamente ele dá a informação parcialmente correta páginas à frente – mostrando como a redação do livro foi desatenciosa, para se dizer o mínimo. Corrige de um lado e deturpa de outro. Sigamos o autor na sua dissertação sobre a AP-ML. Refere-se a ela como “dissidência armada da AP”. Na verdade a AP se transformaria, por decisão da maioria, em AP-ML. Ou seja, a AP-ML não era uma dissidência. Continua derrapando feio na história da esquerda brasileira.
Para ele, em 1972, o PCdoB teria um pouco mais de trezentos militantes e a APML do B (sic) contava com menos de cem. A fusão teria “significado um crescimento imediato de 30% nos quadros” do PCdoB. Na verdade, aquele partido tinha bem mais de trezentos militantes. A AP-ML, por sua vez, era a segunda maior organização marxista do país com alguns milhares de membros – perdia apenas para o PCB. O seu ingresso no PCdoB representou bem mais que um aumento de 30% nos seus efetivos.
A correlação de forças entre as organizações de esquerda mudou significativamente entre 1968 e 1972. ALN, VPR, PCBR, ALA Vermelha, entre outros aderentes à guerrilha urbana, haviam sido destroçados pelos órgãos policial-militares do regime. Em 1972, apenas o PCB, a AP e o PCdoB – ainda não envolvido na luta armada – mantinham-se relativamente incólumes. A repressão mais dura contra o PCdoB nas cidades se daria justamente na segunda metade de 1972 e no início de 1973.
Em outra passagem, escreve: “Com a morte de Pomar, Amazonas então emergiu como o único e todo-poderoso dirigente do Partido – tendo Elza como número dois da Executiva”. Incrível que ele tenha dito isso! Quando Pomar morreu, em dezembro de 1976, Elza foi presa e ficou encarcerada até a Anistia em 1979. Naquele período o núcleo da direção nacional funcionou no exterior. Os seus membros mais importantes eram: Amazonas, Diógenes Arruda, Dynéas Aguiar e Renato Rabelo. Mesmo depois de libertada, Elza não compôs o secretariado nacional do Partido.
Naturalmente, as informações biográficas de João Amazonas e demais dirigentes comunistas não poderiam ser honestas. Amazonas teria entrado no PCB “através da facção que pregava a luta armada imediata, a Aliança Nacional Libertadora”. Novo e vergonhoso deslize histórico. A ANL não era uma facção armada do PCB, mas uma organização de massas antifascista da qual participavam muitos civis e militares não comunistas. Ela tentou realizar um levante armado após o seu fechamento pelo governo Vargas em 1935.
Continuando no seu caminho tortuoso, afirma ter João Amazonas caído nas graças de Luiz Carlos Prestes e, por isso, subido de “maneira meteórica na hierarquia partidária”. Os bons livros sobre a história do PCB constatam que Amazonas “ascendeu” à alta hierarquia, como membro da Comissão Executiva Nacional na Conferência da Mantiqueira, realizada em 1943. Entre 1936 e 1945,Prestes estava preso e não sabia da existência do jovem Amazonas.
Sarcasticamente, diz que o líder do PCdoB era casado com uma católica beata. Na verdade, asua companheira desde 1945 era a artista plástica comunista (e ateia) Edíria Carneiro. Também comete erros grosseiros quanto às biografias de Grabois e Pomar, sempre no sentido de desqualificá-los. Seria preciso gastar várias páginas para tentar elencar todas as aberrações ditas por Studart sobre a história da esquerda brasileira e de seus líderes. Aqui não teríamos espaço para isso.
O PCdoB e o Araguaia
Studart afirma que a direção do PCdoB havia começado abrir a sua própria história em 1996, “quando João Amazonas, o dirigente máximo do partido, compareceu à Comissão dos Direitos Humanos da Câmara dos Deputados para prestar depoimento sobre o Araguaia. Ou seja, há exatos 22 anos após o fim do episódio, o PCdoB daria início a sua própria abertura. Uma abertura lenta, gradual e segura”, parodiando Geisel. Mais à frente, negando o afirmado anteriormente, escreve: “A partir de 1980, o PCdoB começou a buscar reconstituir os acontecimentos e editar publicações sobre o Araguaia”. A confusão, ao longo do livro, se transformou num verdadeiro método deexposição.
Vamos aos fatos. O PCdoB, através de sua imprensa clandestina, publicou artigos e documentos durante o período da Guerrilha (1972-1974). Em 1974 o PCdoB editou a revista Araguaia, na qual podiam ser lidos os principais documentos da e sobre a Guerrilha. Nas condições possíveis– nos marcos de uma ditadura sanguinária–, os comunistas procuravam contar ao mundo sua história. Em 1976, por exemplo, A Classe Operária publicou Gloriosa jornada de lutas.
Logo após a consolidação da abertura política, especialmente com a decretação da Anistia, publicaram-se entrevistas e livros tratando daquela epopeia na selva amazônica. A principal referência comunista sobre o tema foi a revista Guerrilha do Araguaia, lançada em 1982 e logo apreendida pela Polícia Federal. Uma obra seminal com diversas edições. Nela se encontram dois dos mais importantes documentos sobre a Guerrilha: Relatório sobre a luta do Araguaia e Um grande acontecimento na vida do país e do Partido, escritos por Ângelo Arroyo, subcomandante da Guerrilha assassinado em dezembro de 1976. Nela há uma entrevista com João Amazonas.
Estranhamente, Studart também não nomeia o documento Estudo crítico acerca da violência revolucionária, aprovado no 6º Congresso do PCdoB em janeiro de 1983. Nele estão expressasas posições oficiais (congressuais) do Partido sobre a Guerrilha do Araguaia. Como, numa tese acadêmica, é possível desconsiderar um texto dessa natureza? Podemos discordar do seu conteúdo, mas não ignorá-lo. Somente às custas dessas graves omissões é possível afirmar que teria sido apenas em 1996 que os comunistas começaram a revelar a sua história.
É desleal ao afirmar: “até a presente data, o PCdoB não abriu os seus arquivos”, insinuando que o Partido teria algo a esconder, comparando-o às Forças Armadas. Ele sabe muito bem que o grosso dos arquivos partidários caiu nas mãos dos órgãos de repressão quando do Massacre da Comissão Nacional de Organização (1972-1973) e da Chacina da Lapa (1976). Os documentos do Partido, inclusive os relativos ao debate sobre o Araguaia, foram apreendidos e nunca devolvidos. Novamente tenta se levantar suspeitas e jogar a culpa sobre a vítima do arbítrio.
Contraditoriamente fala de uma “brochura” de 1982– na verdade a primeira edição da revista Araguaia que ele pensa ter sido editada apenas em 1996. Contudo, naquela brochura o PCdoB não teria divulgado a relação completa dos militantes enviados para morrer no Araguaia. A totalidade dos nomes apenas teria sido reveladaquando da publicação dos resultados dos trabalhos do Projeto Brasil Nunca Mais (BNM), em 1985. Só então “a maior parte dos familiares ficou sabendo que seus entes haviam desaparecido no Araguaia”. Outra informação imprecisa.
Studart, como sempre, busca dar a impressão de que algo estaria sendo escondido pelos comunistas, sem apresentar uma razão lógica para isso ocorrer. Não apresenta, por exemplo, quais militantes desaparecidos não seriam citados na “brochura de 1982” e apareceriam no relatório do BNM. A maior deficiência da primeira lista era quanto aos camponeses mortos, pois estas informações foram sendo colhidas posteriormente.
Justiçamentos: o rosto da fera
Utilizando-se dos justiçamentos, pretende demonstrar que a ação dos guerrilheiros foi igual à praticada pelos seus algozes. Os dois lados teriam se envolvido numa “guerra suja”, sem regras. Não existiriam culpados ou inocentes. Tese equivocada e não comprovada. Os fatos demonstram claramente a superioridade moral dos combatentes e das combatentes comunistas em relação aos seus repressores. Esta, inclusive, é uma posição consolidada pelo Estado brasileiro. Algo inaceitável aos defensores – abertos ou encobertos – da ditadura militar.
A narrativa de Studart sobre os justiçamentos começa com uma comovente descrição do cruel assassinato de uma cadelinha de estimação chamada Coroa. Crime decidido pelo insensível comandante Maurício Grabois, temerosode que ela pudesse guiar as tropas até os guerrilheiros na mata. “Coroa foi sacrificada a facadas. Os filhotes foram abandonados à própria sorte. Sucumbiram”, diz o nosso autor. A execução, com requintes de crueldade, coube ao guerrilheiro Zezinho. Conclusão do autor: “A execução da cadelinha Coroa seria o primeiro sinal exterior de que estava em curso uma transmutação na alma dos guerrilheiros”. Eles estariam “deixando aflorar seus instintos primitivos e se transformando em bestas-feras”.
A história, contudo, não é muito convincente. Os guerrilheiros tiveram que tirar no sorteio quem realizaria aqueladesagradável e necessária missão. “Foi um drama escolher quem iria sacrificá-la”, concluiu o infeliz sorteado. Inacreditável: selvagens guerrilheiros com drama de consciência para sacrificar um animal que poderia levar o Exército até eles. Para dar mais força à sua exposição, o livro é ilustrado com a foto de um simpático vira-lata, que não era da cadela sacrificada. Um velho truque para criar empatia pelo animalzinho“assassinado”pelos guerrilheiros. Era preciso dar um rosto às vítimas do terror vermelho.
O Tribunal Revolucionário, criado logo após o início da Guerrilha, representaria “a principal representação dos valores extremistas implementados pelos Guerrilheiros do Araguaia”, segundo o nosso autor. O Tribunal e seus justiçamentos haviam implantado um “verdadeiro regime de terror” na região. Tais afirmações – presentes nos relatos militares – não se coadunam com o conjunto dos fatos e dados apresentados. Basta saber lê-los.
No livro anterior, Studart diz que o primeiro (ser humano) morto pela guerrilha tinha sido um garoto de 17 anos e a golpe de facão (como a cadelinha), seguindo as afirmações do coronel Lício Maciel, repressor da guerrilha. Agora a idade do rapaz subiu para 22 anos, passou à maioridade. E não havia morrido a golpes de facão e sim por tiro. Esse justiçamento não era um segredo de Estado e, inclusive, está presente no Relatório Arroyo. João Pereira teria sido executado, pois havia mudado de lado e passado a servir de guia às tropas do Exército, transformando sua casa em ponto de apoio às ações repressivas. O fato de conhecer bem a mata e o modus operandidos guerrilheiros selou o seu destino. Isso ocorreu em agosto de 1972, mais de cinco meses após o início dos conflitos.
O outro justiçado foi Pedro Mineiro, o qual o livro teima em chamar de camponês. Veja a descrição dele feita por Ângelo Arroyo: “O chefe dos jagunços era um bandido famoso, Pedro Mineiro, homem de confiança do capitão (Olinto) (…). Na casa só se encontravam dois pistoleiros: o Pedro Mineiro e um piauiense jovem. (…) Logo pediram clemência. Presos e amarrados, eles foram submetidos a um cerrado interrogatório. O piauiense era elemento novo no bando do capitão Olinto, mas Pedro Mineiro era o chefe dos pistoleiros e tinha nas costas a responsabilidade de vários crimes de morte perpetrados contra peões e camponeses. Submetido a julgamento pelo Tribunal Revolucionário, foi condenado à morte e imediatamente fuzilado”. O outro jagunço foi solto, por ter sido considerado menos perigoso.
O terceiro –e último –justiçado foi outro mateiro (ou bate-pau) chamado Osmar. Era amigo do guerrilheiro Osvaldão e também havia mudado de lado, passando a contribuir com as forças de repressão na perseguição dos guerrilheiros. No imaginário de Studart, “Osvaldão teria amarrado o camponês em um toco de árvore e convocado mulheres do seu grupo para a execução. Queria testar a coragem e a determinação revolucionária feminina”. Naquela etapa da guerrilha, sabia-se bem do que eram capazes as guerrilheiras do Araguaia, muitas haviam sido mortas em combate. Osmar morreu em julho de 1973.
Durante os mais de dois anos de conflito sangrento – no qual tombaram cerca de seis dezenas de guerrilheiros –, o Tribunal Revolucionário havia executado três pessoas: um líder de jagunços, com vários crimes nas costas, e dois bate-paus. Um número irrisório, especialmente se comparado com o de vítimas da repressão ditatorial nos anos de chumbo. É nítido que o terror em massa não foi imposto pela Guerrilha e sim pelas Forças Armadas. Dezenas de depoimentos de camponeses dados à Comissão de Anistia do Ministério da Justiça comprovam isso. Mas estes não têm valor para o autor. Para ele só vale a palavra dos militares, envolvidos na repressão à Guerrilha, e dos camponeses a eles ligados. Estranha forma de imparcialidade acadêmica.
Os guerrilheiros estavam mais preparados para morrer do que para matar. Arroyo no seu famoso Relatório constatou ser “uma deficiência de certa importância o não justiçamento de determinados inimigos”. Como poderemos ver em passagens dos seus próprios escritos, nem mesmo Grabois e Arroyo defendiam excesso de violência contra os “inimigos do povo”.
Um dia o Destacamento A saiu para justiçar um mateiro, mas desistiu e deixou-o vivo. Sobre isso escreveu Arroyo: “Depois de tomar a sua casa de assalto, prendeu-o e interrogou-o. Ele deu uma série de explicações e, de joelho, pediu perdão. Disse que foi iludido e não mais serviria aos soldados (…). O bate-pau a ser justiçado não causara danos importantes às FFGG. Não é dos mais raivosos. Por isso a solução política dada ao caso tenha sido a melhor”.
Outro que deveria ter sido executado, mas acabou sendo perdoado, foi o fazendeiro Nemer Cury. Ele era acusado de oprimir o povo e colaborar com a repressão; faltas graves. Leiamos esse trecho do Diário de Grabois: “Dois grupos do Destacamento D, ao todo doze, tomaram a casa de assalto. Nemer (…) estava bastante aterrorizado (…). O fazendeiro se defendeu, negando parte da acusação, e lançou toda a culpa no Exército (…). O comandante do D foi magnânimo em relação ao acusado. Advertiu-o para que não incidisse em outros crimes. As contas estavam ajustadas”. E conclui: “Vamos ver como se comportará de agora em diante”. O bate-pau e o latifundiário tiveram o direito de se defender, foram perdoados e soltos – atitudes aprovadas por seus comandantes. Chance não dada aos guerrilheiros presos na terceira campanha.
Também é famoso o caso da rendição dos soldados num Posto Policial na Transamazônica. Os guerrilheiros simplesmente os colocaram para correr de cuecaconclamando-os a abandonar aquela vida. Ninguém foi fisicamente molestado. Alguns trotes universitários eram mais violentos. Essas não me parecem atitudes de pessoas sanguinárias, bestas-feras, como buscam apresentá-las Studart e seus amigos militares.
Deixei por último o “misterioso” caso da morte de Rosalindo Cruz Souza, o Mundico. Ângelo Arroyo constatou no seu relatório que, em setembro de 1972, Mundico teria morrido devido a um acidente com a sua própria arma. Grabois, por sua vez informa no seu Diário: “no dia 16 (de setembro), (Mundico) apareceu morto, talvez vitimado por acidente com o seu revólver. Seu corpo foi encontrado na mata, próximo da casa de um camponês. Enterrado perto do local onde morrera, recebeu o adeus e as homenagens de seus companheiros. Na ocasião, falou a comissária Dina. Mundico revelou-se sempre bom guerrilheiro e comunista dedicado (…). Seu desaparecimento é uma grande perda para as FFGG (Forças Guerrilheiras do Araguaia), e, em particular, para o Destacamento C”.
Studart, desconsiderando essas duas fontes, adere auma estapafúrdia tese criada pelos militares e“confirmada” por alguns antigos bate-paus. Mundico teria sido condenado e executado simplesmente por “ter desobedecido à orientação do partido de não namorar guerrilheiras casadas. Mundico estaria vivendo um caso amoroso com Áurea Eliza Pereira, mulher do também guerrilheiro Arildo Valadão”. Num primeiro momento, o autor diz que um caso banal de adultério teria levado a uma condenação à morte num Tribunal Revolucionário. E avalente guerrilheira Dina (Dinalva Oliveira Teixeira),com a qual havia se desentendido, teria prontamente executado a sentença. Pelo regulamento da Guerrilha, adultério não era caso de condenação e muito menos à morte.
Vendo não estar colando a história, Studart e suas testemunhas avançam em direção a outra tese não menos esdrúxula. Mundico havia dito à boca pequena pretender desertar. Assim, mudando a versão inicial, agora o guerrilheiro “fora condenado não mais por manter um caso amoroso com Áurea, mas por querer desertar, revoltado pelo fato de Dina escalar até cinco companheiros para dormir com Áurea”. Pasmem, é isso que alguém que se diz historiador escreve numa tese de doutorado e não é repreendido. Mais à frente veremos o tratamento abjeto dadoàs mulheres.
Não existe pena de morte por se cogitar em deixar a Guerrilha. Muitos devem ter vivido o mesmo dilema. Cogitar não é desertar, por óbvio. Se Mundico foi executado, com o aval dos guerrilheiros do seu destacamento, porque Arroyo e Grabois não comentaram nada sobre isso? Qual razão teria o comandante da Guerrilha para tecer elogios fúnebres a um guerrilheiro desertor? O próprio Studart afirma que Grabois era duro na avaliação dos combatentes. Na verdade, a execução de Mundico nunca aconteceu. É mais uma invenção dos órgãos de segurança, incorporada acriticamente.
Osvaldão é um dos alvos da língua ferina de Studart. Este “descobriu” que o guerrilheiro vivia maritalmente com uma viúva, “cujo nome perdeu-se no tempo”. A desconhecida era simplesmente dona de “um dos maiores castanhais do sul do Pará, chamado Castanhal da Viúva”. Certo dia, “flagra sua viúva com outro homem. (…) Quando a viúva chega de volta no castanhal, todos os seus pertences estão na rua. É então comunicada que a propriedade havia sido expropriada por Osvaldão, em nome da revolução”.
O temido comandante negro é apresentado como um reles malandro, dando o golpe do baú numa viúva rica e, ao mesmo tempo, um ladrão de terras não muito diferente dos demais grileiros da região. Uma das regras de ouro da guerra popular era a proibição de tocar na propriedade ou praticar violências contra os camponeses, especialmente mulheres. As penas para tais crimes eram pesadas. Não seria Osvaldão a descumprir os regulamentos da Guerrilha. Outra pergunta embaraçosa: como um guerrilheiro perseguido pela polícia poderia apropriar-se de terras das quais nunca poderia usufruir? A quem interessaria desmoralizá-lo? Não precisa ser nenhum gênio para responder a essas questões.
As mulheres do Araguaia como objetos sexuais voluntários
As partes mais infames são aquelas nas quais se refere às mulheres. Volta longe no passado visando a desqualificá-las. Escreve Studart: “Lembro que quatro décadas antes, no apogeu do stalinismo, o Partido Comunista da União Soviética escalou uma jovem agente do Exército Vermelho, a alemã Olga Benário, para ‘servir’ de cobertura para viagem ao recém-recrutado, o brasileiro Luiz Carlos Prestes (…). Os dois deveriam dissimular um casal em lua de mel. (…) O problema é que Olga era recém-casada com um jovem militante do Partido Comunista da Alemanha. Ambos eram judeus, namorados de adolescência e com relações familiares profundas (…). Poderiam ter escolhido qualquer outra jovem solteira para a missão. Mas, escolheram justamente uma jovem recém-casada para dormir na mesma cama de outro homem, sem que o tal centralismodemocrático em voga concedesse à jovem militante o direito de refugar. Era apenas um ‘objeto’ da revolução”. Somente um desqualificado poderia pensar que uma revolucionária como Olga se sujeitasse a ser um “objeto” (sexual) a serviço da revolução e de Prestes.
O caso Olga serve apenas como pano de fundo para a conclusão de que no Araguaia as mulheres foram transformadas em objetos sexuais e, ironicamente, com seu consentimento e apoio. Uma das mais antigas calúnias forjadas pelos reacionários contra os comunistas era a deque estes pretendiam socializar as mulheres, como se elas fossem meios de produção. Studart busca dar uma nova roupagem auma velhacalúnia. Sigamos sua exposição.
“No destacamento A (…) houve ressignificação do entendimento sobre os deveres revolucionários. Lá, a substituição do amor livre pelo sexo como necessidade fisiológica teria começado a acontecer no segundo semestre de 1972, com a chegada dos militares”. Um camponês entrevistado teria dito: “Sônia e Cristina (Lúcia Maria de Souza e Jana Moroni Barroso) não tinham marido certo. Então dormiam uma noite com um, outra com outro (…). Disseram-me que cada mulher poderia ter até cinco homens, que esse era um plano de Zé Carlos (André Grabois, comandante do Destacamento e Maurício Grabois)”.
Em outra passagem coloca na boca de Dina a frase “cada mulher serve a cinco homens se ela quiser”. O termo “servir” é emblemático. Continua ele: o que existia na Guerrilha, “era a sujeição da mulher, a ‘obrigação’ da ‘fêmea-revolucionária’ de saciar os instintos do ‘revolucionário-macho’. A mulher objeto a servir ao homem, enfim, reproduzindo e perpetuando as relações assimétricas de gênero”. E conclui: “o mesmo centralismodemocrático preconizado por Stalin estabeleceu que, no Araguaia, cada mulher deveria ‘servir’ a cinco homens”.
Um camponês quando adolescente teria ouvido Fátima (Helenira Rezende) e Tuca (Luiza Augusta Garlippe) “rindo muito, trocando comentários sobre quem eram os homens mais ‘gostosos’ do Destacamento A, de acordo com suas respectivas experiências sexuais vividas. O que tá ouvindo aí, garoto safado? Teria ralhado Fátima”. Cena típica das pornochanchadas da época. Em nota de rodapé escreve que Tuca e Fátima não eram do mesmo destacamento e o camponês poderia ter confundido as personagens. Confundido as personagens, mas não o fato. Ele – usando-se novamente de um camponês – se refere à Helenira como uma “mulata paulista, de corpo estonteante”. Nosso autor tem uma verdadeira fixação por sexo. Num certo momento, enumera as guerrilheiras virgens ao chegarem ao Araguaia.
A cena mais insólita e deplorável do livro é o chamado beijo da morte. O livro dá crédito à versão de que a guerrilheira Áurea, pouco antes de ter sido executada friamente, teria se enamorado do seu algoz e aceitou alegremente –e agradecida –um beijo oferecido por ele. O militar pergunta-lhe: “você quer me dar um beijo?”. Ela responde: “Você faria isso por mim?”. Segundo o relato, ele teria dado “um abraço apertado, longo” e lhe beijado a boca. O depoimento vai mais longe: “quando é o último beijo de uma mulher, ela se entrega inteira”. Em seguida, o soldado pegou a arma e deu-lhe um tiro na cabeça. A descrição de Studart é romantizada e nitidamente busca minimizar a culpa do criminoso, que sinceramente chora. Um ato consentido de amor juvenil. Numa entrevista, a ex-guerrilheira Crimeia de Almeida, corretamente, entende o fato narrado como a descrição de um estupro. E é justamente o que foi: um estupro seguido de feminicídio.
Buscando “incriminar” uma das guerrilheiras sobreviventes, e crítica da atuação dos militares, o autor, de maneira irresponsável, coloca Crimeia na situação de colaboradora dos órgãos de repressão. Afirma que, em meados de 1973, depois de ter saído da prisão, ela teria voltado à região a serviço do Centro de Informação do Exército (CIE). Naquela viagem dormira todos os dias com um dos agentes da repressão, do qual havia se enamorado. As revolucionárias – de Olga, passando pelas guerrilheiras Dina e Áurea até chegar a Crimeia – teriam a compulsão doentia de se colocarem a “serviço” do macho-revolucionário ou do macho-carrasco.
Crimeia teria levado a repressão à casa de alguns camponeses ligados à Guerrilha. Dias depois, quando os militares retornaram ao Araguaia na Terceira Campanha, foram direto àquele local denunciado por Crimeia. “Lá uma equipe chefiada pelo major Lício Augusto Maciel encontrou e matou quatro guerrilheiros, entre eles, André Grabois, justamente o pai do filho de Crimeia. Pode ter sido mera coincidência”. E conclui: “nesse caso, pode-se questionar se ela poderia ser incluída entre as ‘vítimas da história’ (…) ou entre os algozes”. Assim, ela teria conscientemente ajudado a montar uma armadilha visando a matar o seu companheiro. Nada mais inverossímil.
O ficcionista confunde datas e nomes. Na verdade, Crimeia viajou antes de ter sido presa e foi a serviço da Comissão Nacional de Organização do PCdoB, comandada por Carlos Danielli. O fato teria ocorrido na segunda metade de 1972 e não em 1973. A viagem é narrada pelo jornalista Osvaldo Bertolino na biografia de Danielli e confirmada por João Amazonas.
Sabemos o quanto a família Telles é odiada pelos ex-agentes dos órgãos de repressão devido à sua luta para que os torturadores do antigo regime sejam julgados e punidos exemplarmente. Neste caso, mais uma vez, o autor presta um favor aos seus informantes e ao próprio pai.
O mito da fuga dos dirigentes
Os alvos privilegiados – seguindo também os interesses escusos dos militares – são Ângelo Arroyo e João Amazonas. As razões parecem claras: desmoralizar as lideranças sobreviventes da Guerrilha. Para isso procuraram forjar e vender a versão da direção desertora.
O primeiro a desertarteria sido Amazonas. Na verdade, ele fora escalado para participar da reunião do Comitê Central, realizada no final de março de 1972. Ali apresentaria o documento 50 anos de lutas, escrito por ele e Grabois. Estava ainda em São Paulo quando o Exército descobriu a existência da Guerrilha e invadiu a região.
Elza foi a primeira a tentar voltar ao Araguaia. João seguiria pouco depois. No caminho ela descobriu que a área da Guerrilha estava cercada militarmente. Prisões começavam a ser realizadas. Então, ela retornou pelo mesmo caminho e tentou alertar Amazonas. Encontraram-se na rodoviária de Anápolis e voltaram a São Paulo procurando avisar o Comitê Central. Um procedimento de segurança padrão. Contudo, Studart suspeita disso: “esse encontro de Anápolis pode intrincar observadores laicos, dado o tamanho da coincidência”. O encontro de Amazonas e Elza não foi tão casual assim. A passagem por aquele lugar era obrigatória e Elza sabia disso. Impedir o principal dirigente de ser preso étarefa de qualquer organização revolucionária.
Devolvemos a palavra ao nosso autor: “Em praticamente todos os documentos militares sobre o Araguaia João Amazonas é tratado como ‘desertor’. Pode até ser uma óbvia tentativa de desqualificá-lo. Mas não há outro qualificativo para explicar sua atitude”. Novamente prefere dar razão aos órgãos de repressão da ditadura e não levar em consideração o Diário escrito pelo principal comandante da Guerrilha do Araguaia.
Grabois tinha uma avaliação muito diferente sobre o camarada Cid (nome de guerra de Amazonas na região). São inúmeras referências elogiosas a ele naquele documento. Ao não ter notícias da Guerrilha através das rádios, Grabois chega a temer pela vida do velho amigo. No dia 7 de maio escreveu: “Isso nos faz pensar sobre a sorte de Cid (Amazonas). Aconteceu alguma coisa com ele? Não acreditamos que tenha sido preso. É suficientemente vivo e esperto para deixar que o apanhem (…). É indispensável romper a barreira da censura ditatorial”. Quando, dias depois, a Rádio Tirana fura o cerco e começa a dar as primeiras notícias sobre a Guerrilhado Araguaia, escreve satisfeito: “Isso nos faz crer que Cid conseguiu se safar, colheu informações e pode transmiti-las aos amigos da Albânia. Para nós o Cid em liberdade é um alívio”. Esse parece o tratamento que um comandante daria a um desertor?
Quanto a Ângelo Arroyo, ele teria simplesmente desertado depois da queda da Comissão Militar e a morte de Maurício Grabois, ocorridas no natal de 1973. Afirma, inclusive, seressa a opinião dos guerrilheiros sobreviventes. Para provar isso cria uma cena novelesca na qual Osvaldão chora aos urros, como um lobo, ao saber da traição do seu dirigente. A única prova material contra Arroyo seria uma suposta carta encontrada no aparelho do Comitê Central quando da Chacina da Lapa, em dezembro de 1976. Segundo o Exército, na carta datada de maio de 1974 e destinada ao próprio Arroyo, Dina teria se referido a ele como um desertor.
É claro que existe algo de muito estranho também nessa história. Como uma das últimas guerrilheiras sobreviventes,isolada no meio do Araguaia, sob pesado cerco policial-militar, conseguiu escrever uma carta, datá-la e assiná-la? E, pior, como pôde remetê-la ao “aparelho” do Comitê Central que nem imaginava onde ficava? A valente guerrilheira caiu presa poucos dias depois, em junho. Estava magra, faminta, desnutrida, com o corpo coberto por pústula de leishmaniose, pois ficara quase um ano sem comer sal ou açúcar. Onde ela teria conseguido papel, caneta, envelope e uma caixa de correios? É claro tratar-se de uma montagem realizada pelos aparelhos repressivos da ditadura, como outras tantas, visando a desacreditar a direção guerrilheira. Esses mesmos homens colocaram armas nas mãos dos cadáveres da Lapa para dizer que teriam resistido à bala e, por isso, foram mortos.
O livro afirma que os jovens guerrilheiros teriam sido enganados pelos seus dirigentes. Foram ao campo sem saber o que fariam. Diz ele: “os dirigentes do partido não chegaram a informar àqueles jovens que estavam indo para uma guerra de guerrilhas”. Tobias Pereira, por exemplo, pensava estar indo prestar “assistência médica às populações carentes do interior. Sonhou que iria até mesmo tomar conta de um hospital”. Assim teriam confundido o Partido Comunista do Brasil com uma instituição assistencial. Confundiram Mao Tse-Tung com São Francisco de Assis. Esseé um desrespeito à inteligência daqueles jovens combatentes. Eles sabiam bem o que faziam. Estavam mobilizados para a Guerra Popular contra a ditadura militar.
Outra página deplorável do livro é sobre a existência de mortos-vivos. Para Studart nem todos os guerrilheiros desaparecidos teriam sido assassinados. Alguns negociaram acordos de “delação premiada” e entraram numa espécie de “Programa de proteção a testemunha” da ditadura, inspirado naquele “criado pelo FBI”, recebendo novas documentações e identidades falsas.
Os sobreviventes da 3ª Campanha nada ou muito pouco poderiam delatar. A Guerrilha havia sido praticamente dizimada. É muito estranho que, passados mais de 40 anos, nenhum deles tenha sido encontrado ou resolvido aparecer. Eles não foram encontrados –ou se apresentaram –porque certamente estão mortos e enterrados em algum lugar no interior do país. Esta, na verdade, foi outra maneira encontrada por Studart para minimizar os crimes cometidos pela ditadura, jogando uma nuvem de fumaça e criando dúvidas sobre os desaparecidos políticos.
É triste saber que esse livro teve por base uma tese de Doutorado, defendida e aprovada numa prestigiada universidade brasileira várias vezes vítima do arbítrio da ditadura militar e na qual militou o ex-presidente da UNE e desaparecido político Honestino Guimarães.
* Augusto Buonicore é historiador, mestre em Ciência Política pela Unicamp e diretor de publicações da Fundação Maurício Grabois. E autor dos livros Marxismo, história e a revolução brasileira: Encontros e desencontros; Meu Verbo é Lutar: a vida e o pensamento de João Amazonas; e Linhas Vermelhas: marxismo e os dilemas da revolução, publicados pela Fundação Maurício Grabois e Editora Anita Garibaldi.