Desde 2015, a política econômica brasileira tem sido guiada por uma premissa equivocada: a retomada do crescimento econômico depende do ajuste nas contas públicas. Cumpre lembrar que o corte indiscriminado nas despesas, que visava ao reequilíbrio das contas governamentais, foi uma obsessão tanto de Joaquim Levy, Ministro da Fazenda escolhido por Dilma Rousseff, bem como de Henrique Meirelles, já no mandato de Michel Temer, a partir de meados de 2016.

Entretanto, nem mesmo o comprometimento de ambos os lados do espectro político com o ajuste fiscal foi suficiente para a resolução do problema. A política de austeridade veio acompanhada de um crescimento acelerado do endividamento público, consequência da retração da atividade econômica e da queda na geração de receita pública. Um sinal de que o cerne do problema não residia na disputa político-partidária, mas, sim, numa compreensão e num diagnóstico equivocado sobre o funcionamento de uma economia capitalista.

 

 

Dados do Banco Central sobre o endividamento público mostram o insucesso do plano perseguido. Em janeiro de 2015, a dívida bruta do governo geral atingia 57,2% do PIB. Contudo, em agosto de 2018, após anos de “medidas amargas”, a dívida saltou para 77,3% do PIB.

Sobre a evolução da dívida líquida: se, em janeiro de 2015, a dívida líquida total atingia 32,5% do PIB, em agosto de 2018 esse número cresceu para 51,2%. De acordo com a evolução da dívida líquida e bruta do governo, o ajuste falhou em cumprir seu objetivo.

Símbolo emblemático da austeridade fiscal implementada durante esse tempo foi a Emenda Constitucional 95, que congelou os gastos públicos por 20 anos. O teto de gastos, bandeira defendida por Henrique Meirelles, já sofreu críticas dos assessores econômicos de Álvaro dias, Marina Silva, Ciro Gomes, Haddad e de Boulos. Todos os que acompanham a discussão de perto já sabem o resultado: o teto de gastos subiu no telhado.

Meirelles, todavia, mantém o discurso de que o teto de gastos é fundamental para o crescimento. Talvez o Ministro se refira ao crescimento da riqueza do andar de cima. Nos círculos da oposição, Meirelles era conhecido como o candidato do um por cento: 1% de carisma, 1% de bondade, 1% de habilidades de comunicação e 1% de intenções de voto. Cabo Daciolo, aliás, gastou R$ 700 para conquistar o mesmo patamar de intenções de voto que Meirelles, sendo que este último desembolsou mais de R$ 45 milhões em sua campanha.

Mark Blyth explica por que a austeridade fiscal é uma ideia perigosa. A austeridade, uma forma de ajuste da economia via redução de salários, preços e despesa pública, é defendida por seus adeptos como uma política econômica capaz de recuperar a “confiança empresarial”. Portanto, os defensores da austeridade creem que a diminuição do investimento estatal será, eventualmente, compensada pelo crescimento do investimento privado, este último motivado pela melhoria da “confiança empresarial”. As políticas de austeridade podem até fazer sentido, intuitivamente: afinal, não seria possível diminuir a dúvida pública à custa de mais despesa, ou seja, “não se pode sanar a dívida com mais dívida”. Blyth explica, todavia, que há um pequeno problema com esse raciocínio: ele está completamente equivocado.[i]

Em primeiro lugar, vale mencionar o “paradoxo da poupança”. Num cenário de crise, em que tanto o setor público e o setor privado procuram poupar e reduzir seus gastos, o resultado é uma diminuição do consumo e dos investimentos. Se todos os agentes da economia pouparem ao mesmo tempo, não haverá espaço para o crescimento da renda e do emprego. Pode-se, à vista disso, concluir: os cortes na despesa pública, se realizados de maneira indiscriminada, irão acentuar a retração da atividade econômica. Se todos formos austeros ao mesmo tempo, de onde virá a retomada dos investimentos?[ii]

Num contexto de austeridade generalizada, em que o setor público e o setor privado estão em um processo de quitação de dívidas e diminuição das despesas, a única saída para crescer são as exportações. Sem estímulos internos que fomentem a demanda agregada, restaria confiar nas exportações como uma fonte autônoma capaz de impulsionar o consumo e, num segundo momento, os investimentos. Para que essa estratégia se realize, porém, é preciso combinar com os russos. Há pouquíssimos casos de países que obtiveram sucesso em estimular o crescimento econômico durante a fase de implementação do ajuste fiscal. [iii]

Por fim, é preciso lembrar que os cortes na despesa pública promovem efeitos diferentes conforme a classe social do indivíduo considerado. Indivíduos de baixa renda, que dependem mais dos serviços públicos, são afetados de maneira mais intensa pela redução nos investimentos, ao contrário dos endinheirados, que podem arcar com serviços privados. Por conseguinte, o ônus do ajuste costuma ser repartido de maneira desigual entre os cidadãos. Logo, a sustentabilidade do ajuste, numa democracia, estará comprometida em longo prazo. Caso contrário, restará às elites comprometer a própria democracia, ainda que de maneiras sutis, para garantir a execução do ajuste. [iv]

Blyth é preciso: a austeridade é uma ideia perigosa por três razões básicas: ela não funciona, ela depende de os pobres arcarem com o custo dos ajustes e, por fim, ela repousa numa compreensão equivocada de como a economia realmente funciona. Ainda há tempo para repensar o seu voto.

Tomás Rigoletto Pernías é doutorando em Desenvolvimento Econômico pelo Instituto de Economia da Unicamp

Notas

[i] BLYTH, M. Austeridade: a história de uma ideia perigosa. São Paulo/SP. Ed: autonomia literária. 2017

[ii] Ver BLYTH, M. Austeridade: a história de uma ideia perigosa. São Paulo/SP. Ed: autonomia literária. 2017

[iii] Ver BLYTH, M. Austeridade: a história de uma ideia perigosa. São Paulo/SP. Ed: autonomia literária. 2017

[iv] Ver BLYTH, M. Austeridade: a história de uma ideia perigosa. São Paulo/SP. Ed: autonomia literária. 2017

Crédito da foto da página inicial: Tomaz Silva/Agência Brasil