Para o historiador Alexandre Coello de La Rosa, é claro o propósito que leva os jesuítas a se lançarem pelo mundo: a expansão da fé católica. Entretanto, a experiência que passam a vivenciar vai também transformar esse objetivo. Com isso, não vão só atuar como propagadores da fé cristã, mas da ideia de um ecumenismo cristão. “Ao mesmo tempo, sua presença permitiu-lhes que também se tornassem agentes políticos, econômicos e territoriais em um ‘mundo pacífico’ de grande diversidade e dispersão territorial”, acrescenta. Para o pesquisador, essa é uma experiência do que chamamos hoje de globalização, trazendo novos mundos para as lógicas europeias. “O projeto missionário da Companhia de Jesus na Ásia-Pacífico só pode ser entendido se for situado no âmbito das fronteiras globais do mundo hispânico. Dinâmicas de evangelização em que as fronteiras não sejam consideradas regiões ‘periféricas’, ou seja, passivas e subordinadas, mas como agentes ativos na transformação de culturas”, analisa.

Na entrevista, concedida por e-mail à IHU On-Line, Coello vai analisar as movimentações da Companhia de Jesus não só na América, mas também pelo Oriente, ao longo dos séculos. Para ele, esse processo configura uma experiência de relação inter-religiosa, mas cheia de resistências e conflitos. “O diálogo inter-religioso foi muito difícil, especialmente no Japão”, pontua. Ainda assim, destaca que esse processo revela que “a chamada globalização, proposta como um fenômeno do último terço do século XX, impulsionado por fatores tecnológicos, econômicos e culturais, começa muito antes e não é necessariamente um produto dos ‘ocidentais’”.

Coello ainda propõe, a partir dessa ideia de movimentação de povos, uma reflexão acerca da chamada crise migratória que vivemos atualmente. “Os povos sempre se mudaram para outros lugares distantes, e, portanto, a migração não deveria ser considerada como um ‘mal’”, analisa. “O problema de fundo não é a migração per se, mas o racismo e a discriminação de povos extracomunitários que vivem em condições infra-humanas, afligidos pela fome, perseguição e guerras”, aponta.

Alexandre Coello de La Rosa é doutor em História pela SUNY at Stony Brook, de Nova York, Estados Unidos, professor titular do Departamento de Humanidades da Universitat Pompeu Fabra – UPF, de Barcelona, Espanha. Também é coeditor da revista Illes i Imperis (Ilhas e Impérios, Departamento de Humanidades, UPF) e coordena o mestrado em Estudos da Ásia-Pacífico em um contexto global, também da UPF. Entre suas publicações mais recentes, destacamos History of the Marianas by Fathers Luis de Morales, SJ & Charles Le Gobien, SJ (Mangilao, Guam: Micronesian Area Research Center & University of Guam, 2016), Jesuits at the Margins: Missions and Missionaries in the Marianas (London & New York, Routledge, 2016) e Elogio a la antropologìa histórica: enfoques, métodos y aplicaciones al estudio del poder y el colonialismo (Zaragoza & UOC, 2016).

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Como defines a ideia de missão para os jesuítas? Quais são as principais questões quando há uso do trabalho em uma missão? 
Alexandre Coello de La Rosa – Acredito que a missão estava muito relacionada com a famosa frase “Totus mundus nostra habitat fit” (nosso lugar é o mundo), pronunciada pelo vigário apostólico da Companhia de Jesus, Jerônimo Nadal , na qual reconhecia sem equívocos o avanço inexorável do cristianismo como parte de um processo de expansão missionário pelas diferentes nações do planeta.

Estudos recentes analisaram a missão jesuítica como uma resposta aos desafios globais com os quais o cristianismo foi confrontado. Neste sentido, o termo “missão” tem sido entendido não apenas como uma jornada de jesuítas, sós ou em grupo, enviados pelo papa ou pelo padre geral da Ordem, para a América, África ou Ásia, mas como um empreendimento a serviço da propagação da fé que acarretou na dispersão de seus membros (peregrinatio) por todo o mundo.

IHU On-Line – A missão jesuítica pode ser vista como uma espécie de embaixada? Por quê? 
Alexandre Coello de La Rosa – Em alguns casos, os jesuítas chegaram às cortes de sociedades sofisticadas, como na China e no Japão, não apenas como missionários, mas como embaixadores de suas respectivas nações – Portugal, Espanha – com o objetivo de evangelizá-los “de cima”. Seguindo o modelo de Acosta , China e Japão eram sociedades tão sofisticadas quanto as europeias, exceto que não eram cristãs. Por essa razão, os jesuítas deviam acomodar-se, como diria Joan-Pau Rubiés , para não serem rejeitados. Em alguns casos, como Roberto de Nobilli , na Índia, ou Mateo Ricci , na China, os jesuítas adotaram as vestimentas locais para conseguir uma melhor adaptação.

IHU On-Line – Como você entende as resistências e associações que ocorrem no espaço de mediação cultural das missões?
Alexandre Coello de La Rosa – Não tenho certeza de que as missões sejam espaços de mediação cultural. Os jesuítas implantaram modelos de socialização forçada que tinham de ser aceitos pelos nativos. Não há dúvida de que houve resistência a esses modelos – familiares, políticos, religiosos –, mas a Companhia desenvolveu uma propaganda que muitas vezes apresentava as missões como lugares onde os nativos eram felizes. A Missão (1986), o famoso filme de Roland Joffé , representa os jesuítas como heróis na defesa dos nativos. A realidade, como sabemos, nem sempre foi tão idílica. Os jesuítas tiveram escravos em suas reduções, obtendo grandes benefícios de suas fazendas vinícolas e açucareiras. Nem sempre houve confronto entre os impérios espanhóis e portugueses, como representam Jeremy Irons e Robert de Niro, mas havia, sim, uma colaboração mútua bem ativa em prol do seu desenvolvimento. Isso não significa, evidentemente, que houvesse uma postura subserviente entre ambos, da mesma forma que tampouco os nativos estiveram dispostos a colaborar com os religiosos. Houve muitas divergências, nem sempre registradas nas fontes jesuítas.

IHU On-Line – Muitas vezes, as ações dos jesuítas são reduzidas ao espectro religioso. Por que, especialmente nas missões, essas ações podem ser interpretadas como um projeto geopolítico? E em que consistia esse projeto? 
Alexandre Coello de La Rosa – Os jesuítas foram os líderes do Concílio de Trento , que representou uma reforma católica sem precedentes que abarcou a Europa e os territórios ultramarinos. Esta expansão levou a Companhia à liderança do projeto missionário até que, no dia 22 de junho de 1622, o papa Gregório XV fundou a Sagrada Congregação para a Evangelização dos Povos – mais conhecida como Propaganda Fide –, centralizando a ação missionária a partir de Roma. No entanto, as missões jesuíticas localizavam-se em espaços periféricos, distantes dos centros populacionais, como as conhecidas reduções guaranis do Paraguai, ou as missões de Chiloé , em que um componente geoestratégico sempre esteve presente.

Em novembro de 1608, a Coroa Espanhola viu com bons olhos a chegada dos primeiros jesuítas ao Forte Carelmapu, localizado na costa norte do Canal de Chacao, na província de Chiloé. Em 1612 os padres Martin de Aranda , Horacio de Vecchi e o irmão coadjutor Diego de Montalbán foram martirizados em Arauco. Ao contrário dos Mapuche , o espírito pacífico dos Huilliche justifica o êxito da missão circular marítima, permitindo reforçar a presença espanhola no Chile meridional e evitar a interferência de potências estrangeiras na retaguarda do império. A região de Chiloé foi considerada, segundo Rodrigo Moreno Jeria , como a periferia mais pobre e isolada do reino do Chile. Apesar disso, em 1617, os superiores jesuítas garantiram a presença permanente de religiosos no arquipélago. Se desde a sua fundação, o governo chileno pertencia à província jesuíta do Paraguai-Tucumán, em 1625 tornou-se vice-Província dependente do Peru, devido às guerras da Araucanía. Depois de consolidar as atividades pastorais na Ilha Grande, os jesuítas estenderam suas atividades ao arquipélago dos Payos ou Chonos e às Ilhas Guaitecas . No entanto, a prioridade não era descobrir novos assentamentos, mas consolidar os territórios já existentes, atuando como pontos de referência para as periferias imperiais.

Em 1643, quatro navios holandeses comandados por Hendrick Brouwer (1581-1643) desembarcaram em Carelmapu, sede do governador de Chiloé, e incendiaram a vila, matando o governador don Andrés Muñoz de Herrera e uma grande parte dos soldados. Seu objetivo era o de perseguir as possessões espanholas no sul e estabelecer uma colônia permanente no estratégico povoado de Valdivia, que serviria para futuras incursões nas costas do Pacífico. As perdas materiais foram altas, mas segundo Moreno Jeria, a atuação dos jesuítas em defesa da região reforçou seu prestígio, assim como a necessidade de manter sua presença nas fronteiras meridionais do império hispânico.

Pós-conquista

Em 1668, quando a fase de conquista havia terminado, a Companhia de Jesus decidiu fundar uma missão permanente nas ilhas Marianas. Seu fundador, o jesuíta Diego Luis de San Vitores (1627-1672) , veio para a ilha de Guahan (ou Guam), estabelecendo seu centro de operações no povoado de Hagåtña (ou San Ignacio de Agaña). Suas motivações foram sempre espirituais: as ilhas Marianas não tinham ouro nem prata, especiarias ou outras riquezas preciosas, mas, apesar disso, os jesuítas quiseram permanecer lá. O arquipélago constituía uma plataforma incomparável para alcançar outros objetivos (econômicos, espirituais) mais ambiciosos. E sobretudo, representou um território de grande valor estratégico para a rota do galeão Manila-Acapulco, uma linha regular do “Caminho das Filipinas”, que conectava desde 1593 o arquipélago filipino e o vice-reinado da Nova Espanha por meio de duas embarcações anuais de 300 toneladas, carregadas de mercadorias orientais, em troca de quantidades significativas de prata lavrada que permitiu assegurar o controle espanhol naquelas distantes terras.

O papel dos jesuítas

Os jesuítas atuaram com o propósito fundamental de propagar os valores do ecumenismo cristão, mas, ao mesmo tempo, sua presença permitiu-lhes que também se tornassem agentes políticos, econômicos e territoriais em um “mundo pacífico” de grande diversidade e dispersão territorial. Enquanto a historiografia tradicional analisou esses espaços aparentemente marginais, localizados na periferia do império hispânico, a partir de abordagens deterministas baseadas na dicotomia “centro” vs. “periferia”, que priorizavam demasiadamente os fatores geográficos (seu isolamento e marginalidade “periféricos”), econômicos (sua pobreza e escassez de recursos minerais) ou demográficos (sua escassa população), considero que o projeto missionário da Companhia de Jesus na Ásia-Pacífico só pode ser entendido se for situado no âmbito das fronteiras globais do mundo hispânico. Dinâmicas de evangelização em que as fronteiras não sejam consideradas regiões “periféricas”, ou seja, passivas e subordinadas, mas como agentes ativos na transformação de culturas.

IHU On-Line – Como podemos compreender a relação entre jesuítas e a Coroa, especialmente na América Espanhola?
Alexandre Coello de La Rosa – No Peru, o vice-rei dom Francisco Toledo (1568-1580) tentou converter os jesuítas em paroquianos, oferecendo-lhes as doutrinas de Huarochirí (1569) e Santiago del Cercado (1570). Mas a sua determinação em que aceitassem outras tantas doutrinas causou muitas dissensões no seio da ordem, cujos estatutos priorizavam outros meios para a evangelização dos nativos. A Companhia não era uma ordem monolítica a serviço da Coroa, mas o vice-rei Toledo pensava o contrário.

Finalmente, os jesuítas acabaram aceitando algumas paróquias em perpetuidade (o Cercado, em Lima, 1568, e Juli, 1576), aplicando os modelos reducionais em outros espaços mais distantes, tais como o Paraguai, e especialmente nas áreas de fronteira, como no norte do vice-reinado da Nova Espanha (Sinaloa), no Chile, assim como as Filipinas e as Ilhas Marianas. Nem sempre houve coincidência e dependência das particularidades geográficas, econômicas e políticas das regiões a serem evangelizadas.

IHU On-Line – Depois de Paulo de Tarso , Francisco Xavier é considerado o grande apóstolo do Oriente. Sua incursão pelo Oriente influencia a criação do conceito de missão jesuítica? Por quê? Como sua experiência é atualizada em outras missões?
Alexandre Coello de La Rosa – Claramente, a figura de Francisco Xavier é fundamental para o imaginário missionário, especialmente na Ásia. Os fundadores da Companhia de Jesus, Inácio de Loyola e Francisco Xavier, eram espanhóis. Mas o segundo foi especialmente reverenciado pelos jesuítas portugueses, especialmente em Goa , pelas incursões feitas em regiões de influência portuguesa – Índia, Japão.

Neste sentido, Francisco Xavier, que não foi martirizado, tornou-se o pai das missões, não apenas no Japão, mas também nas Filipinas, onde teve alguns imitadores, como o padre Francesco Mastrilli , missionário e mártir no Japão (1639), e Ilhas Marianas, onde seu fundador, o padre Diego Luis de San Vitores, morreu pelas mãos da violência Chamorro (1672).

IHU On-Line – O que a experiência dos jesuítas no Oriente revela sobre o diálogo inter-religioso?
Alexandre Coello de La Rosa – O diálogo inter-religioso foi muito difícil, especialmente no Japão. No dia 5 de fevereiro de 1597, em Nagasaki, morreram 26 cristãos, entre eles seis frades franciscanos descalços (o comissário Pedro Bautista e cinco irmãos de hábito), três jesuítas japoneses (Paulo Miki e seus dois catequistas, João Goto e Santiago Kisai), e 17 leigos nascidos no Japão. Dez anos antes, o imperador Toyotomi Hideyoshi havia banido o cristianismo, mas autorizou o franciscano frei Pedro Bautista e seus três companheiros a estabelecerem sua missão em Kyoto.

No entanto, foi a chegada forçada do galeão espanhol “San Felipe” à costa do Japão – onde ficou encalhado, carregado de soldados, armas, munições e mercadorias – o que desencadeou os acontecimentos. O imperador apreendeu o navio e aprisionou os religiosos, a quem decidiu executar. Ordenou que cortassem a orelha esquerda deles e, depois de fazê-los caminhar em pleno inverno, expostos aos insultos e humilhações do povo, ele os aprisionou. Mas seu destino foi muito mais sinistro. O taikó Hideyoshi decidiu crucificá-los por persistirem na pregação do evangelho, enquanto os fiéis se apressavam em tirar “algo das roupas dos santos”.

Posteriormente, em 1614, os imperadores japoneses continuaram as perseguições e muitos religiosos – especialmente franciscanos e jesuítas – foram exilados em Macau, Manila, e outros, executados, assim como seus assistentes. Em 1622, houve novas execuções, e em 1627, o papa procedeu à beatificação de três jesuítas (Paulo Miki, João Goto e Diego Kisai) que morreram martirizados em Nagasaki (Japão), em 1597. Em 1639, o Japão finalmente se fechou para os missionários hispânicos, embora tenham ocorrido novas chegadas e mártires até 1640, entre os quais o ilustre Francesco Mastrilli. Devido ao fechamento da fronteira japonesa, os jesuítas voltaram sua atenção para outros espaços missionários, como o sul das Filipinas e Marianas, onde conquista e evangelização voltaram a se conjugar em um espaço fronteiriço de grande interesse para a coroa espanhola.

IHU On-Line – Atualmente, uma ação de missionários em países orientais, como a China, o Japão, a Índia, pode ser vista como um caminho para uma conexão com o Ocidente?
Alexandre Coello de La Rosa – Cada um desses países tem diferentes particularidades históricas. As ilhas Filipinas – e as Marianas – que são as que conheço melhor, são territórios eminentemente católicos. Isto ocorre devido à contínua presença de ordens religiosas – a chamada “freilocracia” – onde não havia presença civil. Por essa razão, o catolicismo contemplou-se como uma ponte para estabelecer relações com a Europa.

Da mesma forma, o catolicismo também serviu para reforçar a identidade coletiva. Apenas para exemplificar. Em 2000, Pedro Calungsod , assistente filipino de Diego Luis de San Vitores, foi canonizado. Enquanto o jesuíta espanhol foi beatificado em 1985, sua canonização segue pendente. Assim, o papa João Paulo II decidiu priorizar a canonização de Calungsod para reforçar o catolicismo filipino e, portanto, o de toda a Ásia.

IHU On-Line – Como essas experiências da Companhia de Jesus dos séculos XVI ao XIX foram se transformando e constituindo a missão jesuítica de hoje?
Alexandre Coello de La Rosa – Após a expulsão dos jesuítas em 1767 (nas Filipinas, em 1769) e sua posterior dissolução, a Companhia de Jesus sobreviveu, ironicamente, em um país que não era católico: a Rússia branca, oferecendo proteção a seus religiosos, que trabalharam como professores e conselheiros culturais. Posteriormente, a Companhia foi restaurada e teve que se reinventar em um contexto iluminista de grande desconfiança e, por que não dizê-lo, desdém, para com o trabalho eclesiástico e missionário.

Na América, a Companhia continuou prestando serviços para colonizar o “Oriente”, como é o caso do Equador, onde o presidente Gabriel García Moreno (1861-1865; 1869-1875) recorreu aos jesuítas para construir seu “povo católico”. Em outros lugares mais distantes, como na Guiné e Fernão do Pó , os jesuítas também cuidaram das missões, ainda que com menor êxito. No entanto, foi em meados do século XIX, após seu retorno às Filipinas, quando os jesuítas regressaram às missões fronteiriças de Mindanau e Joló, que há tempos ambicionavam, tentando evangelizar novamente os nativos islâmicos.

Nesse sentido, eu diria que, após a expulsão, a Companhia sempre tentou justificar sua razão (missionária) de estar no mundo. Já no século XX, depois do Concílio Vaticano II , os jesuítas enviados para a América – especialmente aqueles que saíram da escola jesuíta de Sant Cugat de Vallès, em Barcelona – tinham o objetivo de lutar contra o comunismo. No final das contas, foram os jesuítas os que “se converteram” em homens de esquerda – alguns inclusive perderam suas vidas – em defesa dos mais pobres. Essa transformação espiritual – que também contou com ilustres mártires, como Luis “Lucho” Espinal , assassinado pela ditadura boliviana de Hugo Banzer – teve um profundo impacto sobre o catolicismo da Teologia da Libertação .

IHU On-Line – De que forma a experiência dos jesuítas no trabalho missionário pode nos inspirar a outras interpretações acerca da crise migratória, vista como um dos grandes males do nosso tempo?
Alexandre Coello de La Rosa – Diferentemente da época do trabalho de Sidney W. Mintz (1922-2015), Sweetness and Power: the Place of Sugar in Modern History (A doçura e o poder: o lugar do açúcar na História Moderna, Penguin, 1985, em tradução livre), a literatura das ciências sociais já estabeleceu aqui as vulgatas sobre a noção de globalização, e o texto de Enseng Ho, The Graves of Tarim: Genealogy and Mobility across the Indian Ocean (As sepulturas de Tarim: genealogia e mobilidade no Oceano Índico, Universidade da Califórnia, 2006, em tradução livre), é repleto de conceitos difundidos na academia como hibridação ou cosmopolitismo. Este tipo de trabalho mostra que a chamada globalização, proposta como um fenômeno do último terço do século XX, impulsionado por fatores tecnológicos, econômicos e culturais, começa muito antes e não é necessariamente um produto dos “ocidentais”, tal e como criticaria Jack Goody em seu O roubo da história (Contexto, 2008).

Neste sentido, os povos sempre se mudaram para outros lugares distantes, e, portanto, a migração não deveria ser considerada como um “mal”, mas como algo inerente ao ser humano. O problema de fundo não é a migração per se, mas o racismo e a discriminação de povos extracomunitários que vivem em condições infra-humanas, afligidos pela fome, perseguição e guerras. Em 2013, estreou Elysium, um filme metafórico de Neil Blomkamp que ilustra, no futuro, um mundo onde os ricos se deslocam para uma estação espacial – Elysium – onde vivem confortavelmente enquanto o resto da população vive em um planeta Terra devastado e superpovoado. Rhodes, uma espécie de ministra da antimigração, promove leis que garantem o luxuoso modo de vida dos habitantes da estação espacial.

Apesar disso, os habitantes da Terra tentam alcançar Elysium de todas as formas, onde as doenças são curadas, e a fome e a pobreza parecem não existir. Para os imigrantes latinos que tentam chegar aos Estados Unidos, aqueles que fogem da Síria ou os imigrantes extracomunitários de Magrebe e da África Central, a Europa é, sem dúvida, esse Elysium ao qual querem chegar. A igreja e, é claro, os jesuítas, deveriam refletir sobre seu compromisso com os mais pobres. Os seres humanos têm os mesmos direitos para alcançar os níveis mínimos de bem-estar, venham de onde vierem.

IHU On-Line – Como você vê as ações dos jesuítas no mundo hoje?
Alexandre Coello de La Rosa – Vejo que os jesuítas seguem muito ativos nas questões educacionais, gerenciando colégios e universidades em todo o mundo, mas também estão envolvidos em questões empresariais, seguindo o espírito do magis inaciano: cada pessoa deve dar o seu melhor. Isso implica em questões que, aparentemente, poderiam parecer contraditórias, porque dar “o melhor” de si mesmo pode ser, por um lado, combater a injustiça e a pobreza latino-americanas a ponto de pegar em armas – como aconteceu com alguns jesuítas na Bolívia –, e, por outro, trabalhar como consultor financeiro na Lehman Brothers Holdings Inc. , se necessário…

Existem também projetos missionários, como o Seminário Micronésio, da ilha de Pohnpei (Estados Federados da Micronésia), onde os primeiros jesuítas chegaram no século XVII. Lá, nas ilhas Marianas e Carolinas, trabalha o padre Francis X. Hezel, jesuíta e intelectual do mundo colonial espanhol, que prefaciou meu livro, Jesuits at the Margins: Missions and Missionaries in the Marianas (1668-1769) (Jesuítas nas Margens: Missões e Missionários nas Marianas (1668-1769), Routledge, 2016, em tradução livre).?

 | Tradução: Henrique Denis Lucas