[MEMÓRIAS…e outras coisas…] MÃE, O MILTON (NASCIMENTO) ESTÁ AQUI EM CASA!
(colaborador do Memórias…e outras coisas)
Corria o ano de 1967. Todas as tardes de domingo, jovens de todas as regiões de São Paulo, algumas de outras partes do país, andavam aos magotes por São Paulo, especialmente na Avenida Consolação, onde se localizava o Teatro Record, local do programa “Jovem Guarda”, transmitido pela TV Record, uma espécie de Rede Globo daquela época, para todo o Brasil. Naqueles tempos, surgiram muitos artistas de todos os rincões do Brasil, que viriam a ser os nossos ídolos; alguns brilham até hoje.
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Roberto Carlos, “o rei” da jovem guarda era uma unanimidade. Junto com o “Tremendão” Erasmo e a “Ternurinha” Vanderléia, tingiam nossas tardes de domingo de cores menos cinzentas, daqueles tempos de repressão e censura. Na esteira de Roberto Carlos apareceram Jorge Ben (sem Jor), naquele programa alcunhado de “O Bidu”, Martinha “queijinho de Minas”, Bob de Carlo, Marcos Roberto, Ed Wilson, George Friedman, Deni e Dino, Prini Lorez, Renato e seus “Blue Caps”, Meire Pavão, Ed Carlos, Ed Wilson, Cidinha Santos, Trio Esperança, Ronnie Vonn, Ronnie Cord, Waldirene, Leno e Líliam, Os Vips, The Jordans, The Fevers, Ary Sanches, Kátia Cilene, Wilson Miranda, José Ricardo, Brazilian Beatles, Djalma Lúcio, Arturzinho, Márcio Greik, Sérgio Murilo,Rosemary, Luis Carlos Clay, Marcos Roberto, Vanusa, Cláudio Fontana, Reynaldo Rayol, Os Vips, Dick Danelo, Sérgio Reis, The Jet Blacks, Nick Savóia, The Clevers (mais tarde mudaram o nome para “Os Incríveis”), Silvinha e Eduardo Araújo, etc. Em verdade a música que faziam não era música de protesto contra a ditadura, porém traziam nova luz para uma geração, desde há muito, carente de heróis. Ao que parece, esta onda de artistas e os movimentos deles aconteceram em todo o mundo, se adrede ou não, não importa.
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Com o advento da televisão, em 1954, passamos a ” ver ” nossos ídolos do rádio. Como as poucas emissoras de televisão não tinham como transmitir eventos fora do estúdio, pois na época não havia unidades móveis de transmissão, nem vídeo-tape, alguns “animadores” formavam caravanas de artistas e saíam à busca do povo na periferia das grandes cidades e em algumas cidades do interior. Assim, surgiram a “Caravana do Peru que Fala”, com o Sílvio Santos (hoje dono da rede de televisão SBT).
Na verdade a “Caravana do Peru que Fala” começou com o Sílvio Santos imitando uma equipe formada pelo Carlos Alberto de Nóbrega, Canarinho, Ronald Golias e o cantor de tangos, o brasileiro Roberto Luna, que faziam um show de duas horas em circos (às vezes três em uma só noite). Este elenco do filho de Manoel da Nóbrega, criador da “A Praça é Nossa”, era denominada CARU, sigla que brincava com as iniciais dos participantes que faziam “sketches” humorísticos e canções. No final dividiam entre si o dinheiro arrecadado. Quando o Sílvio Santos viu que aquilo rendia dinheiro, montou a sua “caravana”, porém com uma diferença: seus astros eram empregados com salário mensal; dessa forma ele dispendia muito muito pouco do que ganhava nos circos para pagar aos seus “artistas” e ficava com a parte do leão (a maior parte).
Os artistas de Carlos Alberto de Nóbrega eram: um argentino de nome JUAN, ventríloquo, com dois bonecos manipuláveis; a macaca CHITA, amestrada que andava de bicicleta e etc.; a Zilda Rumbeira e o mágico Sebastian. Após certo tempo, Sílvio Santos deixou de ir a circos e fazia seus shows na carroçaria de caminhões; agora com alguns cantores bem melhores e alguns até de relativo sucesso nas rádios, como Gessy Soares de Lima (“Encontrei o Amor”). Surgiu também à época, o programa “Alegria dos Bairros”, comandado por Geraldo Blota, um repórter de rádio esportivo, quase do mesmo estilo do Fausto Silva. Essas apresentações, feitas em clubes, teatros ou cinemas das cidades do estado de São Paulo, eram um sucesso estrondoso. O maior sucesso do “Alegria dos Bairros” era o rei do rock balada, o Carlos Gonzaga, que gravou o sucesso de Neil Sedaka, a música “Oh, Carol” e “Diana”, de Paul Anka. Em tal programa havia outros artistas de sucesso, como Reginaldo Rossi e Luiz Vieira, dentre outros.
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O pessoal que fazia o “Jovem Guarda” com Roberto Carlos, substituía, com um atraso de quinze anos, os ídolos Carlos Gonzaga, “o rei do rock balada”, além de outros artistas, tais como o Reginaldo Rossi, o Luis Vieira, Golden Boys, Morgana “a fada loura”, Líliam Loy, Vander Lee, Luiz Aguiar, Gessy Soares de Lima, Edith Veiga, Anastácia, Jerry Adriane, Vanderley Cardoso, Antonio Marcos, Demétrius, Giane, Quinteto Violado, Elza Soares, Márcia e etc. Muitos deles já substituíam alguns ainda mais antigos, como Ângela Maria, Cauby Peixoto, Tom Jobim, Nelson Gonçalves, Joel de Almeida, Germano Matias, Jorge Veiga, Carlos Galhardo, Jorge Goulart, Elza Laranjeira, Nora Ney, Elizete Cardoso, Ciro Monteiro “O Formigão”, Cartola, Sílvio Caldas, Luiz Barbosa, Dilermando Pinheiro, Anísio Silva, Trio de Ouro, Dalva de Oliveira, Ataulfo Alves, Manezinho Araújo, Luiz Gonzaga, Roberto Inglês, Roberto Luna, Mano Décio, Roberto Ribeiro ( que lançou uma cantora baiana que jogava basquete na seleção brasileira, chamada Simone), etc. Havia ainda a banda “Lira do Xopotó”,Orquestra Simonetti, Super Som TA, Pholhas, Ed Lincoln, Walter Wanderley, Mário Zan, Fred Williams, Altamiro Carrilho, Valdir Azevedo, Manoel da Conceição, Rosinha de Valença, Baden Powell, Dilermando Reis, Augusto Calheiros, Sílvio Caldas, Maysa, Orlando Silva, Agostinho dos Santos, Almirante, Luis Gonzaga, Chiquinha Gonzaga, Mário Reis, Gasolina, Chico Viola, João Dias, Gilberto Alves, Emilinha Borba, Marlene, Doris Monteiro, Orquestra de Pífanos de Caruaru, etc.
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Como se vê, no Brasil o que nunca faltou foi artista popular; da melhor qualidade!
Mas, como estava cronicando, em 1967 foi um exagero: Chico Buarque de Holanda, Caetano Velloso, Maria Bethânia, Beth Carvalho, Marília Medalha, Gal Costa, Novos Baianos, Antonio Carlos e Jocafi, Naná Caimy, Quarteto em Si, MPB4, Ivan Lins, Sérgio Ricardo, Jair Rodrigues, Elis Regina ( a maior segundo ACAS) e Milton Nascimento, é claro.
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Um novo “Festival da Canção Popular Record” foi realizado nesse ano; todos eles fizeram parte. As discussões sobre quais seriam as melhores músicas fervilhavam em São Paulo. A atitude mansa do povo paulista, de repente efervesceu com os acordes de Téo de Barros e a letra de Geraldo Vandré (nada mais revolucionário que uma música, diria eu) na voz de Jair Rodrigues, meu velho conhecido das peladas de futebol no campinho do Paulistinha do Jardim D’Abril, em Osasco; ele, filho da dona Conceição e irmão do sargento Jairo, com quem eu convivia em meu tempo de caserna em Quitaúna, Jair cantava “Disparada”, enquanto “A Banda”, de Chico Buarque, acalentava outra parte, na voz da saudosa Nara Leão. “Maria Carnaval e Cinzas” mostrava um Roberto Carlos diferente, cantando samba, ao passo que o “O amor é meu país” mostrava Ivan Lins como nunca ninguém mais viu. No mesmo ano, as “Organizações Victor Costa”, cujo único programa que se poderia dizer razoável e que era comandado pela Hebe Camargo e uma morena de olhos verdes lindíssima, a Maximira Figueiredo (o programa chamava-se “O Mundo é das Mulheres”), foi comprado pela recém criada Rede Globo de Televisão. A Rede Globo promoveu o “Festival Internacional da Canção” e um artista conseguiu classificar três músicas entre as dez melhores. Ficou famosíssimo do dia para a noite. E quê linda voz tinha ( e tem) o “Bituca”!
………………………. e o tempo passou ……………….
Residência dos Ceneviva, bairro dos jardins, em São Paulo, ano 1967: segunda-feira, logo após o estrondoso sucesso de Milton no Rio de Janeiro, a Candoca, empregada vitalícia dos Ceneviva, com três décadas de serviço, dirige-se à patroa e pede licença para fazer “umas quitandas de minas” para servir seu afilhado de batismo, que morava em Minas e que veio, de passagem por São Paulo. A patroa, não só consentiu, como perguntou o quê a Candoca ia fazer para o afilhado; bolo de fubá, curau, pau-a-pique, chá de amendoim, bom-bocado…
-Fique à vontade, disse a patroa à Candoca; enquanto dava ordens para a criadagem segurando a chave do carro, ansiosa, pois iria sair para compras e uma passada no cabeleireiro.
Três da tarde: toca a campainha da casa. Como sempre a Candoca sai para ver quem é, enquanto as duas filhas da patroa ficam, de conluio, satirizando o “afilhado da Candoca”. E riam, baixinho, enquanto ouviam uma emissora de rádio que falava do estrondoso sucesso de Milton Nascimento no Festival Internacional da Canção. O locutor dizia a plenos pulmões, que nascia uma estrela de primeira grandeza na música popular brasileira. As filhas da patroa até discutiam sobre qual seria, dentre as três canções de Milton, a mais bonita, enquanto uma achava que era “Travessia”, a outra achava que era “Morro Velho”.
Entrementes, ouviram passos no corredor ao lado da casa: a Candoca estava levando seu afilhado para a cozinha, utilizando a porta dos fundos.
Passaram-se cerca de duas horas. O cheiro das quitandas mineiras da Candoca e a curiosidade das filhas da patroa, fez com quê uma delas fosse até a cozinha com a desculpa de “beber um copo d´água”. Lá, sentados em duas cadeiras, abraçados, estavam a Candoca e Milton Nascimento; ele ainda com farelos do bolo de fubá no canto da boca, sorriu aquele sorriso brejeiro e mineiro, que cativou a filha da patroa para toda a vida. Ela saiu correndo da cozinha chamando pela irmã mais nova. Novamente o Milton divertiu-se ao vê-las ansiosas e simpáticas, fazendo rodeios para se aproximarem dele.
A mais nova ligou par o salão de beleza onde estava a patroa e foi emendando:
– Mãe, volte pra casa; o Milton está aqui!
– -Quê Milton, filha?
– O Milton, mãe, o Nascimento!
– Que Nascimento, filha?
– Aquele do festival de música do Rio!
– Não me diga; é ele o afilhado da Candoca?
– Sim, mãe!
– Convida ele pra jantar. Vou avisar seu pai. Já estou indo.
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Nesta noite, a Candoca, orgulhosa, apresentou o afilhado de Minas para toda a sorridente e solícita família dos Ceneviva.
E comeram em comunhão de paz; Candoca na mesma mesa com os patrões, donde, por e a partir deste evento, passou a fazer todas as refeições, até o dia em que o Pai Eterno a chamou para junto de si.
Ao que parece, nasceu ali o mote da canção que anos mais tarde o Milton faria com o poeta Fernando Brandt, “Bailes da Vida”, onde ele dizia que o artista tem que ir até onde o povo está.
A família Ceneviva continua morando em São Paulo; quanto ao Milton, tornou-se nome reconhecido mundialmente, como todos nós sabemos e nos orgulhamos.
Antônio Carlos Affonso dos Santos – ACAS. É natural de Cravinhos-SP. É Físico, poeta e contista. Tem textos publicados em 8 livros, sendo 4 “solos e entre eles, o Pequeno Dicionário de Caipirês e o livro infantil “A Sementinha” além de quatro outros publicados em antologias junto a outros escritores.