O Partido Comunista, a cultura e os intelectuais nos anos 1940 e 1950
“nosso partido surge na vida de nossa Pátria como a expressão das forças mais jovens da liberdade e da cultura e para as quais se dirigem a ciência, a literatura e a arte de vanguarda, no constante combate que trava para o progresso e o aperfeiçoamento da civilização.”
(POMAR, Pedro. Partido Comunista e a liberdade de criação, 1946).
Prestes entrega carteirinha de filiado a Portinari, ao lado de Graciliano
O papel central desempenhado pelos comunistas na luta contra o nazifascismo atraiu a simpatia de parcelas significativas da intelectualidade brasileira. Ao final da Segunda Guerra Mundial, o prestígio da URSS e de Luiz Carlos Prestes, denominado Cavaleiro da Esperança, estava no seu auge. Na verdade, desde meados da década de 1930 artistas e intelectuais haviam começado a ingressar às fileiras do Partido Comunista do Brasil.
Mesmo durante a ditadura do Estado Novo (1937-1945), os comunistas mantiveram sob sua direção algumas publicações importantes que dedicavam espaço aos problemas da cultura nacional. A revista Seiva, lançada na Bahia em 1938, foi uma das primeiras criadas após o Golpe de Estado de Vargas. Fruto do esforço de jovens comunistas, como João Falcão, Rui Facó, Armênio Guedes, Diógenes Arruda Câmara e Jacob Gorender. Nela, por exemplo, foi publicada a Mensagem à inteligência da América, convocando “todos os intelectuais do continente para união e a confraternização em defesa da cultura e do progresso da humanidade” e, naturalmente, contra o fascismo. Naquele estado nordestino, existia a seção mais ativa do PC do Brasil, pois a repressão havia atingido duramente as hostes partidárias no Rio de Janeiro, São Paulo e Pernambuco.
A combativa revista baiana foi fechada em 1943, após a publicação de uma entrevista com o general antifascista Manoel Rabelo, presidente da Sociedade Amigos da América, na qual criticara o general Eurico Gaspar Dutra, ministro da Guerra. Acusava-o de preocupar-se mais com os comunistas do que com os nazi-fascistas, com os quais estávamos em guerra. Condenava o atraso no processo de constituição da Força Expedicionária Brasileira (FEB), visando a combater em solo europeu. Não podendo prender o prestigiado oficial, o governo colocou na cadeia os editores e jornalistas de Seiva: João Falcão, Wilson Falcão e Jacob Gorender.
A principal publicação sob direção comunista a circular no final do Estado Novo foi a revista Continental, dirigida por Armênio Guedes e na qual colaboravam Milton Caires de Brito, Rui Facó, Mário Alves, Maurício Grabois, Edison Carneiro, entre outros. Depois da Conferência da Mantiqueira (1943), que reorganizou o Partido Comunista do Brasil, ela passou a ser o porta-voz oficioso da nova direção, defendendo sua política de “União Nacional”, como condição necessária para se enfrentar, com sucesso, a guerra contra as potências do Eixo. Apesar de sua postura pró-Vargas, a revista acabou sendo fechada em 1944, na última grande investida repressiva do Estado Novo sobre os comunistas em ascensão.
A Associação Brasileira de Escritores (ABDE) foi constituída em 1942 por intelectuais progressistas. Em pouco tempo, os comunistas tornaram-se majoritários na direção daquela entidade. Eles também se envolveram na criação da União dos Trabalhadores Intelectuais (UTI), da qual participavam todas as categorias – assalariadas ou não – ligadas ao trabalho não manual: médicos, engenheiros, advogados, jornalistas, escritores, artistas etc. O objetivo era aumentar o envolvimento dos setores médios no processo de democratização.
Visando a divulgar suas ideias, o Partido Comunista construiu uma ampla rede de comunicação abarcando oito jornais diários nos principais estados brasileiros: Tribuna Popular (RJ), Hoje (SP), O Momento (BA), Folha do Povo (PE), O Democrata (CE), Tribuna Gaúcha (RS), O Estado de Goiás (GO), Folha Capixaba (ES). Para alimentar esses inúmeros órgãos de imprensa, criou-se uma agência de notícias própria: a Interpress. Esta também distribuía informações aos pequenos jornais do interior, não ligados aos comunistas. Um fenômeno inédito na história da esquerda brasileira. Algo que jamais se repetiria.
O seu principal jornal era, sem dúvida, a Tribuna Popular. Tinha uma tiragem diária de 30 mil exemplares chegando a atingir cerca de 50 mil em 1946. Igualava-se aos jornais mais vendidos no Rio de Janeiro naquele período. Ressurgiu também o tradicional periódico A Classe Operária, órgão oficial do Comitê Nacional do Partido Comunista do Brasil.
No cenário cultural brasileiro cumpririam um importante papel as revistas: Fundamentos, Paratodos, Horizonte e Literatura – esta última comandada por Astrojildo Pereira. Todas elas hegemonizadas por artistas e intelectuais comunistas. Existiam outras revistas de âmbito mais regional, como Artes Plásticas, Temário, Seara e Presença. Os militantes do PCB publicavam ainda Momento Feminino, Terra Livre (para o movimento camponês), Emancipação, Divulgação Marxista, Revista do Povo.
Na área de publicações de livros, os comunistas retomaram uma atividade intensa e sistemática. Leôncio Basbaum foi encarregado de organizar uma nova editora. Nasceria, assim, o Editorial Vitória que desempenharia importante papel nas décadas de 1940 e 1950, colaborando na constituição de uma cultura socialista entre nós. Logo nos primeiros anos, publicou Contos de Natal de Dickens; A mãe de Máximo Gorki; entre outros títulos significativos. Lançou a coleção Romances do Povo, coordenada pelo escritor Jorge Amado. Entre as obras brasileiras, o destaque coube ao livro A hora próxima de Alina Paim, vendendo rapidamente os 10 mil exemplares da primeira edição. No entanto, parte significativa das obras ali editadas era de autores soviéticos.
Cartaz de campanha de financiamento à imprensa comunista
Em 1947 a direção nacional do PCB colocou em circulação a revista teórica intitulada Problemas. Sua tiragem chegou a oito mil exemplares. Ela caracterizou-se pela pouca atenção dada ao Brasil e pelo excesso de artigos de autores estrangeiros, especialmente soviéticos e do Leste europeu. A publicação resistiu até meados da década de 1950.
Este, sem dúvida, foi o período de maior influência comunista entre os intelectuais brasileiros. Num primeiro momento, o PCB adotou uma política cultural ampla e não sectária. Vivíamos ainda sob a égide da palavra de ordem União Nacional. Em 1946, Pedro Pomar e Jorge Amado publicaram a brochura O Partido Comunista e a liberdade de criação, uma coletânea de artigos e de discursos. Amado escreveu: “O PC do Brasil pode se orgulhar de ter tido nos últimos 15 anos (…) o melhor apoio e incentivo dos escritores e artistas”. E continuou: “Nunca, jamais, o Partido deixou de jogar todo o peso de sua influência para apoiar, sem sectarismos partidários, a literatura e as artes modernas no Brasil (…). Jogamos na batalha pela sua vitória porque sabíamos que esta era uma batalha nossa, uma batalha também contra o fascismo”.
Pedro Pomar, por sua vez, afirmou: “nosso partido surge na vida de nossa Pátria como a expressão das forças mais jovens da liberdade e da cultura e para as quais se dirigem a ciência, a literatura e a arte de vanguarda, no constante combate que trava para o progresso e o aperfeiçoamento da civilização”. Este amor pela arte e a cultura modernas não se estendia às correntes abstratas e formalistas, combatidas duramente pelos comunistas. Dessa amplitude, é claro, estavam excluídos os intelectuais considerados trotskistas.
A Tribuna Popular trazia uma concorrida seção cultural semanal de três páginas nas quais escreviam Jorge Amado, Graciliano Ramos e Astrojildo Pereira. Nela também se publicavam autores não filiados, mas que, segundo os editores, “divergiam honestamente dos comunistas”. Entre estes se encontravam Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda, Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Vinícius de Moraes e Orígenes Lessa.
O nome de Carlos Drummond chegou a constar entre os seus primeiros diretores – função da qual se afastaria em seguida, por não concordar com a posição dos comunistas contrária à derrubada de Getúlio Vargas. Em seguida, defendeu a candidatura presidencial do brigadeiro Eduardo Gomes (UDN) e não a de Yedo Fiuza (PCB), considerada divisionista. Mas, para senador, votou em Luiz Carlos Prestes.
Monteiro Lobato também se aproximou do Partido Comunista. Enviou uma saudação a Prestes no comício apoteótico realizado no Anhangabaú, em 1945, e publicou um folheto simpático ao Cavaleiro da Esperança, intitulado Zé Brasil. Neste pouco tempo de legalidade, vários intelectuais foram candidatos pelo PCB; entre eles, Cândido Portinari, Jorge Amado, Graciliano Ramos, Caio Prado Jr. etc. Prestes chegou a convidar Carlos Drummond para compor a lista de candidatos comunistas. Ele recusou pelo motivo citado acima. A mesma coisa aconteceu com Monteiro Lobato, que não aceitou por razões de saúde.
Os artistas plásticos ilustravam jornais, revistas e outras publicações e colaboravam ativamente nas campanhas eleitorais. Passaram por essa experiência Di Cavalcanti, Carlos Scliar, Mário Gruber, Clóvis Graciano, Paulo Werneck e Edíria Carneiro etc. Organizaram clubes de gravuras por todo o país e montaram exposições de artistas vinculados ao Partido Comunista, como a ocorrida em 1945. Desta fizeram parte Portinari, Pancetti, Santa Rosa, Bonadei etc.
A revista Literatura, do primeiro semestre de 1947, foi dedicada ao centenário de Castro Alves. Publicou-se um manifesto da intelectualidade brasileira no qual se afirmava: “Sem dúvida, a melhor forma de comemorar o centenário de Castro Alves consiste em reafirmar a fé patriótica que emerge do conteúdo da sua obra patriótica e democrática que emerge do conteúdo de sua obra como programa permanente de pensamento e ação ao serviço do povo”. Este foi um dos documentos mais expressivos produzidos pela intelectualidade brasileira até então. Assinaram cerca de 300 pessoas, entre as quais Afonso Arinos de Mello Franco, Astrojildo Pereira, Caio Prado Jr., Carlos Drummond de Andrade, Graciliano Ramos, Manuel Bandeira, Otto Maria Carpeaux, Cândido Portinari, Hélio Peregrino, Sérgio Milliet, José Lins do Rego, Eneida, Prado Kelly. Foi o último suspiro da frente única cultural formada por comunistas, socialistas e liberais, surgida no final do Estado Novo.
Ruy Santos filma campanha do PCB
Os comunistas chegaram a ingressar no complexo mundo das artes cinematográficas e produziram diversos documentários de curta-metragem sobre as atividades do PC do Brasil. Ruy Santos criou uma empresa chamada Liberdade Filmes. Esta produziu Comício – São Paulo a Luiz Carlos Prestes e 24 anos de luta, dirigidos e fotografados pelo próprio Ruy Santos. O último deles tinha roteiro de Astrojido Pereira, era narrado por Amarílio Vasconcelos e musicado por Gustav Mahler. Dele constavam depoimentos do próprio Astrojildo, fundador do PCB, Jorge Amado e de outros comunistas históricos. Infelizmente a única cópia conhecida deste filme foi apreendida durante o governo Dutra e se encontra desaparecida até hoje.
Esta situação começou a ser alterada com o fechamento do Partido Comunista (1947), a cassação dos seus mandatos parlamentares (1948) e o acirramento da guerra fria nos anos que se seguiram. A política cultural do PCB se tornou mais estreita, acompanhando a linha do Manifesto de Agosto, de autoria de Prestes, publicado em 1950. O fortalecimento desse espírito sectário coincidiu com o predomínio das ideias de Jdanov na URSS, que buscavam estabelecer um modelo artístico rígido e único: o realismo socialista. Tivemos, então, o afastamento de inúmeros intelectuais e artistas do campo de influência comunista. Isso ocorreu com Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Érico Veríssimo, Otto Maria Carpeaux, Álvaro Lins, entre outros.
Um dos marcos desse dramático processo de cisão ocorreu durante a reunião que elegeria a nova direção da Associação Brasileira de Escritores (ABE), realizada em março de 1949. Surgiram, pela primeira vez, duas chapas: uma apoiada pelos comunistas e outra pelos setores liberal-democráticos. Desta última, participavam Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Afonso Arinos de Melo Franco, Otto Maria Carpeaux – parte deles havia assinado o Manifesto de 1947 e até apoiado candidaturas comunistas. Os participantes chegaram mesmo a entrar em confronto físico pela ata daquela reunião. Carlos Drummond acabou sendo agredido durante a escaramuça. Os comunistas ganharam a eleição, mas a entidade se esvaziou, perdeu seu caráter plural e unitário. Levaria alguns anos para que o mal fosse remediado.
Intelectuais paulistas não comunistas, como o socialista Antônio Cândido e Sérgio Milliet, passaram a ser tachados pela revista Fundamentos de “escória cultural da terra, em que pontificam tarados, renegados, lumpens e até mesmo alguns retardados mentais”. Um artigo emblemático desta fase sectária foi o de Osvaldo Peralva, intitulado Os intelectuais que traíram o povo, publicado na revista Paratodos. Sobre Manuel Bandeira, afirmou: “anticomunista raivoso, para quem a lealdade jamais constituiu uma pedra no meio do caminho”. O crítico Emílio Carrera Guerra, referindo-se também ao grande poeta, escreveu: “Essa doença que lhes faz ver tudo negro, num mundo de problemas e contradições sem saída, é própria de sua gente, da classe podre, arcaica, degenerada e moribunda”.
Magoado com tais atitudes, desabafou Bandeira: “Houve um tempo em que vi com bons olhos os nossos comunistas (…). O episódio da ABDE me abriu os olhos. Hoje sou insultado por eles ao mesmo tempo em que sou tido como comunista por muita gente”. Drummond escreveu em seu Diário: “eles pouco entendiam o nosso ponto de vista (…). A ideia de uma associação de escritores livres, sem direção sectária, parece inconcebível para eles, que, em vez de convivência pacífica, preferem assumir o domínio pleno da organização”.
Embora rompidos com parte importante da intelectualidade, os comunistas continuaram desenvolvendo suas ações e dando importantes contribuições à cultura nacional. Em muitos campos, revolucionando-a. Duas áreas merecem destaque: o cinema e o teatro.
Nelson Pereira dos Santos, então um jovem militante do PCB, dirigiu o documentário Juventude (1950), destinado ao Festival Internacional da Juventude a ser realizado em Berlim. Em 1953 foi lançado o filme O saci, baseado na obra de Monteiro Lobato, produzido pela Brasiliense Filmes, pertencente ao comunista Arthur Neves. Quase toda a equipe era composta por membros do PCB: Rodolfo Nenni (diretor), Ruy Santos (fotografo), Cláudio Santoro (música), Nelson Pereira dos Santos (assistente de direção), Alex Viany (assistente de produção), entre outros. No mesmo ano, era a vez de Alex Viany dirigir Agulha no palheiro. Os comunistas chegaram a organizar uma empresa para distribuir películas brasileiras e soviéticas, a Tabajara Filmes.
Envolveram-se até mesmo numa obra coletiva, de caráter internacionalista, produzida na República Democrática Alemã chamada Rosa dos Ventos, que trata da vida e do trabalho feminino em vários países do mundo (URSS, China, Itália, França e Brasil). O episódio brasileiro, dirigido por Alex Viany, baseava-se num texto de Jorge Amado. O filme estreou mundialmente em 1957.
Outro grande acontecimento no campo cinematográfico foi o lançamento, em 1955, de Rio 40 graus, dirigido por Nelson Pereira dos Santos. Dois anos depois, o mesmo Nelson dirigiria Rio Zona Norte. Inspirados fortemente pelo neorrealismo italiano, serviriam de referência ao movimento do Cinema Novo surgido alguns anos depois. A realidade nua e crua vivida pelo povo brasileiro finalmente entrava com força nas telas do cinema.
Os comunistas foram os principais animadores do movimento cineclubista, a exemplo do que vinha ocorrendo em outras partes do mundo. No Clube de Cinema da Bahia, organizado por Walter da Silveira, se formaram cineastas como Glauber Rocha, Roberto Pires, Orlando Senna. Walter havia ingressado no PCB em 1945 e o abandonaria durante a crise vivida por aquele partido entre 1956 e 1957. Também estiveram por trás dos dois primeiros congressos do Cinema Brasileiro, ocorridos em 1952. Ali se aprovou uma pauta voltada ao fortalecimento da cinematografia nacional.
Elenco de Eles Não Usam Black Tie encenado no Teatro de Arena
Naqueles anos 1950, ocorreria uma pequena revolução na nossa dramaturgia. No ano de 1955, dois membros da União da Juventude Comunista (Oduvaldo Vianna Filho e Gianfrancesco Guarnieri) fundaram o Teatro Paulista dos Estudantes (TPE), que logo se integraria ao Teatro de Arena. Neste “teatrinho” de não mais de 150 lugares seria apresentada Eles não usam Black-tie, de Guarnieri. A peça levou, pela primeira vez, aos palcos a vida e a luta dos operários, dos moradores dos subúrbios e favelas, com uma linguagem simples. Estreada em fevereiro de 1958, transformou-se num estrondoso sucesso de público e crítica.
Dois anos mais tarde, Vianinha e Chico de Assis resolveram ficar no Rio de Janeiro, onde o Teatro de Arena havia feito uma turnê bem-sucedida, e ali começaram a montar A mais-valia vai acabar, seu Edgard. Na estreia, em julho de 1960, centenas de estudantes e populares lotaram o anfiteatro Faculdade de Arquitetura da Universidade do Brasil. A peça ficou cerca de oito meses em cartaz, com um público médio de 400 pessoas. Era o início do Centro Popular de Cultura (CPC) da UNE no qual os comunistas desempenhariam um papel central.
Nesse ínterim surgiu uma crise séria entre o Partido Comunista e parte de seus intelectuais. Tudo começou depois do XX Congresso do PCUS (1956), onde Nikita Kruschev apresentou o seu relatório secreto denunciando os graves erros e crimes cometidos por Stálin. O fato teve um impacto devastador sobre parcelas da intelectualidade partidária. Jorge Amado, maior referência dos escritores comunistas, escreveu no jornal Imprensa Popular: “Sinto a lama e o sangue em torno de mim”. Vários intelectuais e artistas abandonaram o Partido Comunista ou foram afastados devido às divergências levadas a público, desrespeitando o centralismo democrático. Alguns deles, como Osvaldo Peralva, passaram a assumir posturas abertamente anticomunistas. A ocupação soviética na Hungria, ocorrida meses depois do polêmico XX Congresso, agravou ainda mais a situação. O fenômeno foi internacional.
No início da década de 1960, começou a se forjar uma nova frente única envolvendo intelectuais progressistas de vários matizes: comunistas, socialistas, nacionalistas, trabalhistas. Desta vez unificavam-se em torno do projeto nacional-reformista (ou nacional-popular). Constituiu-se o Comando dos Trabalhadores Intelectuais (CTI) que, ao lado da CGT e da UNE, buscava vanguardear a formação de uma frente pró-reformas de base. Vivíamos o apogeu do Teatro de Arena; do CPC da UNE; da série Cadernos do Povo Brasileiro e Violão de Rua; da editora Civilização Brasileira, comandada por Ênio da Silveira. Ocorria uma efervescência cultural no país às vésperas do golpe militar de 1964.
O movimento comunista internacional estava em meio a um processo de cisão. O Brasil passaria a ter, desde 1962, dois partidos comunistas rivais: o PC Brasileiro (PCB) e o PC do Brasil (PCdoB). A maior parte dos artistas e intelectuais optou pelo primeiro. Esta agremiação, com um forte viés reformista, se tornou hegemônica nos meios culturais durante a maior parte da década de 1960. Contudo, os desdobramentos do golpe militar – o acirramento da repressão, as repetidas cisões e as derrotas políticas –, levariam o PC Brasileiro a perder gradualmente o seu espaço privilegiado junto ao mundo cultural brasileiro. Processo que só se concluiu na segunda metade da década de 1970. Esta, no entanto, já é outra história.
Leiam também Guarnieri e a virada nacional-popular do teatro brasileiro.
* Augusto César Buonicore é historiador, mestre em Ciência Política pela Unicamp e diretor de publicações da Fundação Maurício Grabois. E autor dos livros Marxismo, história e a revolução brasileira; Meu Verbo é Lutar: a vida e o pensamento de João Amazonas; e Linhas Vermelhas: marxismo e os dilemas da revolução, publicados pela Fundação Maurício Grabois e Editora Anita Garibaldi
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